Ainda que exista solução para o problema do contrabando de cigarros no Brasil, ela não vem da redução de impostos desse tipo de produto. A ponderação é do especialista em mercado ilegal de tabaco e economista da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Banco Mundial Roberto Iglesias. Segundo ele, o aumento de impostos não explica nem a origem nem a permanência do problema no Brasil.
"O contrabando não nasceu dos aumentos de impostos, se manteve com diferentes níveis de incentivos financeiros", afirma Iglesias. Ele lembra que o mercado ilícito de cigarros no Brasil foi criado nos anos de 1990. "Foi resultado de um aumento de preços feitos pelas empresas no Brasil e pela acumulação ativa de estoques de cigarros brasileiros, argentinos e uruguaios no Paraguai. Com esse estoque, criou-se um negócio ilegal com produtos baratos e com uma rede de distribuição ilegal no Brasil", destaca.
Segundo a Receita Federal, cerca de 80% dos cigarros contrabandeados no Brasil têm sua fábrica localizada no Paraguai. O especialista explica que esse contrabando entre um país pequeno e outro de economia maior geralmente acontece quando as nações são inimigas históricas, o que não reflete a situação dos dois países.
"Há muito tempo o Brasil e o Paraguai têm boas relações. Eu não conheço casos semelhantes a este no mercado ilegal de cigarros no mundo, a não ser entre Vietnã e Camboja, que são nações muito pequenas", afirma. O economista ressalta, ainda, que o contrabando é maior no Brasil do que outros países vizinhos do Paraguai. No Chile, por exemplo, os cigarros ilegais representam 12,3% do mercado. Na Argentina, 9,3%. No Uruguai, 24%. E, no Brasil, 41,9%.
Discussão equivocada
Para Iglesias, o problema permanece ativo por 32 anos por alguns motivos, como a atenção não focada nos atores importantes da atividade. Além disso, a redução dos impostos é uma discussão equivocada. "Quando a gente se pergunta porque o contrabando de cigarros dura tantos anos é porque a indústria do tabaco influencia, enfatizando que esse é um problema que veio dos impostos, que não explicam nem a origem nem a permanência dele", ressalta.
O economista reforça que a tributação e os preços elevados para produtos de tabaco são importantes para a promoção da saúde dos brasileiros. "Um exemplo disso é o Brasil entre 2012 e 2017, que, com a correta política tributária, foi capaz de aumentar preços e reduzir a prevalência de fumantes", indica. No período, o índice de fumantes caiu de 14,8% para 12,2% da população.
Direito internacional
Ainda que envolva diferentes atores, Iglesias acredita que há solução para o problema, e que primeiro é necessário entender que o problema não são os altos impostos. "É preciso focar em uma solução diplomática com instrumentos do direito internacional e da regulação do mercado de tabaco", reforça.
Para ele, é preciso focar na cabeça da rede legal que existe no Paraguai. "Esse é um produto diferente das drogas, que têm ofertas clandestinas e pulverizadas. Para encontrar fábricas de cigarros, estão todas legalizadas. A produção do cigarro no Paraguai é concentrada em poucas fábricas, com uma empresa líder, um oligopólio", explica.
Por isso, "a solução econômica e diplomática passa pelo Paraguai controlar a produção e a distribuição de cigarros por meio da implementação de compromissos internacionais". Além disso, de acordo com o especialista, o Brasil poderia, por exemplo, oferecer a entrada formal desses produtos com a cobrança de impostos dos cigarros paraguaios.
Iglesias acredita que o debate deve ser feito o mais rapidamente possível. "O contrabando conseguiu sobreviver com diferentes políticas tributárias. Chegou a hora de o Estado brasileiro se sentar, reconhecer o problema e conversar com o Paraguai. O Brasil tem que procurar encontrar o caminho da análise, da negociação e do diálogo para resolver esse problema", recomenda.
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