conjuntura

Ação do BC para conter inflação vai contra estratégia política de Bolsonaro

Política de elevação dos juros do banco jogará contra os planos para a reeleição do presidente

Rosana Hessel
postado em 31/01/2022 06:00
Para analistas, o Banco Central luta sozinho contra a inflação, sem apoio da política fiscal -  (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Para analistas, o Banco Central luta sozinho contra a inflação, sem apoio da política fiscal - (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Analistas torcem para que a autonomia do Banco Central, aprovada no ano passado pelo Congresso, passe pela prova de fogo deste ano eleitoral. O BC vai ser uma pedra no sapato para a reeleição de Bolsonaro, porque jogará contra, ao ter que intensificar o aperto monetário — que significa menos crescimento e mais desemprego para conter as expectativas do mercado e controlar a inflação.

"O BC possui independência formal. Não deveria ser um problema para a autoridade monetária. Acredito que o Comitê de Política Monetária (Copom) tenha que perseverar para defender seu mandato, a despeito do ano eleitoral. Cabe a ele desmistificar isso", afirma Marcos Ross, economista-chefe do banco chinês Haitong no Brasil.

Ele prevê que o PIB brasileiro deste ano fique negativo em 0,4% e adianta que deve elevar a projeção da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A atual está em 5,3%. "Ainda aguardamos alguns dados, especialmente o IPCA fechado de Janeiro, mas temos nesse momento um viés de alta. Com maior probabilidade o IPCA deve se situar entre 5,4% e 5,6% em 2022", afirma.

O ex-vice-presidente do Banco Mundial Otaviano Canuto, aposta na preservação da autonomia. "Não há razão para não contar com a independência do BC, agora inclusive formalizada na lei", afirma. Contudo, ele reconhece o aumento dos riscos para os países emergentes em um cenário de desaceleração global e de aumento dos juros nos países desenvolvidos. "As altas taxas de inflação e o endividamento público durante a pandemia estão restringindo a adoção de políticas fiscais e monetárias expansivas nesses países. Não coincidentemente, as taxas de juros mais altas e a revisão em baixa dos apoios fiscais ocorreram na maioria dos casos", destaca Canuto, em artigo recente no site Policy Center for New South.

Tiro no pé

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, reconhece que a autonomia do BC será testada neste ano e destaca que o BC também tem um desafio maior com a falta de ajuda do governo na área fiscal. Para ela, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem sinalizado para zerar os impostos sobre os combustíveis e energia, apesar de pouco detalhada, pode piorar a questão fiscal — e, dessa forma, aumentar um clima de incerteza que vai impactar o dólar e a inflação, e, consequentemente, exigindo um aperto ainda maior nos juros.

"É o famoso tiro no pé. O preço dos combustíveis depende do mercado de petróleo, e o risco desse movimento de zerar PIS-Cofins sem qualquer tipo de compensação de receita ainda pode fazer com que o preço da gasolina na bomba termine 2022 acima do que terminou em 2021", alerta.

O governo vem sinalizando que o impacto da medida seria em torno de R$ 50 bilhões, mas, para Alessandra, as estimativas estão subestimadas. Cálculos da Tendências apontam perda de R$ 70 bilhões, apenas na redução dos impostos federais. "Essa medida vai aprofundar a deterioração fiscal e fazer o governo entregar um deficit maior do que o previsto no Orçamento (de R$ 79,3 bilhões). E, neste ano, a inflação não vai ajudar no aumento da arrecadação como em 2021, porque não há perspectiva de crescimento na economia", destaca a economista.

A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, avalia que, como o governo não tem ajudado muito na questão fiscal, o Banco Central estará sozinho no compromisso de controlar a inflação em um cenário em que a economia não deve crescer e a eleição agrava as incertezas. "Está havendo uma deterioração no campo macroeconômico e deve-se ajustar a Selic para tentar cumprir a meta. E, com o juro cada vez mais elevado e a economia desacelerando, para a população em geral, o crédito ficará mais caro e as empresas terão um custo maior de captação de recursos, como capital de giro. Logo, para economia como um todo, é negativo, porque tende a haver queda nos investimentos. Contudo, essa política monetária mais contracionista é necessária, porque não há medidas políticas que apoiem o BC no cenário fiscal", explica.

Para Rachel de Sá, chefe da economia da corretora Rico Investimentos — controlada pela XP Investimentos - há sinais de que a autonomia do BC está funcionando. "Por enquanto, as perspectivas de longo prazo estão ancoradas e vamos ver o peso disso nos próximos anos. Mas os juros de longo prazo ainda estão estressados por conta da questão fiscal e de toda a situação externa, com os juros dos títulos norte-americanos subindo", afirma. Contudo ela reconhece que ainda há incertezas de que a premissa de que uma Selic de 11,5% será suficiente para conter a inflação dentro da meta.

Bolsa

Apesar disso, pelas estimativas da XP, o Índice Bovespa ainda tem chances de subir por conta do fluxo de recursos estrangeiros que está entrando no mercado para aproveitar o preço baixo das ações brasileiras. O quadro, no entanto, é de volatilidade. A expectativa da corretora é que a Bolsa brasileira termine o ano em 123 mil pontos.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação