Como se não bastassem os ruídos político-fiscais e a crise energética do país, que refletem diretamente na alta inflação e em outros índices da economia, fatores externos também complicam o cenário doméstico. O abalo mundial provocado pela pandemia da covid-19 e pela crise energética da China, maior parceiro comercial do país, estão entre os principais. E, ao que tudo indica, a tendência para os próximos meses é de piora, especialmente porque o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, prevê iniciar, em novembro, a retirada de estímulos à economia, em razão da pandemia, o que elevará os juros da maior economia do planeta e atrairá recursos de investidores que, hoje, investem em mercados emergentes, como o Brasil.
A crise energética na China, por exemplo, já ocasionou a suspensão do funcionamento de várias de suas indústrias importantes para evitar a repetição de blecautes que ocorreram recentemente no país. Fábricas da Nike e da Apple foram algumas das produções que chegaram a ser interrompidas em razão dos apagões. A medida agravou o fornecimento de componentes importantes para as fábricas de todo o planeta.
Vander Mendes Lucas, economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), explica como o abalo na economia da China afeta diretamente os investimentos no Brasil. “Há investimentos que são feitos aqui, porém com objetivos de ampliar mercados consumidores em outros países, como os investimentos chineses em aeroportos, portos e produção de energia, que ampliam a produção brasileira, porém com vistas à ampliação das exportações para a China. Por isso, se a China não vai bem , como têm demonstrado, os investimentos no Brasil podem ser freados”, afirma o especialista.
Na avaliação do economista Alexandre Flávio Silva Andrada, igualmente professor da UnB, além da crise energética que afeta a indústria chinesa, a retomada mais lenta do crescimento da economia na China e os perigos em relação a uma bolha no setor da construção civil do país também podem afetar negativamente o desempenho da economia brasileira. “O mesmo pode ocorrer se os EUA decidirem aumentar sua taxa de juros para combater a inflação, que está na casa dos 5%, um patamar muito elevado para os padrões de lá. Isso implicaria uma saída de capitais do Brasil, em uma necessidade de aumentar a taxa selic, o que levaria a menos consumo e menos investimentos, entre outras consequências", explica.
Diante da previsão de aumento na taxa de juros dos Estados Unidos, o que deve ocorrer em novembro, Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, explica que os investidores vão “correr” para a economia norte-americana como porto seguro. “Vão retirar investimentos dos países emergentes, como Brasil, e até de países de primeiro mundo, da Europa, por verem um cenário cada vez mais adverso nessas economias”, explica.
Petróleo
Sobre a economia europeia, Piter explica que o continente, assim como os demais, tem sido altamente afetado em razão das commodities (matérias-primas), regidas pela lei de oferta e demanda, e pelo alto preço do petróleo, atualmente vendido a mais de US$ 80 o barril. Além disso, particularmente, o continente enfrenta o alto custo do gás natural para produção de energia. “Os países na Europa estão gerando inflação de 4% ao ano, em média. Na Inglaterra, já registra-se a maior inflação em 30 anos”, pontua o economista. Ainda segundo Piter, o aumento do custo do gás natural se dá em razão da maior demanda deste combustível, uma vez que a China, que tem como principal fonte energética o carvão, tem buscado utilizar energias mais limpas e passou a comprar o gás natural da Rússia.
Em seu último relatório com dados do trimestre encerrado em agosto, o Banco Central (BC) do Brasil acrescentou dois fatores de risco para o crescimento das economias emergentes. O primeiro deles são justamente as reduções nas projeções de crescimento das economias asiáticas, que refletem também a evolução da variante delta da covid-19. “Questionamentos dos mercados a respeito dos riscos inflacionários nas economias avançadas podem tornar o ambiente desafiador para países emergentes”, diz o relatório assinado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Adicionalmente, o banco aponta as persistentes pressões sobre componentes voláteis como alimentos, combustíveis e, especialmente, energia elétrica, que refletem movimentos da taxa de câmbio, dos preços internacionais das commodities e de condições climáticas desfavoráveis.
