Governo

Esperança de brasileiros pobres, Auxílio Brasil é uma dinamite fiscal

Anunciado pelo governo sem a indicação da origem dos recursos, programa social provoca um terremoto no Ministério da Economia — quatro secretários pediram demissão — e, segundo especialistas, adquiriu viés eleitoreiro

Tainá Andrade
postado em 22/10/2021 01:08 / atualizado em 22/10/2021 01:12
Gil Castello Branco:
Gil Castello Branco: "Será dar com uma mão e tirar com a outra" - (crédito: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)

Neidy Silva, 33 anos, é mãe de Enzo, 9 anos. Os dois vivem em uma quitinete alugada por R$ 450, em Samambaia Norte, região administrativa do Distrito Federal. Ela mantém sua pequena família com uma renda instável, que é a soma das faxinas na casa de vizinhos e da venda de sabão caseiro. Uma vez por semana, Neidy se desloca ao Hospital da Criança de Brasília (HCB) para o menino fazer um tratamento.

Durante a pandemia, a mãe solo foi demitida de dois empregos. Por isso 90% das suas despesas são pagas com o auxílio do governo. Neide é apenas um dos brasileiros aptos a ganhar os R$ 400 do Auxílio Brasil. Confirmado para ser distribuído no próximo mês a 14,6 milhões de famílias, o programa tem a meta de beneficiar 17 milhões. O problema é ausência, até o momento, da origem dos recursos.

O anúncio do programa tem impacto direto nas contas públicas. É uma despesa adicional de pelo menos R$ 30 bilhões no Orçamento e, nas palavras do ministro Paulo Guedes, uma "licença para gastar". Essa mudança na postura do governo provocou um terremoto no ministério da Economia. Nesta quinta-feira (21/10), quatro secretários da pasta pediram demissão

Fonte permanente

Gil Castello Branco, economista e diretor executivo da Associação Contas Abertas, intitula a ação de “caminho fiscal populista” e garante que é uma política pública insustentável. Para ele, proposta deveria ter uma fonte permanente de recursos. “A ideia era passar para R$ 300, mas R$ 100 a mais era como se fosse um bônus temporário de agora até o final de 2022. Isso acaba sendo uma falácia, porque não vejo a menor chance de algum governo eleito no próximo ano continuar com o benefício. Uma das primeiras medidas será acabar com o bônus. [Bolsonaro] vai elevar para um novo patamar e será irreversível. É preciso que houvesse uma fonte permanente dessa despesa que será contínua”, explicou.

Na live semanal desta quinta-feira (21/10), o presidente Jair Bolsonaro garantiu haver espaço no orçamento para o benefício de R$ 400. “O Congresso Nacional vai votar e a PEC dos precatórios deve ser aprovada. O texto base deve ser aprovado de modo que teremos espaço no orçamento dentro da responsabilidade para aprovarmos o Auxílio Brasil de R$ 400. Deixar bem claro: a média do Bolsa Família é de 192 reais. Nós vamos levar a todos para, no mínimo, R$ 400, tem espaço no orçamento. Com a inflação, os alimentos estão pesados. O Auxílio Brasil tem que ser algo para o cara comprar seus mantimentos ou parte deles”, disse.

Castello Branco considera a proposta inviável. “Qualquer política pública tem que ser sustentável. Se o governo optar por bancar uma política pública fazendo uma aventura fiscal, será dar com uma mão e tirar com a outra. Jair Bolsonaro está utilizando o auxílio como paraquedas para amenizar a sua queda de popularidade e está focado na sua reeleição”, opinou.

O especialista considerou outras alternativas. “Ele poderia criar um valor dentro do orçamento, mais baixo, mas ele está se aventurando, tomando um caminho fiscal populista. Em uma semana, vimos a bolsa cair sete mil pontos, desde o anúncio de que aconteceria o benefício. O dólar aumentou, taxa de juros aumentou, inflação aumentou, diminuiu investimentos, porque empresários ficam inseguros. Tudo isso refletiu a insegurança do mercado daqui para frente. Essa irresponsabilidade tem perna curta. Em um primeiro momento, parece uma carruagem, mas vira logo abóbora. Dá R$ 400, mas a inflação sobe e aquele ganho aparente acaba sendo consumido. Acaba sendo uma ilusão”, continuou.

Receio de beneficiários

Ieda de Almeida, dona do lar, 35 anos, moradora da Fercal, região administrativa do DF, está animada com a oportunidade de aumentar um pouco a sua renda. Mãe de três filhos, ela também recebe o auxílio do governo. Sem trabalho, seu maior medo é que cortem de vez o benefício. “Tenho medo de cortar o auxílio, porque vi na televisão que vai cortar o auxílio de muita gente, isso é uma ajuda para gente que tem filho pequeno”, ponderou.

O Ministério da Cidadania, responsável pela execução do projeto, informou que o programa social “estabelece critérios que vão fortalecer a rede de proteção social e criar oportunidades de emancipação para a população em situação de vulnerabilidade”. A ideia geral é que não seja somente uma distribuição de renda, mas que englobe nove modalidades diferentes de benefícios entre assistência social, saúde, educação e emprego. Segundo a pasta, todas as informações serão amplamente divulgadas pelo Governo Federal por meio de campanhas publicitárias e informes nos canais oficiais.

“O problema é que já vimos esse filme. No momento em que se quebra o teto, os agentes econômicos começam a temer que o teto seja dinamitado, ou seja, desviado para os outros fins. O governo, mais uma vez, está usando desses artifícios que, em um primeiro momento pode agradar, mas depois piora”, alertou Castello Branco.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação