Com a maior taxa de inflação mensal em 27 anos, de 1,73%, ou 12% em 12 meses até abril, 15% de aumento dos alimentos, variações não vistas desde 2003, o indulto ao deputado fanfarrão Daniel Silveira, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a quase nove anos de prisão, e seus ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são os truques de Jair Bolsonaro para se evadir de questões constrangedoras ao sonho de reeleição.
Dificilmente suas falas fazem sentido. Para quem vive a fazer a apologia do Ato Institucional número 5 (AI-5), de 1968, que deu poderes ditatoriais aos governos militares para fechar o Congresso, cassar mandatos de parlamentares, demitir juízes, confiscar bens privados, intervir nos estados, efetuar prisões sem mandado judicial e suspender habeas corpus, Bolsonaro é o que se vê: um indivíduo tosco, de pouco saber, eleito deputado várias vezes como uma espécie de sindicalista de militares de baixa patente do Rio.
Em seus 28 anos na Câmara Federal, só tinha a atenção da imprensa com declarações insultuosas às mulheres e ao disparar impropérios, como quando sugeriu matar o então presidente Fernando Henrique Cardoso e elogiar o coronel torturador na ditadura Brilhante Ustra. Deputado do baixo clero do centrão a vida toda, elegeu-se presidente em 2018 como expressão de revolta do eleitorado com a política criminalizada pela Lava Jato e não pelos seus dotes.
Nunca foi expoente da vertente conservadora, que teve no período militar que ele admira quadros como o jurista João Leitão de Abreu, ministro da Casa Civil dos governos dos generais-presidentes Médici e Figueiredo. Culto, discreto, jamais contestado pelos generais aos quais serviu cientes de sua autoridade moral, Leitão de Abreu seria um líder natural da extrema-direita, conciliando autoritarismo com o nacional-desenvolvimentismo, e abafando os piores instintos dessa gente que chama Bolsonaro de mito e se identifica com suas posições racistas, homofóbicas, misóginas, subletradas.
Conforme o perfil esboçado pelo professor de Lógica da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) André Pontes, publicado antes de sua eleição em 2018, "Bolsonaro não é um mito, ele é um espelho da ignorância humana".
Como qualidade, destaca-se que ele expõe o que pensa sem reservas, como fez ao voltar a pôr em dúvida a apuração dos votos nas urnas eletrônicas, sugerir a suspensão da eleição caso suspeite de algo e propor uma contagem paralela à do TSE pelas Forças Armadas. Aí foi demais até para seus cumplices entre os caciques do centrão.
Centrão está desconfiado
Bolsonaro hoje está como unha e carne do centrão, a quem delegou a gestão dos gastos discricionários do governo e os principais postos em órgãos com orçamento gordo. Mas os oligarcas não se esqueceram de que ele passou os dois primeiros anos de seu mandato malhando-os como os grandes vilões nacionais, mais até do que batia em Lula.
É assim que foi interpelado pelos chefes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, seus aliados na divisão do "orçamento secreto" deste ano, de R$ 16 bilhões, além de mais R$ 30 bilhões de anos anteriores não liberados, formado com dinheiros dos impostos e da emissão de dívida pública. Nem eles endossaram o ataque ao TSE.
"O processo eleitoral brasileiro é uma referência", tuitou Lira. "Pensar diferente é colocar em dúvida a legitimidade de todos nós, eleitos em todas as esferas. Vamos seguir, sem tensionamentos, para as eleições livres e transparentes." Pacheco, mais cauteloso que o colega, disse que "não tem cabimento levantar dúvidas sobre as eleições". Algo mais ambos estudam fazer.
Como prevenção para o caso de Bolsonaro voltar a vestir a fantasia de presidente antissistema, que já avacalhou o Congresso assim como hoje humilha a Corte suprema, os líderes políticos discutem a ideia de convidar observadores da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de parlamentos da Europa e dos EUA para acompanhar a apuração dos votos. Militares não são parte dessa equação institucional em nenhuma instância.
Recessão à vista em 2023
Analistas ingênuos ou tementes de suas fontes palacianas avaliam a sem-cerimônia de Bolsonaro como sinal de confiança na reeleição. Há controvérsias. Apelar às Forças Armadas como sua guarda pretoriana pode indicar mais insegurança que bazófia para animar a militância. Com maioria de eleitores vivendo na pobreza e na extrema pobreza, a retórica extremista só agrada aos convencidos.
O que se insinua na economia é um segundo semestre muito difícil, provavelmente desembocando numa recessão em 2023, considerando-se o trabalho de Sísifo do Banco Central. Eleva os juros, cujos efeitos aparecem em seis a oito meses, para segurar a inflação, enquanto o Ministério da Economia trança as pernas com uma profusão de medidas eleitoreiras visando aquecer o consumo.
O que dizer da Medida Provisória, editada quinta-feira, elevando de 20% para 21% a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) dos bancos para bancar outro refinanciamento de dívida tributária? O custo dos empréstimos vai tornar-se ainda mais proibitivo.
"Qualquer percentual de aumento de imposto para os bancos impacta diretamente no custo dos empréstimos, que já estão caros", reclamou o presidente da Federação Brasileria de Bancos (Febraban), Isaac Sidney. "A impressão que fica é que o governo gosta de inflação e não se importa com as consequências." Crédito, exportação e investimento, pelo manual de boas práticas econômicas, não devem ser tributados.
Método para iludir tolos
Bolsonaro fala muito, todos os dias, e tuíta mais ainda, mas sobre o seu governo esconde o que não funciona. Isso tem método.
Veja-se o histórico de seus ministros da Educação: o primeiro mal falava português, o segundo não sabia escrever direito, o terceiro nem assumiu ao se achar omissões em seu currículo, o quarto era um pastor que pôs no gabinete dois outros pastores amigos de Bolsonaro para cobrar propinas de prefeitos. E por aí vai. E na economia?
Num dia, estende a validade dos fundos garantidores de crédito. No outro, onera a banca, que têm lucros fartos e condições de repassar os ônus tributários. Faz isso com o BC subindo a Selic para conter o estirão da inflação, que já contamina o cenário de 2023. Nada tem nexo. Ou é para incentivar a demanda, razão de outro corte do IPI, ou é para contê-la, como faz o BC. Cortar impostos rende aplausos, mas o governo deu calote no pagamento de precatórios a pretexto de faltar dinheiro para pagar o Auxílio Brasil de R$ 400/mês.
Isso é obra de quem não tem compromisso com a eficácia econômica. O que virá adiante? Das urnas não se sabe. Da economia, estagnação ou recessão, mais aflição social, maior isolamento no mundo etc.
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