Entrevista

"Microcrédito é fundamental", diz presidente da Caixa

Executivo da Caixa Econômica Federal comemora a concessão de empréstimo para 1,5 milhão de pessoas em quatro semanas. Para auxiliar o público-alvo, banco vai ampliar número de agências, de modo a complementar serviços digitais

Michelle Portela
postado em 03/05/2022 06:16
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

A Caixa Econômica Federal já recebeu mais de 1,5 milhão de solicitações de microcrédito pelo SIM Digital em menos de um mês de operações. O programa oferece até R$ 1 mil para pessoas físicas e R$ 3 mil, para Microempreendedores Individuais (MEI), respectivamente. Além disso, o banco prevê mais de R$ 77 bilhões para investimentos em pequenas e médias produções agrícolas na primeira geração de aplicações em agronegócio do banco até 2023.

"Estamos chegando a todos os lugares do país, com a criação de mais de 300 agências para atender quem não consegue acessar os programas por meio digital", explica Guimarães. "Isto porque o microcrédito é fundamental para o Brasil", avalia o presidente do maior banco digital do Hemisfério Sul.

Lançado no final de março, o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores — Sim Digital já realizou mais de 1,5 milhão de operações de microcrédito até o momento, dos quais 80% foram realizados por pessoas físicas ou jurídicas com o nome sujo, ou seja, negativados nos órgãos de proteção ao crédito.

O programa é executado pelo Fundo Garantidor de Microfinanças da Caixa (FGM) e receberá um aporte de R$ 3 bilhões do FGTS.

O valor médio contratado entre aqueles com restrição de crédito foi de R$ 778,31 — no mesmo período, os cerca de 102 mil requerentes restantes e que não estavam com nome restrito, registraram um tíquete médio de R$ 735,50.

O lançamento do programa de microcrédito da Caixa resulta de um planejamento gestado há meses. No início do março, o Pedro Guimarães esteve em viagem oficial a Bangladesh e ao Quênia para conhecer a essa modalidade. As equipes da Caixa também conheceram como o sistema funciona no Peru e no México. Esses estudos foram importantes para o banco brasileiro desenvolver um modelo nacional, que abre oportunidade, especialmente, aos microempreendedores individuais (MEI's), que podem obter até R$ 3 mil, inclusive, estando negativados, com juros de 1,99%, parcelados em até 24 vezes.

Pessoas físicas têm acesso a financiamento de até R$ 1 mil, com juros a partir de 1,95% ao mês e até 24 meses para pagar.

Em outra frente, a Caixa Econômica amplia a atuação no agronegócio. Pelo menos duas linhas de crédito estão sendo mobilizadas. O Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor (Pronamp) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) poderão oferecer até R$ 430 mil e R$ 400 mil para financiamento de investimentos por ano agrícola, respectivamente; e 1,7 milhão e R$ 250 mi para custeio dessas produções.

O banco conta, ainda, com R$ 30 bilhões do Plano Safra, a cargo do governo federal. Com isso, seriam quase R$ 77 bilhões para investimentos em pequenos e médios do agronegócio brasileiro.

Entrevista // Pedro Guimarães

Por que abrir o microcrédito no Brasil?

Estamos aprendendo. E essa é uma grande diferença desta gestão. Não somos donos da verdade. Para fazer uma operação de microcrédito, nós fomos até quem faz isso há mais de 50 anos, como em Bangladesh. Também fomos ao Quênia, ao México e ao Peru. Estamos conversando nos lugares onde as pessoas realizam microcrédito há muito tempo. Estamos utilizando essas conversas para entender as experiências deles, pensar a tecnologia, conversar e ouvir.

A Caixa pode participar de um cenário internacional de oferta?

Pode fazer, mas não faremos. Nós fomos para aprender, temos conversas em relação a essas operações. A Caixa é um banco muito grande, é o maior banco do Hemisfério Sul. Mas, lá fora, as pessoas conhecem os bancos privados e o Banco do Brasil. As pessoas não conhecem a Caixa. Só que a Caixa é muito maior que qualquer banco aqui, em termos de clientes, carteira de crédito, depósitos. Então, o microcrédito é fundamental para o Brasil.

O que significa a iniciativa da Caixa sobre microcrédito?

Na minha opinião, estamos fazendo algo que todos podiam oferecer no sistema bancário. Essa parte é fundamental. Eu não posso falar pelos outros bancos; posso falar pela Caixa. A gente tem conversado para entender. Saber como é feito nos outros lugares, para ver essa questão do uso da tecnologia. É o que, na minha opinião, as pessoas têm que fazer mais: ouvir. Não ser dono da verdade. É o que a Caixa está fazendo. Não somos donos da verdade. Estamos conversando com quem faz isso pelo mundo. Porque estamos fazendo algo muito rápido.

