Empreendedorismo

Empreendedores se arriscam em negócios de baixo impacto ambiental e conseguem resistir à pandemia

Tendência mundial, a busca por produtos naturais cresce no Brasil e se torna fonte de renda de quem conseguiu unir empreendedorismo e preocupação com os impactos ambientais

Thays Martins
Mariana Araújo*
Yasmin Ibrahim*
postado em 31/08/2021 07:00
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Se existiu um tempo em que era possível não se preocupar com as condições de vida na Terra, esse tempo está cada vez mais no passado. A mudança climática e outros fenômenos que impactam diretamente as pessoas mostram a urgência em encontrar maneiras de viver que levem em conta o cuidado com o planeta.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), revela um dado já familiar. As ações humanas são as principais causadoras do aumento expressivo na temperatura do planeta, chegando próximo ao limite da temperatura global estabelecida no acordo de Paris, em 2015. Diante desse cenário, é ainda mais importante o envolvimento de empresas e outras organizações em iniciativas que combatam o problema.

A preocupação em ter uma marca com baixo impacto ambiental foi o que inspirou as irmãs Patrícia, 50 anos, Tércia, 47 anos, e Flávia Firme, 46 anos, a se unirem para tirar do papel uma marca de cosméticos orgânicos, a Livli Cosméticos (@livlicosmetica).

As irmãs contam que tudo começou quando uma delas, Flávia, descobriu ser alérgica a componentes usados em cosméticos. Ao mesmo tempo, outra irmã, Tércia, sempre se preocupou em diminuir os impactos no meio ambiente. Elas então entenderam que a necessidade de encontrar produtos alternativos poderia se tornar uma oportunidade de negócio, e em novembro de 2019 deram os primeiros passos para que a marca se tornasse realidade.

"Além das pessoas veganas e vegetarianas, tem uma gama de pessoas que estão preocupadas com a saúde, com aquilo que passam na pele. São produtos que não fazem testes em animais, que são de agricultura familiar, de um comércio justo e com embalagens que causam pouco impacto ao meio ambiente", explica Flávia.

Elas só não esperavam que o mundo fosse enfrentar a pandemia de covid-19, com impacto direto aos negócios de todos os tipos. Com pouco mais de um ano e meio de empresa, precisaram fechar a loja por um período, mas se reorganizaram, fizeram cursos para aprender sobre redes sociais no Sebrae e, de volta ao mercado, as irmãs têm visto uma grande procura pelos produtos.

“Estar nas redes sociais e ter um site foi uma possibilidade de aumentar os nossos canais de venda, principalmente neste cenário pandêmico. Temos um contato legal com clientes nas redes, mas ainda estamos aprendendo com o site.” conta.

Flávia ainda comenta que mesmo antes da pandemia a junção do empreendedorismo e o ambiente digital já era uma realidade.

“É um universo de possibilidades! De comunicação, de apresentação de produtos, de informação sobre endereço, mapa para chegar até a loja... A pandemia somente intensificou isso. Onde o cliente estiver, temos que colocar a nossa carinha lá, lembrar que existimos, o que temos a oferecer.” afirma.

Hoje, o empreendimento se tornou um espaço de revenda dos principais produtos naturais, como maquiagens, produtos para o corpo e higiene. "Conseguimos fidelizar clientes e alcançar um público maior", destaca. A empresa agora atende tanto fisicamente, na CLS 113, quanto na internet.

Os biocosméticos e os cosméticos sustentáveis fazem parte dos produtos que usam como matéria prima substâncias naturais ou reduzem ações prejudiciais como os testes em animais e a produção e descarte de embalagens.

Segundo a fundação alemã Heinrich Böll, o Brasil produz mais de 11 milhões de toneladas de plástico ao ano, o que o faz ser o 4° maior produtor de lixo plástico de todo o mundo.

Além de produzir todo esse lixo, pouquíssimo dele é reaproveitado. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 2,1% dos resíduos são reciclados.

A possibilidade de ajudar o mundo a se tornar um lugar melhor no pós-pandemia foi o que motivou os amigos Gabriel Brito e Théo Ávila a abrirem uma ecobarberia em Brasília, a primeira do país. A Comuna (@comunaecobarbearia) oferece os serviços de uma barbearia comum, mas com o adicional de só usar produtos que não agridem o meio ambiente.

"Resolvemos encarar primeiro esse desafio como uma oportunidade para criar um projeto para o mundo pós pandemia que com certeza mudou e mudará toda a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos", explica Gabriel Brito. "A pandemia aflorou ainda mais o nosso sentimento pelo coletivo”, conta.

 

 Espaço Comuna na Asa Norte CLN 409
Espaço Comuna na Asa Norte CLN 409 (foto: Arquivo pessoal)
 

Gabriel Brito ressalta que Brasília tem vocação e espaço para o empreendedorismo sustentável, mas isso não impede que haja muitos desafios.

"O maior desafio sem dúvidas é achar um equilíbrio entre ser um empreendimento, que por si só tem como objetivo ter lucro, com a redução dos impactos negativos no meio ambiente. Achar marcas alinhadas com o nosso propósito foi bem complicado, ainda mais para o público masculino. Então inovamos e fizemos parcerias com outros empreendedores sustentáveis locais, e tivemos a grata surpresa de serem produtos de alta qualidade", explica Gabriel.

O pensamento socioambiental não está apenas nos produtos e serviços do espaço físico da barbearia, as ações também são aplicadas no ambiente virtual.

