ENTREVISTA

'Se não piorar, vai ser uma vitória', diz Penna sobre produção de cimento

Indicador do ritmo da atividade econômica, consumo do produto "anda de lado", segundo representante dos fabricantes

Vicente Nunes
Rosana Hessel
postado em 30/05/2022 06:00 / atualizado em 30/05/2022 06:24
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A produção e o consumo de cimento estão entre os principais termômetros da economia, funcionam como indicadores antecedentes do ritmo da atividade econômica. As perspectivas não são animadoras. Para este ano, diz o presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC), Paulo Camillo Penna, o segmento deverá, na melhor das hipóteses, andar de lado, ou seja, ficará estagnado. Isso acontece depois de um processo de recuperação iniciado em 2019. Com os negócios em marcha lenta, a frustração dá as caras.

Entre 2015 e 2018, a indústria de cimento foi ao fundo do poço e está longe de se recuperar do tombo de 27% registrado nesse período. Vinte fábricas de cimento foram fechadas e 11 pararam as máquinas, enquanto a atividade do país desacelera diante da inflação e da taxa básica de juros (Selic), ambas na casa de 12% ao ano.

"Estamos andando de lado, agora. Não dá para dizer que o setor está parando, porque há lançamentos imobiliários em curso. O estoque continua interessante e ainda há uma expectativa de aumento na infraestrutura", avalia Penna, que também preside a Associação Brasileira de Cimento Portland. "Para 2022, a nossa meta é assegurar os ganhos que tivemos de 2019 até agora. Não piorar já vai ser uma vitória. Estamos com uma instabilidade muito grande e uma pressão de custo brutal", diz.

Em relação às eleições deste ano, Penna diz que "ainda é um cenário muito difícil de ser identificado" e que "está tudo muito nebuloso". Veja os principais trechos da entrevista que Paulo Camillo Penna concedeu ao Correio:

 


Veja os principais trechos da entrevista que Paulo Camillo Penna concedeu ao Correio:

A economia não consegue deslanchar após a recessão provocada pela pandemia da covid-19. O setor de cimento é um dos termômetros antecedentes da atividade. Está ou não está havendo uma retomada?

No campo da infraestrutura, temos notado um reaquecimento, uma retomada do nível de obras, mas com a incorporação de novos elementos e novos indutores de desenvolvimento. A indústria pode ser avaliada por meio de um estudo recente da Fundação Getulio Vargas, mostrando que, em 2012-2013, 25% de todo o cimento era canalizado para a infraestrutura. Em 2018-2019, estava em torno de 10%. Então, houve uma redução significativa do canal de infraestrutura na utilização do cimento. O que vemos agora é não só uma retomada da utilização dos vetores de consumo, como pavimento rígido, que é o usado em estradas, e o pavimento rígido urbano. Existem levantamentos que comprovam a insatisfação dos munícipes com a retomada anual do asfaltamento de vias, porque elas não resistem às chuvas. E o paramento de concreto tem se mostrado uma solução extremamente eficiente — em Buenos Aires, mais de 60% da pavimentação usa concreto, mais duradouro. O estado do Paraná tem tomado iniciativas importantes de utilização do pavimento de concreto com resultados muito interessantes, economicamente abaixo do pavimento flexível, que guarda também ganhos em sustentabilidade muito significativos.

E em termos de atividade econômica?

O que a gente percebe é que a retomada, depois de quatro anos da pior crise da nossa história, de 2015 a 2018, ocorreu, basicamente, na indústria imobiliária. Esse foi o grande indutor da demanda do setor. Depois de uma queda de 27% no nosso mercado entre 2015 e 2018, com o fechamento de 20 fábricas, em 2019 houve um primeiro crescimento de 3,5%. Surpreendentemente, em 2020, durante a pandemia, tivemos um crescimento de 10,6%, porque houve também a retomada da atividade imobiliária. Mas, a utilização da casa não só como refúgio, mas como local de trabalho e de lazer, e a autoconstrução, a “construção formiguinha” das casas, impulsionaram significativamente a demanda. Em 2021, tivemos um crescimento de 3,5%. Observamos que o fato de o governo reduzir o auxílio emergencial impactou significativamente a indústria do cimento, reduzindo a autoconstrução. E nossa projeção para 2022 é a volta da neutralidade.

Quer dizer que o setor ainda não deve recuperar tão cedo as perdas de 2015-2018?

Não vai recuperar. Nós precisamos de mais de 12 milhões de toneladas. Chegamos a 74 milhões de toneladas de produção em 2014, que é o recorde histórico, e, hoje, estamos com 64 milhões de toneladas. Ainda precisamos de mais 8 milhões de toneladas, pelo menos.

Então, só a melhoria do mercado imobiliário, em si, não adianta para a recuperação do setor. É preciso retomar obras públicas?