E o SIM Digital é muito fácil, não?

É para a gente, não é para quem não sabe ler. Esse é um ponto importante, de uma grande diferença da Caixa. Por que nós estamos abrindo 300 agências? A minha resposta é: estou viajando há 137 fins de semana pelo país. Recomendo que as pessoas façam o mesmo, só que não para São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, mas para o interior da região Norte e Nordeste.

Onde há mais carências?

É por isso que estamos abrindo 30 agências do Pará, 27 no Maranhão, 18 no Ceará e 15 no Amazonas. Porque são locais onde você tem muitas pessoas com falta de informação, que não conseguem utilizar o celular. A iniciativa do microcrédito vem pelo celular, mas virá também nas agências, nos correspondentes. Porque para essas pessoas que não conseguem utilizar o celular de uma maneira cotidiana, é importante que tenha essa parte. Essa é a força da Caixa. A gente é um banco social e um banco comercial. No microcrédito, a gente vai fazer tanto pela parte digital quanto pela parte pessoal.

Em cada país visitado, o microcrédito tem características próprias, não?

Sim. Em Bangladesh, eles têm pouca tecnologia, mas uma experiência muito grande. Fazem operações em grupo. No Peru e Índia, você tem operações com muita tecnologia individuais. Então não é verdade que o microcrédito é com garantia em grupo. Isso não é verdade. Você tem locais onde essa garantia é compartilhada, ou seja são operações em grupo, e onde você tem operações individuais. Então, ao conversar, ao visitar, ao viajar a gente consegue entender várias operações. Esse é o nosso objetivo. Não há nenhuma intenção de fazer nenhum empréstimo fora do Brasil. Só que isso não significa dizer que nós não tenhamos a necessidade de conversar com quem faz há mais de 50 anos.

Por que o microcrédito é uma inovação na política da Caixa?

Nunca se deixou de emprestar para grandes empresas — eu não vou falar os nomes aqui, todo mundo sabe — que não pagam. Mas nunca ninguém se esforçou para fazer uma operação de microcrédito e emprestar R$ 1 mil para uma pessoa. Então, estou muito feliz porque, atualmente, ao invés de a Caixa ser um banco de algumas grandes empresas, é um banco de todos os brasileiros, em especial, dos mais carentes. Essa é a diferença brutal da Caixa no governo Bolsonaro para os governos anteriores.

Como está o trabalho da Caixa em relação ao agronegócio?

Antes o foco da Caixa era o capital de giro porque, na teoria, tem menos riscos. Eu discordo desse modelo. Se o agricultor investir, ele vai ter valor agregado. Em 15 anos — prazo de carência de financiamento —, você enfrenta uma série de eventos, como seca ou geada, como tivemos neste ano, que são problemas comuns. Quando você faz um investimento de 15 anos, com três anos de carência, a chance de inadimplência é muito menor, porque o agricultor vai investir e ganhar em produtividade, de valor agregado, a propriedade poderá ser usada como garantia porque ela terá valorizado.

Em alguns casos, a área do investimento serve de garantia?

É como funciona nos programas habitacionais, para os quais fazemos empréstimos de até 35 anos. Ao longo dos anos, o imóvel tem uma valorização brutal, e a gente tem esse valor (atual do imóvel) como ativo do banco, uma vez que a pessoa que pediu o empréstimo pagou o valor de entrada contando, inclusive, com recursos subsidiados, como no Casa Verde Amarela. Então você tem o mesmo crédito por dentro, corrigido com juros, mais o seu ativo do banco. O valor do imóvel aumenta muito. Por isso somos grandes. A Caixa tem cerca de R$ 600 bilhões de carteira de imóvel, mas o valor efetivo dessa carteira é mais de R$ 1 trilhão, correspondentes a 6 milhões de pessoas ou famílias atendidas pelo crédito imobiliário. Isso permite, por exemplo, dar 70% de desconto na oferta desses imóveis em leilões. Isso é ter uma garantia maior.

Houve mudança nos projetos de habitação?