Apesar dos fatores externos terem grande impacto na economia doméstica, as questões internas ainda são as que mais devem puxar os números para baixo, apontam especialistas. O BC afirma que os reajustes na taxa básica de juros, a Selic, ao mesmo tempo que irão frear a alta da inflação a curto e médio prazos,devem desacelerar a economia. A previsão do Comitê para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgada na ata da última reunião do colegiado, é de inflação para 2021, 2022 e 2023 em torno de 8,3%, 4,1% e 3,25%, respectivamente.
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Perda de investimentos é realidade
As estatísticas do setor externo divulgadas há duas semanas pelo Banco Central apontam que investidores estrangeiros retiraram US$ 170 milhões em investimentos em carteira no mercado doméstico, na passagem de julho para agosto. Já os investimentos diretos no país (IDP) somaram US$ 4,5 bilhões em agosto, valor abaixo da estimativa da autarquia para o período, que era de US$ 5,8 bilhões. Nos 12 meses encerrados em agosto, os IDP totalizaram US$ 49,4 bilhões, valor 26% abaixo do verificado no mesmo período do ano passado.
O professor de economia Vander Lucas aponta que mais investimentos serão perdidos com a elevação dos juros pelo Banco Central norte-americano, em novembro. Segundo ele, hoje, a única coisa que tem impedido investimentos na economia norte americana são juros baixos, em razão da política econômica de combate aos efeitos da pandemia. Fora isso, o professor explica que a economia nos Estados Unidos é mais estável e passa mais segurança.
“Se as taxas de juros começarem a aumentar nos EUA, com certeza, os investimentos no Brasil se reduzirão, pois a economia americana é muito mais estável e se tornará mais atrativo investir lá do que aqui”, diz Lucas. O economista explica que, a partir disso, é possível verificar a importância de uma economia e sociedade brasileira “saudáveis”, em que o investidor não enxergue grandes riscos. “Já temos taxas de juros atrativas, porém tais variáveis econômicas, sociais e políticas ainda deixam a desejar para termos uma sociedade realmente avançada”, alerta.
O economista Alexandre Andrada concorda. Na sua avaliação, o principal problema do Brasil é de ordem doméstica. “Em 2017, 2018 e 2019 nós crescemos por volta de 1% ao ano. Para 2022, as expectativas estão convergindo para esse valor. Ou seja, aparentemente o Brasil está condenado a ter um crescimento econômico medíocre, mesmo com o mundo voltando ao antigo normal”, destaca Andrada. “É óbvio que o cenário externo pode ajudar ou piorar nossa situação, mas o nosso problema é interno, doméstico, criado por nós”, reforça o professor.
Vander Lucas afirma que ter equilíbrio interno já ajudaria bastante, especialmente em termos de câmbio. “Ajudaria a não termos um câmbio tão elevado como está. Alguns especialistas falam que poderíamos estar com um câmbio de R$ 4,20”, conta. Lucas explica, ainda, que, entre vários fatores decisivos para os investidores, estão o potencial de prosperidade e crescimento do setor analisado, a situação econômica do país para os próximos anos, e a estabilidade econômica, política e jurídica do país.
“Atualmente, temos visto muitas confusões dentro do Brasil que, com certeza, afetam as decisões de investimento. As reformas que não saem afetam negativamente, pois deixa dúvidas se este país está disposto mesmo a melhorar as condições para recebimento de investimentos para a expansão dos negócios. O STF mudando decisões, sejam econômicas ou não, tudo isso coloca em xeque a estabilidade jurídica do país, apesar da nossa taxa de juros estar aumentando”, ressalta o professor.
Alexandre Andrada avalia que o quadro inflacionário no país e a situação econômica só deverão apresentar alguma melhora a longo prazo, com a retomada do nível de emprego e renda das famílias. “O controle da pandemia e a volta da normalidade econômica são algo que parece estar cada vez mais próximo, virá com a consequente retomada do nível de emprego, renda e consumo, que tende a demorar um pouco mais. Sem emprego e renda não há consumo; sem consumo, não há investimentos”, explica.