Com as eleições à vista, o principal obstáculo à frente dos novos governantes será, seguramente, a derrocada dos investimentos em infraestrutura, especialmente os públicos, que já dura vários anos, e que, dada a forte correlação entre as duas variáveis, vem jogando o crescimento do PIB no chão. Para quem enxerga as coisas como eu, o rápido e incisivo estreitamento do espaço para investir no setor público está centrado, em boa medida, na disparada dos gastos e dos deficits previdenciários que, ultimamente, vêm sendo fortemente afetados por fatores demográficos, de difícil reversão, e tendem a zerar os investimentos em futuro próximo, caso ignoremos o assunto. Ou seja, o ataque aos deficits deverá estar na linha de frente das ações voltadas para a retomada dos investimentos e do crescimento do PIB.
Mas se deve, de forma mais ampla, à opção, lá de atrás, de transformar os orçamentos públicos em uma super rígida e gigantesca folha de pagamento de benefícios e salários (União), ou em um território cheio desses e de outros donos (especialmente no caso dos entes subnacionais), cuja fatia, em porcentagem do total, vem sempre crescendo, sem que os beneficiários dessa grande partilha de recursos se mostrem dispostos a abrir mão de qualquer pedaço dos seus expressivos quinhões. A tentativa da fase Temer de controlar os gastos federais via um teto de crescimento igual à inflação, teto esse imposto constitucionalmente sobre o total despendido, produziu algum efeito no controle do gasto, mas atuando apenas sobre os demais gastos, logo se esgotou.
Ainda que, desde os anos 1980, os investimentos privados em infraestrutura apenas oscilem em torno de 1,1% do PIB, enquanto os públicos tenham caído sete vezes em termos reais, de algo ao redor de 5% para 0,7% do PIB, o Ministério da Economia continua apostando em que, um dia, eles virão em massa do exterior. Em adição, segundo matéria de 4/1/22 do Estadão, sem sucesso no tocante a inflação e crescimento da economia, o ministro da área se vangloria de que será o primeiro, desde muito, a cortar gastos e reduzir a dívida pública (Só que cortou o gasto errado: investimento. E quanto à dívida, se a reduzisse não haveria tanta necessidade...).
Começando por uma análise aprofundada da estrutura dos gastos da União, ela se decompunha da seguinte forma em 2018, em porcentagem do total: previdência pública: 9,4; demais gastos obrigatórios (DGO): 83,4; investimento: 2,8; e demais gastos discricionários: 4,4. Os DGO se referem a benefícios assistenciais e subsidiados; benefícios do INSS acima de 1 salário mínimo; pessoal ativo; poderes autônomos; educação e saúde.
E considerando o caso de Minas Gerais, segundo ou terceiro maior estado na Federação, como exemplo dos entes subnacionais, esse mesmo tipo de estrutura mostraria os seguintes números: previdência pública: 24,3; demais gastos obrigatórios (DGO): 60,5%; investimento: 2,8; e demais gastos discricionários: 12,4. Os DGO, nesse caso, se referem a saúde, educação, segurança, poderes autônomos e serviço da dívida. Ressalte-se o peso bem mais elevado da previdência pública no âmbito estadual, contrabalançado, em parte, por um menor peso dos DGO.
Dado que mexer na previdência geral e na folha de benefícios assistenciais e subsidiados é muito complicado politicamente, a melhor saída para a União e também para os entes subnacionais (deixando ainda de lado outros poderosos donos do orçamento como educação, saúde e os poderes autônomos) é concentrar o esforço de ajuste nos regimes próprios de previdência, cujo desequilíbrio financeiro decorreu não só de regras mais benevolentes como também de fatores demográficos, e sempre foi visto por muitos como um caldeirão de exagerados benefícios. Tanto assim que o deficit financeiro absoluto anual das duas previdências é, somado, da ordem de R$ 200 bilhões anuais, enquanto, por segurado, é de R$ 55 mil na União, R$ 19 mil nos Estados e R$ 2 mil tanto nos municípios como, pasmem, no INSS. Por sua vez, os passivos atuariais (ou a dívida dos entes públicos para com seus servidores) por segurado são de R$ 839 mil na União, R$ 454 mil nos estados e R$ 287 mil nos municípios. Haja desajuste...
Finalmente, cabe notar que a União como, em uma certa medida, os entes subnacionais, vêm atuando de forma incompleta nessa área. Mudar regras na previdência é fundamental, mas na Emenda 103/19, recentemente aprovada, ficou faltando obrigar a União a fazer o que é central, ou seja, implementar, como um segundo movimento, um plano de equacionamento dos seus gigantescos deficits financeiro e atuarial que os estudos já evidenciaram. Esse plano se baseia, principalmente, no aporte de ativos e recebíveis em geral em montante capaz de pagar a conta ou zerar os respectivos passivos atuariais. Essa é uma obrigação complexa e difícil de implementar, tanto assim que os entes subnacionais estão, por sua vez, obrigados pela Constituição federal a fazer isso há bastante tempo, mas resistem, e se arrastam em seu cumprimento. Para estes, outra dificuldade foi não os obrigar a adotar, automaticamente, a mesma reforma de regras imposta à União, cabendo-lhes batalhar caso a caso nas assembleias locais.
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