Quando a gente chegou à gestão, havia muitas obras paralisadas. Essas habitações populares tiveram problemas, porque os projetos eram grandes, mas sem infraestrutura, de Educação ou Saúde, por exemplo. Também longe das áreas urbanas. Alguns projetos foram dominados por facções criminosas. E as pessoas não queriam nem de graça. Tinha casos em que as pessoas precisavam pagar de locomoção mais do que pagavam com a habitação. Viraram grandes problemas. Um grande problema foram as construtoras pequenas que não tinham capacidade, obras muito grandes e, quando pronto, os apartamentos eram inabitáveis porque não havia como chegar lá, sem acesso a transporte público, para citar um exemplo.

Como resolver esses problemas?

Mudamos esses processos. Buscamos fazer financiamento de projetos menores, dentro das cidades, com tamanho menor, 200 unidades, por exemplo.

E o que acontece nesses casos?

Não é responsabilidade da Caixa oferecer infraestrutura. A gente financia os projetos de empreendimento do Casa Verde Amarela, que são da faixa 1; 1,5 e 2. Fazer, por exemplo, asfaltamento das vias, gerar a questão de segurança pública, não era uma preocupação, ainda mais quando esses empreendimentos ficavam longe dos centros urbanos. Nosso foco é fazer operações imobiliárias menores, com 200, 300, 400 casas. Nesse modelo, elas são muito mais eficientes do que quando você faz 10 mil unidades num único projeto que, na grande maioria das vezes, não oferece nenhuma infraestrutura.

O que representa o uso do FGTS para quitar dívidas da casa própria?

É uma iniciativa importante porque vai beneficiar quem tem menos dinheiro no Brasil. Você financia até 80% de cada prestação com limite de 12 meses, para valores de imóveis em até R$ 1,5 milhão. Isso é importante porque são imóveis do Casa Verde Amarela, mas também do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que podem ser financiados.

Como foi a avaliação para liberar o FGTS?

As regras do FGTS são estabelecidas pelo Conselho Curador. O que aconteceu nesta gestão foi que o governo utilizou três vezes o FGTS, em 2019, 2020 e 2022, com a possibilidade de realização de saques, em momentos específicos da economia do Brasil. O FGTS hoje é focado na habitação Popular e na infraestrutura, mas eu diria que a maior diferença que houve na minha gestão é que, agora, o FGTS e o FiGTS (Fundo de Investimento do FGTS) são respeitados. Quando a gente assumiu, os dois tinham o seu balanço sob ressalva. O que significa isso? Os balanços não tinham o respeito do auditor por causa de problemas graves de governança no passado, por investimentos malfeitos, que geravam prejuízos. Isso demonstra, matematicamente, que essa gestão é considerada de boa governança. Ou seja, os recursos dos 89 milhões de trabalhadores estão sendo geridos de maneira responsável.

Muito se fala que essas medidas têm fundo eleitoral…

Nosso objetivo é ajudar o brasileiro. A gente começou o agro, por exemplo, em julho de 2021, a um ano e meio da eleição. Então, não é verdade que a gente começou agora. Em outros tempos, a Caixa preferia emprestar para empresas que muitas vezes não pagavam e, por isso, a Caixa sofreu intervenção. Houve vice-presidente da Caixa que foi preso e acharam milhões de reais em notas na casa da família dele. Eu não vi as pessoas perguntarem se isso veio com a eleição. Agora, posso dar a minha resposta. Não investiram em agronegócio antes porque o agro nunca foi foco na Caixa. Então, na verdade, se o agro é o principal setor da economia do Brasil, como é que o maior banco brasileiro não financia o agronegócio? Tenho mais uma resposta: é porque não havia base de capital suficiente, porque a Caixa não tinha lucro suficiente. Nesta gestão, o lucro é muito forte.

A inclusão de pessoas com deficiência é outro avanço de sua gestão?

Sem dúvida. Quando assumi, não havia um respeito pelas pessoas com deficiência que não ocupavam o mínimo de 5% do total do número de funcionários, ou seja, apesar de ser uma determinação do Ministério Público, não era cumprida. Nesta gestão, chamamos 4,5 mil pessoas com deficiência. Não tenho a informação de que outra empresa no Brasil já tenha feito este movimento.

O senhor gostaria de ficar em caso de reeleição de Bolsonaro?

Tem que fazer essa pergunta a ele. Acho que a Caixa é um diferencial do Brasil. Quando eu cheguei, a Caixa patrocinava time de futebol; emprestava dinheiro a quem não pagava de volta; grandes empresas receberam dinheiro e não pagaram; a Caixa patrocinava camarotes, não havia mulheres na diretoria, não havia meritocracia. Então, quem estiver com saudade de ter um banco que banca camarote de carnaval, de executivo sendo preso, essa é a avaliação que tem de ser feita. Desde quando entrei na Caixa, ninguém mais foi preso.

 

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