A cruzada iniciada no ano passado visando uma terceira via contra as candidaturas já então consolidadas de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai terminando de maneira melancólica, sem que nenhum nome tenha saído da mesmice, assim como os dois líderes da corrida presidencial.
Eles falam de tudo, envolvem-se em polêmicas (deliberadas algumas) e confusões (que lamentam depois, mas nunca se desculpam), e o tempo vai passando sem que anunciem os seus planos para superar o enorme atraso tecnológico do país, o buraco social de mais de dois terços da população e a estagnação econômica, que se transforma em regressão quando comparada aos avanços no resto do mundo.
No Brasil dos candidatos:
O Produto Interno Bruto (PIB) cresce em V, o emprego vem forte, doméstica tirava férias na Disney antes da megadesvalorização do real, segundo Bolsonaro e o seu ministro liberal darwinista da Economia.
Em seu tempo, pobre tinha vez, comia picanha, viajava de avião, havia emprego para quem quisesse trabalhar, segundo Lula.
Mais reformas, mais mercado e menos Estado farão do Brasil um país europeu na América do Sul, segundo a turma da terceira via.
No Brasil real do IBGE:
O salário mínimo médio real de 2022 é menor que o de 2019, quando Bolsonaro tomou posse.
A renda per capita mal compra a cesta básica do mês.
Em 12 dos 27 estados, a população que vive do Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil, excede a população com emprego formal.
A população permanentemente fora da força de trabalho é 1,4 vez maior que a população total da Argentina.
O Brasil real contrasta com o Brasil da propaganda oficial. Fato é que, se muito se fez, nunca se fez o suficiente, e assim continuará se os eleitos pensarem pequeno ou nem isso, como tem sido a regra.
Alguns dados pinçados desses indicadores mostram o que deveria ser prioridade, bastando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), uma das muitas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): da população de 172,2 milhões em idade de trabalhar, só 107,7 milhões estão na força de trabalho, dos quais 12 milhões desempregados. Significa que 64,5 milhões estão, permanentemente, fora da força de trabalho, sobretudo mulheres e jovens. Uma tragédia.
Motivos das frustrações
Economia que cresce pouco, abaixo de 1% este ano, algo mais no ano que vem, não cria empregos para suprir o aumento vegetativo da população, além do equivalente a uma Argentina e meia que está fora da força de trabalho — o público dos programas de transferência de renda, como Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil para dissociá-lo de Lula, em cujo primeiro governo ele surgiu.
Tem-se como resultado uma massa de gastos sociais, em regra, alvo fácil, assim como o investimento público, dos programas de ajuste fiscal, diante da rigidez da folha salarial do governo federal, do Judiciário e do Congresso, além do deficit previdenciário.
A essa conta somam-se gastos que não geram impulsos estruturais em prol do crescimento econômico, como as emendas parlamentares, entre elas a aberração do tal "orçamento secreto" pilotado pelos chefes das Casas legislativas, em especial da Câmara, em comum acordo com a Casa Civil, braço político da gestão Bolsonaro. Muitas sequelas decorrem da captura da lei orçamentária anual por interesses desalinhados com a vontade do eleitor e o plano maior.
Mínimo salário desde 1994
Uma das distorções, segundo o economista Fernando Montero, é que o governo Bolsonaro será o primeiro desde a reforma monetária de 1994 a legar o salário mínimo real inferior ao seu valor quando assumiu.
"Falamos de média anual, que é a que interessa às pessoas na vida real", diz Montero. É o resultado do ajuste fiscal, que segurou a correção do salário mínimo à reposição da inflação. A constatação pode ter atenuantes (como a majoração e ampliação do Bolsa Família) e motivos (pandemia, inflação mundial, choques etc.). "Mas isso é um slide que falta nas apresentações oficiais", ele ironiza.
E não é só isso. A cesta básica medida pelo Procon-SP subiu 3,35% em março, elevando o seu custo médio para
R$ 1.137,20. "Nos últimos dois anos", diz, "o salário mínimo perdeu quase R$ 200, comparado ao custo da cesta básica". A perda é relevante para a maioria da população, os dois terços espremidos no piso da pirâmide de renda.
A recente cavalgada da inflação, puxada pelo preço dos alimentos, atinge mais os pobres, que gastam a maior parte do que recebem com comida e transportes, também pressionados pela gasolina e diesel. Como há mais gente recebendo bolsa que com emprego formal em 12 dos 27 estados, segundo compilação do Poder360 e estudo da FGV, os R$ 200 confiscados pela carestia fazem enorme diferença.
A situação é pior que a informada. Empregos com carteira são apenas 37,1 milhões, incluindo o trabalho doméstico, além dos 26 milhões por conta própria e 64,5 milhões à margem da população economicamente ativa.
Prisioneiros do passado
Tal conjugação de fatores de uma economia que pode ser considerada moderna apenas para a minoria mais bem paga e instruída, enquanto a maioria depende da ajuda pública para sua subsistência, transparece nas pesquisas de intenção de voto quase como um grito de socorro.
O traço eleitoral dos candidatos da tal terceira via repete o que se manifestará nas eleições de 2018: a sua dissociação absoluta dos anseios da maioria, ao se apegar a um modelo econômico que não mais conta com amplo apoio nas democracias ocidentais. Ou Joe Biden não estaria tentando mudar o "fundamentalismo de mercado", travado pela direita Republicana (que cunhou o termo) não por divergir de seu programa, mas do identitarismo da esquerda do Partido Democrata.
Esses fragmentos ajudam a entender a nossa encrenca. Nem Bolsonaro consegue indicar um rumo que não seja o fracassado populismo autoritário nem Lula parece informado de que não é com o mercado e o sindicalismo que se deve preocupar. É com a massa dos excluídos. Ela será atendida com crescimento gerador de empregos, movido a investimentos privados e públicos em infraestrutura e em tecnologia industrial. Nossos políticos continuam presos ao passado.
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