Conjuntura

Piora fiscal é maior do que se previa: após alta dos juros, dólar volta a subir

Segundo analistas, movimento da autoridade monetária sinaliza que piora fiscal é maior do que se previa

Rosana Hessel
postado em 29/10/2021 09:08
 (crédito: Rosana Hessel/CB/D.A Press)
(crédito: Rosana Hessel/CB/D.A Press)

Um dia após o Banco Central elevar a taxa básica em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano — e sinalizar uma alta da mesma grandeza na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em dezembro, que levaria os juros para 9,25% —, a reação dos mercados foi negativa. Para analistas, com a forte deterioração do quadro fiscal, que entrou no radar após o governo admitir o descumprimento do teto de gastos para bancar programas sociais em 2022, a alta dos juros deve ser mais intensa do que o sinalizado pelo BC. As apostas são de que a Selic deve alcançar, pelo menos, 10%, no fim do ano. Para o fim do ciclo de ajuste monetário, que pode se estender até maio de 2022, as previsões variam de 11% a 14,50%.

Diante desse cenário pouco animador para a economia, o dólar comercial, ontem, voltou a ficar acima de R$ 5,60 e a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) praticamente andou de lado. Fechou no vermelho, apesar da divulgação de balanços positivos, como o da Ambev, que registrou aumento de 57,4% no lucro do terceiro trimestre, para R$ 3,7 bilhões. A divisa norte-americana subiu 1,26%, para R$ 5,62. Enquanto isso, o Ibovespa, principal indicador da B3, recuou 0,62%, para 105.705 pontos.

Especialistas avaliaram que o BC foi forçado a reconhecer a piora nas expectativas com a deterioração do arcabouço fiscal depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmar que será preciso alterar a regra do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à variação da inflação — para viabilizar o pagamento de um benefício de R$ 400 por meio do programa Auxílio Brasil. Para analistas, o governo passou a fazer a chamada contabilidade criativa, em níveis até mesmo acima do que ocorreu no período da então presidente Dilma Rousseff. Para Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), em vez de cortar gastos ineficientes e emendas parlamentares, o governo quer uma licença para gastar mais em pleno ano eleitoral.

O principal mecanismo para isso é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que está com dificuldades para tramitar no Congresso. A PEC, além dar calote em dívidas judiciais, muda o indexador do teto, manobra que pode abrir um espaço fiscal de quase R$ 100 bilhões.

“O fato de o Copom sinalizar uma preocupação maior com o fiscal do que em outras reuniões fez o mercado perceber que a deterioração das contas públicas é grave, e o mercado está reagindo a isso. O BC apenas solidifica uma percepção de deterioração grande. Uma parte do mercado, claro, está frustrada, porque esperava uma alta maior na Selic, mas o principal motivo do mau humor é que o risco fiscal voltou para o radar”, avaliou a economista Juliana Inhasz, professora do Insper. Para ela, a tendência, agora, é de muita volatilidade na Bolsa, pelo menos, até as eleições.

As incertezas devem aumentar no ano que vem, e, com isso, o real deverá ficar cada vez mais fraco, o que continuará pressionando a inflação, que não deverá dar trégua tão cedo, de acordo com os especialistas. “A reação do mercado não foi porque o BC errou na intensidade do choque. Foi dentro do que esperava a maioria. Havia pouca gente prevendo uma alta acima de 1,5 ponto percentual na Selic. O problema é que a expectativa de piora no fiscal é uma realidade e, com isso, o dólar ainda poderá subir e chegar a R$ 6, com o governo abdicando da capacidade de fazer política econômica” afirmou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, um dos primeiros analistas a alertar que o dólar não deveria ficar abaixo de R$ 5 tão cedo. Segundo ele, a Selic deverá chegar ao início de 2022 entre 11% e 12% ao ano.

Choque

De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, o BC deveria ter dado um choque de verdade na Selic, mas a questão fiscal faz as projeções de inflação continuarem em alta. Segundo Velho, apenas com juros acima de 10% no fim do ano será possível conseguir trazer a inflação para abaixo do teto da meta, de 5%, em 2022, pois algumas estimativas do mercado já encostam em 6%.

“O adiamento da PEC dos Precatórios é uma derrota do governo porque tira espaço para ampliar despesas. E como o presidente Jair Bolsonaro vai adotar o Auxílio Brasil de qualquer forma, é mais gasto fora do atual teto”, disse Velho. Ele lembrou que, ontem, diante da piora nas expectativas, os contratos de juros DI para 2023, “que refletem a Selic de dezembro de 2022, estavam acelerando 70 pontos, chegando a 12,2% ao ano”.

Diante do quadro de alta na curva de juros, Felipe Salto, do IFI, reforçou que o cenário mais pessimista traçado pela entidade, com o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo apenas 0,1% em 2022 e a dívida pública voltando a disparar, chegando a 122,3% do PIB em 2030, “é o que está se consolidando como o mais provável”. “Destruíram tudo”, lamentou.

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