CONJUNTURA

Cenário econômico é o telhado de vidro de Bolsonaro

Piora no cenário econômico, resistência em defender a vacinação em massa, falta de empatia durante a pandemia da covid-19 e CPI serão um prato cheio para os candidatos da terceira via atacarem o presidente na campanha eleitoral de 2022

Rosana Hessel
postado em 12/09/2021 06:00
 (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press - 5/2/19)
(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press - 5/2/19)

O cenário econômico deverá continuar apresentando bastante turbulência, enquanto a corrida presidencial de 2022 não estiver definida, e será o telhado de vidro do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). As pesquisas, por enquanto, não apontam grandes chances de uma terceira via para chegar ao segundo turno e, com isso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue na liderança. O chefe do Executivo continua em segundo, mas com uma rejeição maior, acima de 50%, e o clima de polarização vem se cristalizando, para desespero dos agentes econômicos.

Enquanto isso, empresários, banqueiros e entidades empresariais tentam articular nos bastidores e buscar um nome capaz de formar uma boa chapa para atrair os 30% de eleitores que não querem Lula nem Bolsonaro, ainda sem sucesso. Analistas não têm dúvidas de que o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro, ao contrário do que se imaginava no início do ano, será a economia, que não deverá apresentar bons indicadores no ano que vem.

O Produto Interno Bruto (PIB) não vai crescer, a inflação continua elevada e o desemprego, também. Lucas Fernandes, coordenador de política da BMJ Consultores Associados, reconhece que, diante de tantos números ruins na economia que estão por vir, será muito difícil para o presidente se defender durante a campanha eleitoral. Portanto, munição não vai faltar para os opositores, tanto em indicadores ruins da economia quanto em vídeos polêmicos de descaso com as vítimas da pandemia. “Os candidatos da terceira via precisarão jogar muita pedra em Bolsonaro para melhorarem as próprias chances de irem para o segundo turno contra Lula”, frisa.

Aliás, Bolsonaro precisará explicar os erros que cometeu durante a pandemia da covid-19. A demora em reconhecer que a doença não era uma “gripezinha”, os deboches em vídeos imitando pessoas com falta de ar, a resistência em promover a vacinação em massa, que só avançou por pressão dos governadores, e as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado Federal serão um prato cheio para a oposição na campanha eleitoral.

Analistas lembram que a pobreza no país está aumentando devido à crise provocada pela pandemia da covid-19 e à falta de uma política econômica consistente para fazer o país conseguir crescer de forma sustentável. E é justamente para essa fatia da população que a inflação sem trégua preocupa e dói no bolso. Existem 61,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza no país, conforme dados do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP), um contingente que pode definir a eleição.

Os nomes cogitados até o momento, como Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB) e João Dória Jr. (PSDB), de acordo com o CEO da AP Exata, Sergio Denicoli, não apresentam força nas redes sociais e, muito menos, articulação, para conseguirem ganhar espaço na preferência dos que não querem os dois extremos. “A terceira via perdeu relevância e mobilização. A terceira via precisa das ruas, e elas estão monopolizadas pela polarização”, afirma. Segundo ele, houve diminuição do engajamento das manifestações prevista para este domingo após a carta pacificadora de Bolsonaro.

Fernandes também não vê espaço ainda para uma terceira via, apesar da mobilização de empresários nesse sentido. No caso do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), confirmado como pré-candidato do partido. Ele ainda precisará ser testado nas próximas pesquisas. “Lula tem ampla vantagem, em torno de 40%, mas gera muita incerteza quando parte para um discurso mais radical”, afirma, citando como exemplo o fato de ele ter cogitado a derrubada do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação e única âncora fiscal vigente. “Mas é difícil acreditar nas chances de um candidato dessa terceira via no momento atual. Por enquanto, esses 20% a 23% de apoio de Bolsonaro garantem ele chegar no segundo turno para enfrentar Lula”, avalia.

