COMBUSTÍVEIS

Disputas políticas agravam cenário

Em meio a pressões do Planalto e do Congresso para segurar os preços, mas obrigada a gerar lucro para os acionistas, Petrobras transfere ônus das importações às distribuidoras

» Rosana Hessel
postado em 23/10/2021 23:50
 (crédito: Arquivo/Petrobras)
(crédito: Arquivo/Petrobras)

Disputas e pressões políticas também estão no meio da crise no mercado de combustíveis. “Os preços domésticos não refletem as cotações internacionais. A Petrobras tem dificuldades de repassar os valores, porque a pressão do Planalto e do Congresso é muito grande. Como a estatal tenta minimizar o prejuízo importando menos, transfere parte da responsabilidade (do abastecimento) para os distribuidores”, explica o especialista em infraestrutura Cláudio R. Frischtak, sócio-fundador da consultoria Inter.B.

“De um lado, a companhia sofre pressão para segurar preços, de outro, tem obrigações perante centenas de milhares de acionistas. Infelizmente, quanto mais o governo fala e o Congresso se manifesta, mais ideias criativas surgem, cresce a incerteza na área fiscal, o real se desvaloriza e a defasagem do preço do combustível entre o mercado doméstico e o internacional aumenta. Essa defasagem eleva a pressão para a Petrobras elevar os preços. Todos reclamam. Os caminhoneiros, porque não conseguem repassar o aumento para o frete; os usuários, donos das cargas, se queixam da alta dos custos de produção; os distribuidores reclamam que não têm combustível, porque, se importarem, vão ficar no prejuízo”, explica Frischtak.

De acordo com o especialista, é possível que surjam, no país, bolsões com escassez de combustíveis. “A prova dos nove será em novembro. Infelizmente, a situação está se agudizando”, lamenta.

William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), também não descarta o risco de desabastecimento. Além da política de paridade nos preços de importação, ele atribui o problema à entrada de diversos operadores na cadeia produtiva, devido à política “equivocada”, no seu entender, de desinvestimento da Petrobras. “A combinação de alta volatilidade dos preços dos combustíveis, de um lado, e a chegada de diversos operadores no mercado tem produzido uma instabilidade permanente”, alerta.

Limite

Levantamento do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis mostra que as importações de combustíveis são crescentes, em grande parte, devido à venda dos ativos da Petrobras, que vem reduzindo a capacidade de refino de petróleo da estatal, que, antes, era de 95%. “A estatal trabalha, em média, com 74% da capacidade de refino. Esse cenário criou um limite, marcado pela entrada de múltiplos operadores e venda”, destaca Nozaki, “A ANP não fez frente aos desafios desse novo cenário com menos Petrobras e mais empresas estrangeiras e a regulação está deixando a desejar”, pontua.

Procurada, a Petrobras informou, por meio de nota, que “está cumprindo integralmente os compromissos contratuais com seus clientes para fornecimento de diesel e gasolina” e alega que houve aumento inesperado na demanda. “Os pedidos extras solicitados para novembro vieram 20% acima da sua capacidade de suprimento, no caso do diesel, e 10% acima em relação à gasolina, configurando-se como uma demanda atípica, tanto em termos de volume quanto no prazo para fornecimento. Além disso, não houve, do ponto de vista do mercado, qualquer fato que justificasse esse acréscimo de demanda”, diz o comunicado.

De acordo com a estatal, há dezenas de empresas cadastradas na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aptas para importação de combustíveis. “Portanto, essa demanda adicional pode ser absorvida pelos demais agentes do mercado brasileiro”, acrescenta. A companhia garante que segue operando “com elevada utilização de suas refinarias”, tendo alcançado 90% da sua capacidade de processamento em outubro, “bem acima da média dos últimos trimestres”.

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Importação explode

Conforme dados do levantados pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), houve significativo aumento no volume de importações, da ordem de 116,1%, passando de 192 mil barris por dia no terceiro trimestre de 2020 para 415 mil no mesmo período de 2021. O aumento nas importações foi da ordem de 548,1%, no caso do diesel, e de 950%, no da gasolina.

Risco fiscal faz câmbio disparar

O especialista em contas públicas Murilo Ferreira Viana, consultor da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), reforça que o principal fator de pressão no câmbio, que vem afetando os preços dos combustíveis no mercado doméstico são as trapalhadas do governo na área fiscal, sobretudo em relação aos recursos para bancar o Auxílio Brasil.

O programa, que deve substituir o Bolsa Família, é o principal trunfo com que o presidente Jair Bolsonaro conta para melhorar sua popularidade e concorrer á reeleição, no pleito do próximo ano. Para viabilizar um benefício mensal de R$ 400 aos participantes, o presidente e o ministro da Economia, Paulo Guedes, concordaram em furar o teto de gastos, mecanismo que vinha sendo a principal âncora para evitar o aumento da dívida pública. Foi o que fez o dólar, que já estava nas alturas, disparar ainda mais.

“Os desafios sociais são enormes e aprofundados com a crise da covid-19 e a aceleração da inflação. A proteção aos mais vulneráveis é responsabilidade do Estado, e estes devem, sim, caber dentro do Orçamento. Contudo, faltam estratégias, sobram remendos e oportunismos. O resultado é a deterioração não apenas dos indicadores sociais, mas também fiscais”, alerta. Ele lembra que, “com a deterioração fiscal, a percepção de risco-país aumenta, o que leva à desvalorização cambial e retroalimenta o pessimismo econômico e a perda de dinamismo da atividade”.

Além de prometer um benefício mensal de R$ 400 para o Auxílio Brasil, mesmo à custa de furar o teto de gastos, o presidente Jair Bolsonaro também se comprometeu a criar um bônus, no mesmo valor, para 750 mil caminhoneiros autônomos, para compensar a elevação dos preços do óleo diesel e evitar uma greve. A ajuda deve custar cerca de R$ 4 bilhões por ano, mas, da mesma forma que ocorre com o novo programa social, não há espaço no Orçamento de 2022 para a iniciativa.

Além disso, o bônus não deverá reduzir a insatisfação da categoria, porque a alta dos combustíveis, com a forte valorização do dólar, não deve cessar.

Com tanta incerteza em relação às contas do governo, analistas do mercado financeiro não descartam a possibilidade de a divisa norte-americana chegar a R$ 6,50 em meio à instabilidade fiscal e à proximidade das eleições presidenciais. (RH)

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