conjuntura

Sem condições de evitar alta nos combustíveis, governo tenta avançar PLs

A equipe econômica tenta uma saída em que todos arquem com os custos e não apenas o governo federal

Após mais um dia de reuniões sem consenso para evitar o aumento dos preços dos combustíveis, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, considerou uma vitória o novo adiamento da votação dos projetos de lei que tratam do assunto no Senado Federal.

A equipe econômica tenta uma saída em que todos arquem com os custos e não apenas o governo federal, mas sem interferir na política de paridade de preços internacionais da estatal. A ala política do governo e o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda insistem nos subsídios e no congelamento dos preços, medida que Guedes considera coisa de "maluco".

Sem uma solução à vista, a estratégia do governo é ganhar tempo o máximo possível para criar um subsídio temporário, que pode ter um custo mensal de R$ 12 bilhões para o governo federal, para evitar os repasses nas bombas. O choque nos preços das commodities por conta da guerra no Leste Europeu tem feito o mercado elevar as projeções de inflação — que já estão acima do teto da meta, de 5% — e da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 10,75%, que passou a ter um piso de 13%, em dezembro.

Pelas contas de Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, "um reajuste de 25% nos preços dos combustíveis implicará em alta de 1 ponto percentual no IPCA" deste ano.

Os dois projetos relatados pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) buscam medidas para conter a alta dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha e estão na pauta do plenário desta quinta-feira. A sessão está prevista para começar às 10h. O horário é o prazo limite para entrega de emendas para os dois textos. O primeiro, o PLP 11/2020, muda a metodologia de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis, criando uma alíquota fixa e monofásica, e amplia a previsão para o auxílio gás para R$ 3,4 bilhões.

O segundo, o PL 1472/2021, implementa a Conta de Estabilização de Preços (CEP), com recursos provenientes, por exemplo, da tributação sobre a exportação do petróleo quando o barril ultrapassar US$ 45. A sugestão do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda e Finanças dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), de incluir a proposta do auxílio gás no PL 1.472, não foi acolhida pelo relator. Segundo ele, as mudanças feitas no substitutivo do PLP 11 "não implicam prejuízo aos orçamentos estaduais".

Presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez um apelo em favor do entendimento. "Eu quero muito ter a colaboração de todas as bancadas, dos governadores dos estados, do governo federal. É muito importante cada um ceder um pouco pra gente poder ter soluções em relação a esse tema", disse.

Após se reunir, na manhã de ontem, com Pacheco e Prates, Guedes sinalizou apoio apenas para o PLP 11. Mas, na reunião da tarde, o ministro recuou, ante o dissenso na cúpula do governo Bolsonaro. Segundo assessores, o Planalto vai esperar o resultado da votação dos projetos de Prates no Senado.

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) defendeu que subsidiar os combustíveis com recursos da Petrobras e do próprio governo seria a melhor alternativa. Membros da equipe econômica reconhecem que é possível reduzir uma parte da margem de lucro da estatal, "desde que não prejudique a saúde financeira da empresa".

Entre os aliados, o clima é de expectativa. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), ressaltou que o governo tem acordo para votar apenas o PLP do ICMS. "Os governos estaduais apresentaram uma proposta de última hora e eu não conheço, nós [governo] não conhecemos e por isso não vamos votar", disse. "Mas vai votar amanhã, mesmo que tenha que votar destaques", acrescentou. Sobre o PL [da conta de estabilização] não tem acordo com o governo federal, mas vamos votar independentemente", disse.

Para André César, cientista político, sócio da Hold Assessoria, a indefinição expressa o amadorismo por parte do governo. "O Planalto está correndo atrás porque, se for repassar a paridade do combustível, vai chegar a R$ 12 o litro. É muito pesado, tem impacto político eleitoral pesadíssimo, além do impacto inflacionário no resto, como o trigo. É bola de neve avassaladora", acrescentou. Roberto Padovani, economista do banco BV, observou que a ideia do fundo de compensação é "boa no papel, mas ruim na prática". "Não se sabe por quanto tempo vai ter um desvio de preço, qual a intensidade de elevação e o período de tempo em um momento em que o governo está aumentando a sua dívida", alertou.

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Barril de petróleo cai 13,1%

Os contratos futuros do petróleo fecharam a sessão de ontem com forte queda, com os investidores demonstrando um certo alívio depois que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sinalizar que poderia abrir mão de aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A expectativa de um cessar-fogo e o aumento da oferta do produto também ajudou para esse tombo nos preços do barril. Ontem, membros da Agência Internacional de Energia liberaram 62,7 milhões de barris de maneira emergencial de seus estoques.