Riscos fiscais

Vale lembrar que os benefícios da inflação mais alta no começo de 2021, que geraria uma margem extra no teto de gastos no Orçamento de 2022 para o governo gastar, não deverá existir, o que vai complicar a situação de Bolsonaro para arrumar espaço fiscal para cumprir promessas e garantir o Centrão na base governista, barrando qualquer chance de impeachment, por exemplo.

Pelas estimativas do economista e professor doutor da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber, o desemprego no ano que vem poderá ficar em torno de 15%, batendo novos recordes. E, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, insistir em falar que o fiscal está melhorando, porque o deficit primário está diminuindo e as despesas devem encolher de 19,5% do PIB para 17% do PIB no ano que vem, os parâmetros desse cálculo estão defasados e muitas despesas não estão incluídas como a ampliação do Bolsa Família e o impacto de quase R$ 30 bilhões nas mudanças.“A conta não fecha, e deficit zero é impossível até 2024. Esquece”, afirma Silber, rebatendo a promessa de Guedes em zerar o rombo das contas públicas no ano que vem.

Para a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, o governo terá grandes dificuldades para ampliar o Bolsa Família e, até agora, não apresentou uma boa saída para o problema dos R$ 89,1 bilhões de precatórios — dívidas judiciais — que precisam ser pagos no ano que vem e, por conta disso, não deixam espaço para despesas extras. “Essa discussão ainda precisa ser amadurecida, mas há um consenso entre investidores de que, se o governo insistir em adiar o pagamento dos precatórios, será muito pior do que tentar encontrar uma saída colocando parte da despesa fora do teto de gastos”, alerta.

“A agenda econômica prometida por Paulo Guedes ficou muito aquém do prometido. O governo não entregou a maioria das promessas, e os analistas estão mais cautelosos em relação ao risco de ruptura do regime democrático, que não deverá sair do radar tão cedo. Uma parte do mercado, que comprava o cenário de que a economia estava bombando, achava que era exagero da mídia, mas a realidade está se impondo”, destaca a sócia da Tendências. 

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Sem ajuda do exterior

Diante da piora das perspectivas econômicas em meio às instabilidades políticas e às ameaças de crise energética, especialistas alertam que o cenário externo não vai mais ajudar o país crescer em 2022, porque não está mais favorável como no início do ano. Eles lembram que a variante Delta da pandemia da covid-19 já está fazendo estragos lá fora, inclusive, nos Estados Unidos, e, portanto, a desaceleração global também ajuda a frear o processo de retomada.

“A China, que é responsável pela produção de metade do aço no mundo, está desacelerando devido à variante Delta e vemos o impacto disso na queda do preço do minério de ferro, uma das principais commodities exportadas pelo Brasil. Logo, as exportações não devem continuar crescendo como antes e não ajudarão a impulsionar a atividade econômica”, alerta o professor Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP).

“Bolsonaro não terá bons números da economia para apresentar em 2022, que será um ano marcado por muita incerteza e muita volatilidade. A gente também vai colher os frutos da política monetária mais restritiva e tem o risco de um cenário internacional mais desafiador, com os governos reduzindo os estímulos monetários e fiscais, o que não ajudará a economia doméstica como antes’, destaca a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.

Na avaliação do economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, um dado positivo na conjuntura econômica é a vacinação em massa, que está ajudando na retomada recente das atividades do setor de serviços, inclusive, o comércio. Contudo, ele reconhece que, diante das incertezas políticas do momento, especialmente sobre as chances cada vez mais reduzidas de avanços nas reformas, os investimentos, que são um importante motor para o crescimento sustentável, não devem crescer nos próximos meses. “O investidor ainda está com o pé atrás em relação ao ambiente corrente e com a perspectiva de polarização nas eleições. Esse cenário afugenta os investidores de todos os lados”, alerta Jensen. Ele ressalta que, no caso de racionamento, dólar pode ir para R$ 6. (RH)

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