GASTOS PÚBLICOS

Risco fiscal com a PEC

Analistas avaliam que a proposta que adia pagamento de precatórios é inconstitucional, proporciona insegurança jurídica e ameaça a regra do teto para criar espaço para despesas eleitoreiras de Bolsonaro

Rosana Hessel
postado em 22/08/2021 21:19
 (crédito: Evaristo Sá/AFP)
(crédito: Evaristo Sá/AFP)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem insistindo no discurso de que não há alternativas para o Orçamento de 2022 sem aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que propõe adiamento no pagamento dos precatórios — dívidas judiciais da União — e ainda alega que a medida visa preservar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior. Contudo, cresce o número de especialistas que criticam a medida e afirmam que ela é inconstitucional, proporciona insegurança jurídica e ameaça a regra do teto para criar espaço para despesas eleitoreiras do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo eles, além de burlar a regra do teto, a PEC 23/2021 — que vem sendo chamada de PEC das pedaladas — aumenta os riscos fiscais, porque o governo quer evitar acionar os gatilhos de corte de gastos previstos na regra do teto no caso de descumprimento, como congelamento de salários e proibição de concursos, e, de quebra, busca desculpas para arrumar espaço para gastos correntes sem uma previsão clara de receita sobre as despesas, como é o caso do novo Bolsa Família. O presidente, inclusive, vem prometendo reajuste para os servidores civis no ano que vem, em pleno ano eleitoral, já que, na pandemia, apenas os militares foram agraciados com reajustes e aqueles que estão na reserva e exercem algum cargo no Executivo ganharam um teto duplex, na contramão de qualquer princípio de austeridade fiscal.

O teto de gastos é a única âncora fiscal no momento e, para piorar, essa PEC tem um jabuti que flexibiliza a regra de ouro —, que proíbe o governo de emitir títulos da dívida pública para cobrir despesas correntes —, como salários e aposentadorias, sem o aval prévio do Congresso. Guedes insiste em minimizar os problemas dessa PEC e afirmar que ela visa preservar o teto de gastos.

De acordo com o ministro, o adiamento no pagamento de precatórios é necessário porque um “meteoro” de R$ 89,1 bilhões caiu sobre a cabeça dele e da equipe econômica para serem pagos em 2022. Nos últimos dias, Guedes chegou até a ameaçar que, sem essa PEC, vai faltar dinheiro para tudo, “até para pagar os salários dos servidores”, em um claro sinal de desespero e falta de argumentos. Mas, segundo especialistas, essa ameaça não pode ser levada a sério porque não se pode condicionar o pagamento de uma despesa obrigatória a outra, e, além disso, esse aumento expressivo das sentenças poderia sim ter sido evitado se houvesse uma boa gestão orçamentária, o que parece que não ocorreu. Não à toa, o pessimismo no mercado está aumentando e as projeções para 2022 só pioram.

“Bola de neve”

Alertas foram dados mas não foram ouvidos, de acordo com o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa. Segundo ele, o governo quer transmitir para a sociedade uma fatura que poderá virar uma bola de neve sem fim. Pelos cálculos de Gouvêa, se os R$ 89,1 bilhões não forem pagos integralmente no ano que vem, em 10 anos, esse montante poderá chegar a R$ 1 trilhão, considerando o acúmulo de multas e juros no período com a rolagem, virando uma enorme bola de neve. “Essa PEC é inconstitucional, apresenta mais de 20 problemas no texto e ainda vai criar uma dívida impagável”, alerta.

Analistas reconhecem que o novo Bolsa Família é uma prioridade, mas os argumentos do governo para defender a PEC dos precatórios como uma espécie de moeda de troca para o novo benefício geram ainda mais desconfiança no mercado. Além disso, o governo não define quais as receitas recorrentes que vão custear essas novas despesas, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e tenta fugir da necessidade de aplicar os gatilhos para cumprir o teto, último fio de credibilidade no controle das contas públicas, apesar de ter alguns defeitos.

“A PEC dos precatórios é uma resposta mal formulada a um falso problema. Vamos nos entender: romper o teto na presença de gastos elevados não deveria requerer PEC. Deveria, simplesmente, levar ao acionamento dos gatilhos. Mas nada disso interessa. A PEC dos precatórios é imposta como tudo ou nada. Quem é contra, dizem, não seria a favor do gasto social. A desfaçatez é assombrosa. Sabemos quem relutou em pagar auxílio social em meio à crise pandêmica”, escreve Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, nas redes sociais. Em um relatório recente sobre a PEC, a entidade alerta para os riscos de burla ao teto e ainda destaca que a transparência das contas públicas deverá diminuir com essa medida.

Leonardo Cezar Ribeiro, especialista em contas públicas e economista do Senado Federal, lembra que o cenário econômico vem sendo contaminado pelas incertezas com relação aos impactos fiscais das medidas apresentadas pelo governo, como essa PEC polêmica, que tende a afrouxar as regras fiscais. “A reforma tributária virou uma colcha de retalhos que pode agravar o desequilíbrio das contas públicas. A PEC dos precatórios é uma proposta invertebrada que só tem um objetivo: relaxar os instrumentos de controle das contas públicas. A própria equipe econômica se mostra insegura com o texto apresentado”, afirma. Segundo ele, a medida é uma tentativa de constitucionalizar manobras fiscais que contornam regras fiscais e geram resultados fictícios nas contas públicas. “A PEC dos precatórios tira despesas do teto e ainda parcela precatórios, que pode ser entendido como uma espécie de calote para postergação de despesas que tornaram o resultado fiscal mais deficitário no presente. Além disso, há medidas acessórias na PEC que enfraquecem a regra de ouro e a lei de responsabilidade fiscal”, alerta.

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