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Novo Bolsa Família: crise econômica e aumento de impostos trava ajuda aos mais pobres

Para turbinar programa de transferência de renda em plena crise econômica, Jair Bolsonaro repete a fórmula de aumentar impostos sem cortar despesas. Especialistas criticam

Israel Medeiros
postado em 20/09/2021 06:00 / atualizado em 20/09/2021 06:00
 (crédito: Ana Nascimento/CCE)
(crédito: Ana Nascimento/CCE)

Mesmo diante de uma grave crise social e econômica em um cenário de pandemia e instabilidade política, os últimos meses de 2021 serão cruciais para frear o retrocesso do país quando o assunto é pobreza. Segundo uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgada este mês, pelo menos 27,7 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza. Número que chegou a ser maior nos primeiros meses do ano, quando o auxílio emergencial estava suspenso e cerca de 34,3 milhões dependiam desse dinheiro.

Os números podem voltar a subir, já que as últimas parcelas do auxílio emergencial – que hoje variam entre R$ 150 e R$ 375 – estão previstas para novembro. Consciente da alta de sua popularidade em 2020, quando os pagamentos começaram, o governo federal busca, agora, turbinar o Bolsa Família sob o nome de Auxílio Brasil.

A ideia é substituir o programa que foi popularizado no governo Lula e aumentar em 15% o número de beneficiários, totalizando 17 milhões. Hoje, a fila do Bolsa Família está em 1,2 milhão de famílias. O problema, no entanto, é que a equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) enfrenta uma grave crise fiscal e busca alternativas para encaixar a nova despesa no Orçamento da União.

Para iniciar os pagamentos ainda em 2021, Bolsonaro editou um decreto que aumenta as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que tem caráter extrafiscal – ou seja, serve para regular a economia, não para aumentar a arrecadação. Isso, segundo especialistas, pode causar sérios problemas em uma economia já fragilizada e significar um tiro no pé por parte do Executivo.

Quando ele aumenta o IOF, vai causar um grande dano na economia. O que o presidente fez é permitido por lei, mas é o remédio errado, porque ele vai prejudicar quem está fazendo operações financeiras. O país está num momento de recessão muito forte, tentando se recuperar da pandemia, todas as atividades econômicas foram afetadas. Quando o empresário vai procurar financiamento, para fluxo de caixa, vai se deparar com IOF altíssimo porque o governo quer bancar o Bolsa Família”, explica Mirian Lavocat, advogada tributarista do Lavocat Advogados.

Para a especialista, o governo deveria unir esforços para cortar despesas, não aumentar impostos. Em 2022, a ideia do governo é bancar o programa a taxação de lucros e dividendos, prevista no projeto de reforma do Imposto de Renda.

Outra solução, considerada a mais importante para a equipe econômica, é a aprovação da PEC dos Precatórios, que permitirá ao governo parcelar dívidas judiciais das quais já não pode mais recorrer. O tema já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e, agora, será analisado por uma Comissão Especial.

Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que o principal problema orçamentário, hoje, é a rigidez do teto de gastos, pressionado pela alta despesa com juros da dívida pública. Para ele, o ideal seria promover alterações no teto de gastos para que o governo pudesse gastar mais em situações excepcionais, como é o caso da pandemia. Ele entende, contudo, que o momento não é oportuno para o governo tentar mexer em um tema tão sensível. Marconi ressalva, no entanto, que a assistência social nunca foi uma prioridade do governo. “Do ponto de vista social, um Bolsa Família maior é importante para quem é mais pobre. Mas é uma manobra contábil do governo. Se o governo tivesse se ocupado com as políticas sociais, teria essa preocupação com o Bolsa Família no início do governo, não às vésperas do ano eleitoral. É uma medida claramente eleitoreira”, aponta.

Barbárie

Com a incerteza em torno do novo programa de transferência de renda e a inflação nos piores níveis dos últimos anos, o que sobra após o fim do auxílio emergencial é o aprofundamento das desigualdades. É o que explica o economista e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Felipe Queiroz. Ele ressalta que a perda de renda das famílias tem marcado o governo Bolsonaro e que o auxílio foi um atenuante, mas o foco do governo está longe de ser o de garantir melhores condições aos mais pobres. “Se não houver alterações na política do teto de gastos, é algo antropofágico. Você corta recursos de áreas necessárias e essenciais, como saúde e educação, que são importantes nesse período, e coloca num programa eleitoreiro emergencial. Não é uma política social ou que possa se manter por quatro anos, é pensando em eleição”, diz.

Para o acadêmico, o que sobra depois do fim do auxílio é “barbárie”. “Não há emprego, não há auxílio, o custo da manutenção da vida aumentou muito. Quando acabar o auxílio, o Brasil aprofundará mais sua condição social e vai piorar sua situação no Mapa da Fome, podendo ampliar rapidamente a desigualdade para patamares que tínhamos na década de 1980”.

Roberto Piscitelli, professor de economia da UnB, também ressalta o fator benéfico do auxílio emergencial. Ao falar sobre o Bolsa Família, o especialista explica que o país deve manter programas de transferência de renda enquanto as condições sociais do país não melhorarem, já que o chamado efeito multiplicador dos programas é “enorme”.

“Em países como o Brasil, pela quantidade de desempregados, com os níveis de pobreza, não há como abrir mão de um programa essencial como o Bolsa Família, não há como não ter um programa desse tipo que seja de caráter permanente até que a gente modifique substancialmente as condições sociais do país”, pontua.

Piscitelli acredita, no entanto, que o Auxílio Brasil não deveria ser bancado com o parcelamento de precatórios, algo que ele considera “a mais cruel das decisões”. “É mais que uma injustiça, é uma irresponsabilidade, não se justifica sacrificar em dezembro centenas de milhares de pessoas que esperaram esses precatórios”.

Ele discorda de que não haja espaço no orçamento, é tudo uma questão de prioridade. “A classe política sempre encontra uma saída quando considera uma medida importante. Aprova emenda à Constituição, projeto de lei, então, se achar que tem mais peso, abre mão, vai jogar às feras a categoria menos articulada e organizada, mais dispersa politicamente, como é o caso de quem será prejudicado com a PEC dos precatórios, que eu acho que será aprovada”, prevê.

 

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