“Nossas redes sociais produzem conteúdo para atrair os olhares dos nossos públicos-alvo e levar conhecimento sobre sustentabilidade, beleza, saúde e conscientização ecológica.” conta.

Com a junção do espaço físico e do ambiente virtual, a empresa viu uma possibilidade de mais uma ação ambiental. “Através do digital nossos clientes irão conhecer a Comuna, nosso portfólio de serviços, produtos, agendar e até pagar, mais uma ação de responsabilidade socioambiental.” explica.

 
 
 
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E dentro de casa?

Trabalho artesanal e sustentável, esta é a proposta do Era o que Faltava (@eraoquefaltava). A marcenaria de Brazlândia oferece móveis personalizados feitos com madeira de pinus, que é extraída por técnicas de reflorestamento, além de cursos para marceneiros.

Rodrigo Paulucio, de 36 anos, fundador da empresa, lembra que a ideia de trabalhar com móveis de paletes surgiu em um momento de desemprego. “Por sorte do destino eu conheci uma pessoa que trabalhava com paletes, e eu me voluntariei a aprender e me encantei. Uma semana depois surgiu a Era o que faltava”, conta.

A presença da marca começou no ambiente digital, como uma espécie de catálogo. Dois meses depois o projeto ganhou um espaço físico, uma banca para venda de artesanatos. Depois de dois anos, a banca fechou, se concentrando apenas nas vendas online.

“Abri o perfil no instagram e comecei postando algumas coisinhas que eu ia fazendo, para adquirir experiência, não eram para vendas. Dois meses depois do instagram, abrimos uma banca que durou por dois anos, mas na verdade mesmo, o digital veio antes do físico e a intenção sempre foi manter o digital.” explica Rodrigo.

Rodrigo Paulucio fundador da empresa Era o que faltava / Arquivo pessoal
Rodrigo Paulucio fundador da empresa Era o que faltava / Arquivo pessoal (foto: Arquivo pessoal)

Segundo o empreendedor, o público que procura os serviços oferecidos pela loja busca produtos alternativos, mas com atenção à singularidade. “Grande parte [dos clientes] gosta de dar uma importância a pequenos produtores, algo mais personalizado, além disso do conceito da sustentabilidade e de fomentar a economia local”, explica.

Rodrigo ainda destaca que na contramão de muitas empresas, o ramo da mobília teve crescimento durante a pandemia. “O mercado aqueceu bastante, muitas pessoas trocaram os móveis por estarem mais em casa. Mas a gente teve que lidar com trabalhar em um período em que estava todo mundo se sentindo inseguro. Cuidando sempre, mas assumindo riscos. E o efeito colateral é que estão aumentando os preços, os materiais estão ficando mais caros”, destaca.

Atendendo de forma virtual, Rodrigo comenta sobre empreender digitalmente e em como o mercado atual mostra a necessidade das empresas estarem nesse ambiente. “Sobre o espaço de empreendedorismo na internet e os benefícios de combinar a empresa com o digital, eu acho que hoje em dia não existe mais separação. Ou você sabe usar a ferramenta e estar na internet, ou você, infelizmente, vai perder espaço cada vez mais.” diz.

 
 
 
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Brasília como potencial econômico

O diretor superintendente do Sebrae, Valdir Oliveira, explica que os negócios focados em diminuir os impactos ambientais ganhou força nos últimos dez anos. "Com o aumento da renda que tivemos há algum tempo, há uma qualificação do consumo e o impacto daquele produto acaba sendo determinante para a decisão de consumir", ressalta.

Valdir ainda explica que apesar da pandemia ter diminuído a renda das pessoas de uma forma geral, Brasília não sentiu tanto esse impacto pela grande quantidade de servidores públicos, o que faz da capital um ótimo local para esse tipo de empreendedorismo. "Temos um consumidor privilegiado, que tem uma renda mais elevada e aqui é possível agregar o que em outros cantos pode ser considerado supérfluo. O nosso consumidor prefere pagar um pouquinho a mais e ter um consumo mais consciente", analisa.

Ele ressalta ainda que quem empreende nessa área tem que saber usar o marketing digital a seu favor, ou seja, tem que saber valorizar seu produto e disponibilizá-lo para quem procura. "Muitas vezes a gente perde o nosso consumidor para empreendedores de outro estado, então tem que saber chegar nesse cliente. Não adianta eu ter um produto sustentável e o cliente não saber disso", aconselha.

No entanto, para que uma empresa nesse nicho seja capaz de se manter no mercado, é importante que ela tenha uma forte presença e comprometimento com as causas. É o que explica o professor de mestrado em Gestão Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Mauro Nunes. Para ele, independente do tamanho da empresa é importante que seja revisto não apenas os processos de produção, mas também a integração de funcionários e clientes.

“Todos devem estar envolvidos no esforço de reduzir os impactos climáticos. Para as pequenas empresas, há uma necessidade de uma ação educativa por parte dos órgãos de apoio para os pequenos empreendedores para auxiliar as práticas sustentáveis e reduzir o impacto desses processos." afirma.

*Estagiárias sob supervisão de Hellen Leite

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    Espaço Comuna na Asa Norte CLN 409 Foto: Arquivo pessoal
  • Rodrigo Paulucio fundador da empresa Era o que faltava / Arquivo pessoal
    Rodrigo Paulucio fundador da empresa Era o que faltava / Arquivo pessoal Foto: Arquivo pessoal
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