conjuntura

Com inflação subindo, investimentos em renda fixa voltam a ser atraentes

Por causa das estimativas de que a inflação continuará subindo — e com a Selic escalando patamares de dois dígitos a fim de tentar segurá-la —, os investimentos em renda fixa tornam-se novamente atraentes para quem busca lucratividade

No atual cenário de inflação em rota ascendente, para o qual se estima que essa situação se prolongará mais do que o desejado pelo governo, os investimentos em renda fixa voltaram a ficar atraentes. E se a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 11,75% ao ano, continuar subindo como o mercado projeta, pode se considerar que o Brasil tende a ser, novamente, um paraíso para os rentistas.

A realidade interna, hoje, é de títulos públicos com juros acima de 12% ao ano, fundos indexados ao CDI (Certificados de Depósito Interbancário) e Certificados de Depósito Bancário (CDBs), que chegam a pagar até 200% do CDI em algumas corretoras e bancos médios. São exemplos de investimentos que remuneram acima da inflação oficial de março, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que ficou em 1,62%. Esse resultado surpreendeu até o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

O IPCA, aliás, acumula alta de 11,30% em 12 meses. Logo, deixar o dinheiro parado na caderneta de poupança pode não ser um bom negócio neste ano. Além disso, os investidores conservadores vão fugir da Bolsa de Valores, que passou a ficar volátil e voltou para o vermelho em abril. Conforme dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 23 firmas desistiram de abrir o capital apenas neste ano até o último dia 8.

Analistas lembram que o retorno médio sobre o patrimônio investido da maioria das empresas no país gira entre 8% e 10% ao ano e, portanto, quando a Selic fica acima desse patamar, assim como muitos rendimentos na renda fixa, os investimentos produtivos tornam-se proibitivos. "Imagina o empresário pequeno lutando com dificuldade para conseguir algum crédito para correr risco e ter um retorno abaixo da renda fixa", destaca o economista João Luiz Mascolo, sócio da SM Managed Futures. "A economia não está decolando e nada tem como justificar aumento de investimento em relação à qualidade das expectativas. Não dá para o empresário ficar animado e sair investindo", emenda.

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Demanda

Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), destaca que "tem bancos médios oferecendo no CDB rentabilidade de 200% do CDI. E isso está acontecendo porque há uma demanda grande por crédito. As taxas de juros estão subindo e o Brasil está se tornando, sim, um paraíso para os rentistas. A Selic está alta e vai continuar subindo. A tendência, inclusive, é que suba mais do que se previa inicialmente por conta da inflação mais alta".

Na avaliação de Oliveira, os juros devem continuar elevados o ano inteiro e, portanto, os ganhos são elevados na renda fixa. "Por isso estamos vendo a rentabilidade de 200% do CDI porque, na ponta, eles têm para quem emprestar. Esses bancos médios têm clientes tomando capital de giro a 4%, 5% ao mês, e, na pessoa física, fazendo empréstimo a juros maiores do que isso, diante da certeza de que o BC vai continuar elevando a Selic. Daí, temos o paraíso dos rentistas. Naturalmente, no ano que vem, com a queda da inflação, resolvido o cenário eleitoral, a tendência é que os juros caiam e, com isso, caia a rentabilidade hoje oferecida".

Mas investir em renda fixa não é tão simples quanto parece e é preciso ficar atento. Isso porque o segredo do sucesso é saber escolher bem as aplicações e o momento de entrar.

É importante lembrar, ainda, que as aplicações com prazo de resgate de até seis meses pagam 22,5% de Imposto de Renda. Essa alíquota cai para 20% se o período for de seis meses a um ano. E entre 12 meses e 24 meses, o imposto cai para 17,50%.

Aplicações com prazo de resgate acima de dois anos, têm alíquota de 15% do IR. Outro custo que é preciso incluir na conta é, por exemplo, a taxa de administração de fundos, que varia de 0,25% a 3% na maioria dos bancos.

De acordo com dados da Anefac, com a Selic em 11,75%, os fundos cujas taxas de administração forem acima de 2,50% ao ano perdem para a poupança nas aplicações acima de dois anos, por exemplo. Atualmente, a caderneta rende 6,17% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). Logo, no curto prazo, mesmo os fundos com taxas de administração de 0,5% a 1% não são recomendáveis para aplicações de até seis meses, segundo a Anefac.

João Luiz Mascolo explica que as estimativas para a inflação deste ano não param de subir e estão bem acima do teto da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3,5%, com limite de 5%. A mediana das últimas estimativas do mercado coletadas pelo BC estava em 6,86%, em 28 de março, mas há grandes bancos prevendo até 9% no fim do ano. "E nesse cenário, uma Selic de 13% não será suficiente para segurar a inflação", afirma.

Freio de mão

De acordo com dados da autoridade monetária, a taxa de juros neutra atual é de 7% ao ano. Com a Selic em 11,75% — podendo chegar a 14% ao longo deste ano, conforme algumas estimativas do mercado —, o freio de mão na atividade econômica continuará puxado. Não é à toa que analistas reconhecem ser cada vez mais proibitivo para o empresário arriscar qualquer tipo de investimento na atual conjuntura, pois no front interno há incertezas devido às eleições de outubro e, no externo, não se vislumbra o fim da invasão da Ucrânia pelos russos.

"A alta dos juros neste ano é um fator que deve inibir os investimentos produtivos ao longo de 2022", destaca a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, que prevê queda de 4,2% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) neste ano, após o crescimento de 17,2%, em 2021.

"No ano passado, houve crescimento nos investimentos do setor agrícola e da construção civil devido à queda dos juros. Mas, em 2022, com a Selic em alta, o custo do crédito deve aumentar e não devemos ver as mesmas taxas de crescimento", ressalta Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasilerio de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Miguel Ribeiro de Oliveira, da Anefac, lembra que essa alta de juros é um dos motivos para a entrada de investidores estrangeiros com dinheiro, aproveitando um mercado com alta rentabilidade. Conforme dados da Bolsa de Valores de São Paulo, de janeiro até 11 de abril, o fluxo de entrada de capital estrangeiro na B3 foi de R$ 67,4 bilhões, sendo que apenas neste mês o fluxo mudou o sinal e ficou negativo em R$ 904,1 milhões.

Silvia Matos, porém, reforça que esse capital que tem entrado no país não é investimento que vem para ficar. "A Selic nesse patamar é ruim para o ciclo econômico e para quem quer investir a longo prazo. A renda fixa tem retorno garantido e sem risco. E, portanto, o momento é de retração de investimento, especialmente em ano eleitoral e com o cenário externo bastante turbulento", explica. Ela reconhece que setores que estão com recursos em caixa, e que poderiam investir em modernização, não devem se arriscar em fazer novas aplicações. "O momento é de retração, de se proteger e não se arriscar não apenas domesticamente", afirma.