Conjuntura

Dólar dispara com sinal de alta de juros

Recado do banco central dos EUA de que pode acelerar aperto na política monetária faz a moeda dar um salto de 4% e chegar a R$ 4,80. Bolsa recua 2,86%, com cenário de desaceleração da atividade econômica global

A sinalização do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de que pretende acelerar a alta de juros provocou um terremoto nos mercados no feriado de quinta-feira que se estendeu até ontem — e afetou em cheio o Brasil. O Índice Bovespa (Ibovespa), principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), encerrou o pregão com queda de 2,86%, a 111.078 pontos, em um cenário mais turbulento no exterior, com a perspectiva de desaceleração global e de aumento dos juros dos países desenvolvidos.

Analistas avaliaram que, como a B3 ficou fechada na véspera, o mercado brasileiro acabou tendo um impacto mais intenso do que o verificado nas demais economias emergentes. O tombo da B3 só não foi maior do que o da Bolsa de Moscou, que recuou 3,45%. Em Nova York, o Índice Dow Jones escorregou 2,82%, e o Índice Nasdaq, das empresas de tecnologia, teve queda de 2,55%. Em Frankfurt, na Alemanha, o Dax caiu 2,48% e, em Tóquio, o Índice Nikkei, registrou perda de 1,63%.

Enquanto isso, o dólar disparou 4% frente ao real e fechou o dia cotado a R$ 4,80. Foi a maior alta diária desde março de 2020, quando estourou a pandemia da covid-19. A moeda brasileira liderou as quedas entre as moedas emergentes, ontem, enquanto o dólar recuou em relação ao rublo russo, destacou o economista Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.

Nem mesmo a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, com um leilão de US$ 571 milhões à vista, evitou a forte desvalorização do real. "A intervenção não ajudou a reduzir a alta do dólar, mas interrompeu a escalada do dia", frisou Cruz.

No encontro anual de primavera (no Hemisfério Norte) do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, que ocorre, nesta semana, em Washington, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que, na próxima reunião do comitê de política monetária (Fomc), em 3 e 4 de maio, um aumento de 0,50 ponto percentual dos juros "estará na mesa" diante de uma inflação de 8,5% nos 12 meses encerrados em março, a maior desde 1981. No mês passado, o Fed subiu os juros do país em 0,25 ponto percentual pela primeira vez desde 2018, levando o intervalo da taxa básica de para 0,25% a 0,50% ao ano.

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, engrossou o coro com Powell e afirmou haver "chance forte" de alta de juros ainda neste ano na zona do euro.

De acordo com Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, a duas falas ajudaram a derrubar as bolsas e a valorizar o dólar frente às moedas emergentes. A expectativa do mercado era de que o novo ciclo de ajuste monetário do Fed fosse mais gradual, de 0,25 ponto nas próximas reuniões até a taxa básica chegar em 3,5% ao ano em meados de 2023.

"A depender da velocidade do ajuste do Fed, vamos ter um efeito negativo, mesmo antes de discutirmos os riscos de recessão", disse Caruso, em referência ao aumento dos alertas globais sobre a disparada dos preços e da desaceleração da China. Ele ressaltou que as projeções de juros futuros dos EUA aumentaram e a curva reflete um viés "maior do que 3,5%".

Marcos Ross, economista-chefe do banco Haitong no Brasil, reforçou que a taxa de câmbio deu um salto devido ao diferencial menor de juros entre o Brasil e os Estados Unidos. Segundo ele, é bem provável que o Fed suba os juros de forma mais contundente "depois de ficar atrás da curva por um bom tempo". "Os juros dos títulos norte-americanos de 10 anos sobem forte agora e, ao mesmo tempo, o Banco Central brasileiro tem adotado um discurso mais dovish (menos agressivo com a inflação)", afirmou.

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Peso do indulto

De acordo com analistas, o aumento das tensões entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o Supremo Tribunal Federal (STF), após o indulto presidencial concedido ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), ajudou a intensificar a queda da B3 e a alta do dólar. "Não foi o principal motivo, mas parte do movimento de queda na Bolsa e de desvalorização do real podemos creditar ao ambiente político interno, que não joga a favor dos ativos domésticos", afirmou Caruso, do Original.

"A eleição está chegando aqui no Brasil, e, cada vez menos, vamos ver um interesse do investidor em ficar exposto na Bolsa", acrescentou Gustavo Cruz, do RB. Na avaliação de Ross, do Haitong, o indulto adicionou mais risco ao cenário local e contribuiu para a valorização do dólar ontem. "O caminho até as eleições poderá ser bastante duro para os ativos locais", disse.