O barril do petróleo tipo Brent, negociado em Londres e utilizado como referência da Petrobras, para entrega em maio, recuou 13,16%, ontem, e encerrou o pregão cotado a US$ 111,14.

Nas bolsas internacionais, os investidores buscaram ativos de risco, em busca de ativos baratos e juros elevados, como o Brasil, ajudando o dólar a ensaiar um patamar abaixo de R$ 5. O Ìndice Bovespa (Ibovespa), principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), fechou o dia com alta de 2,43%, a 113,9 mil pontos.

Com a sinalização de Zelenski de que estaria preparado para fazer concessões em favor de uma trégua, as principais bolsas da Europa fecharam com altas mais robustas. O índice Stoxx 600, por exemplo, subiu 4,68%. A bolsa de Londres fechou em alta de 3,25%. Já a bolsa de Frankfurt, na Alemanha, disparou 7,92%. Paris avançou 7,13%.

Há um consenso de que o endurecimento das sanções à Rússia contribuiu para melhorar as expectativas de um cessar-fogo, já que a economia russa é muito mais dependente das exportações de commodities e precisa delas para importar. Rafael Bevilacqua, estrategista-chefe da Levante, pontuou que a queda do petróleo ocorreu devido à expectativa do mercado para alguma saída diplomática entre Rússia e Ucrânia. Mas considerou que a reaproximação dos EUA com a Venezuela não teve tanto impacto no mercado ontem.

A economista e consultora financeira autônoma Catharina avalia que a forte oscilação dos mercados, nos últimos dias, deve pressionar os preços globais. "A população global passa por um processo de busca por recuperação de sua produção pré-pandemia, e, com o atual choque de oferta de commodities, há uma perspectiva de uma inflação mais dolorida, pois o petróleo afeta toda a cadeia produtiva", destacou.

"Quando há uma alta assim nessa commodity, impacta no preço dos alimentos, da produção interna e, como consequência, na inflação sentida no bolso de pequenos consumidores e empresas", acrescentou. 

Mercado mantém otimismo

A expectativa de um possível cessar-fogo dos russos na Ucrânia encheu o mercado internacional de otimismo. Por sua vez, o Brasil, um dos principais mercados emergentes procurados pelos investidores internacionais com apetite ao risco, viu o real voltando a se valorizar.

No fim da manhã de ontem, o dólar chegou a ficar abaixo de R$ 5, cotado a R$ 4,985. Mas a divisa norte-americana não conseguiu se manter nesse patamar e encerrou o pregão a R$ 5,011 para a venda, com queda de 0,84% em relação à véspera. Foi a segunda sessão seguida de perdas para a moeda norte-americana enquanto as bolsas de valores, inclusive a do Brasil, fecharam no azul.

Fontes da equipe econômica continuam otimistas com o volume crescente de investimentos externos, em busca de juros cada vez mais elevados dos títulos públicos e dos ativos baratos da Bolsa. “O Brasil é um dos mercados mais atraentes para esse tipo de investidor”, destacou um integrante do governo.

Selic a 14%

Para Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, apesar da queda do petróleo e da alta das bolsas internacionais e da B3, ainda não é possível vislumbrar o dólar abaixo de R$ 5 por um período mais prolongado, apesar do fluxo favorável de capital estrangeiro para o país. “A busca de uma solução diplomática para a guerra na Ucrânia melhorou o humor do mercado, que está reagindo a uma antecipação do recuo da Rússia. A expectativa é de que a guerra pode acabar rápido”, explicou.

Segundo o Banco Central, o fluxo cambial ficou positivo em US$ 507 nos primeiros quatro dias de março. Desde janeiro, a entrada líquida de dólares no país somou US$ 8,340 bilhões. Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, lembrou que esse cenário positivo para o dólar é reflexo de uma perspectiva ruim para o consumidor, porque, como a inflação tende a subir por conta do choque de preços das commodities provocado pela guerra, o mercado está se antecipando para uma taxa de juros acima de 13% ou de 14% no fim do ano.

“O carry trade (diferença entre os juros pagos daqui e os lá de fora) está voltando, e isso ajuda a explicar o real valorizado”, comentou Cruz. “Diante do choque de preços do petróleo, o ciclo de alta de juros, que terminaria em 12,25%, já começa a ficar acima de 13% e pode ficar bem acima desse patamar, dependendo dos próximos indicadores de inflação”, alertou.

(Colaboraram Taísa Medeiros e Raphael Felice)