Temos que recuperar, acelerar a infraestrutura, ampliar a utilização de pavimento urbano, loteamentos, pavimentos das cidades, ampliar significativamente a demanda por cimento para chegarmos próximos do que tivemos em 2014. Naquele ano, a capacidade de produção do setor no país era por volta de 89 milhões de toneladas anuais, e o pico foi de 74 milhões. Hoje, a nossa capacidade de produção é de 94 milhões e estamos com 64 milhões. Em 2017, o país tinha 100 milhões de toneladas por ano de capacidade produtiva e, chegamos em 2018, com uma capacidade ociosa de 45%. Esse quadro fez com que 20 fábricas fossem fechadas, das quais 11 continuam paradas.

Isso provocou muito desemprego?

A nossa atividade não é intensiva de mão de obra. Mas é um antecedente que mostra que a construção civil, não utilizando o nosso produto, demonstra um desemprego acelerado.

O setor tem plano de investimentos?

O segmento tem investido em uma política de redução de emissões (de gases de efeito estufa). A indústria do cimento é a única do país com um trabalho publicado para a redução de emissões até 2050. É feito com a agência internacional de energia, conselho mundial de desenvolvimento sustentável, IFC, do Banco Mundial. Apenas na utilização de resíduos para a geração de energia térmica, o coprocessamento, e adequação das fábricas, vamos investir R$ 5 bilhões entre 2021 e 2030. Esses recursos serão destinados apenas para a produção do combustível derivado de resíduos, o CBR. Esse é um projeto de sustentabilidade, porque substitui o coque, que é um combustível fóssil, e gera renda para quem encaminha os resíduos, que podem ser agrícolas, biomassa ou de origem industrial, pneus etc. Para se ter uma ideia, no ano passado, utilizamos 63 milhões de unidades de pneus, cerca de 60% dos que são descartados para gerar energia. Se esses pneus fossem enfileirados, seria possível dar uma volta e mais um terço em torno do eixo da Terra. E o que estamos fazendo de mais moderno hoje é pegar também o lixo doméstico urbano, e estamos usando esse resíduo para gerar energia no lugar do combustível fóssil, que é dolarizado e importado. O Brasil é um dos únicos países do mundo que enterra energia. Isso é um absurdo.

Como controlar as emissões da queima desses combustíveis, como o pneu, que são poluentes?

Hoje, há filtros nas fábricas que são os mais modernos do mundo. Temos as menores emissões. E o que estamos fazendo é o levantamento dos combustíveis alternativos, como o lixo urbano e a biomassa em substituição ao coque. Estamos usando caroço de açaí, casca de babaçu, moinha de carvão, cavaco de madeira de reflorestamento, palha de arroz e, além disso, utilizando resíduos industriais perigosos, como químicos, e não perigosos, com absoluto controle, como é feito no mundo. Com esse tipo de comportamento, estamos erradicando lixões e prolongando a vida útil dos aterros sanitários em torno de 30 anos.

E isso vai reduzir em quanto a emissão da indústria?

Nós vamos trazer a relação de 564 quilos de CO2 por tonelada de cimento produzida para 370. Será uma redução de 33% na quantidade de emissões. Hoje, o Brasil tem a menor emissão mundial de CO2 por tonelada de cimento produzida. A média mundial é de 620. E o Brasil, há mais 20 anos, tem a menor emissão mundial.

Conforme dados recentes de um estudo da FGV, o setor público investe 0,1% do PIB em infraestrutura. Isso não dá nem para manter o que o país já tem?

É uma dificuldade imensa. Temos um levantamento mostrando que o orçamento do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) para as estradas é insuficiente para manter a qualidade que este governo pegou em 2018. No fim daquele ano, antes de (o presidente Jair Bolsonaro) assumir o mandato, 50% das estradas estavam com qualidade boa. Quando o mandato acabar, esse percentual estará infinitamente menor, porque o orçamento aplicado para a manutenção das estradas é insuficiente. Com isso, esse desenho está se mostrando falido. Então, a inserção do pavimento rígido como solução, principalmente em estradas com atividade de transporte pesada, é a solução adequada. Está havendo uma adoção maior do concreto, tanto pelo governo federal quanto pelos governos estaduais. O Paraná e o Rio Grande do Sul são bons exemplos disso.

É falta de visão dos governantes? Entra governo e sai governo e esses problemas não são resolvidos.

O Brasil tem um problema fiscal sério. As reformas que não vieram continuam deixando a falta de solução à vista. A reforma administrativa, para reduzir o peso do Estado, para que ele possa fazer investimentos e ampliar significativamente parte do PIB em investimento em infraestrutura. A reforma tributária, que estabelece algo mais racional nesse cipoal enlouquecido de impostos existentes.

Os custos do setor estão em alta?

Brutalmente. Apenas com o coque houve aumento de 443% no custo desde 2020 até março deste ano. Em 2019, 50% do custo de produção de cimento era energia: 15% elétrica e 35% térmica, que é o coque. Hoje, pelas altas do preço do coque, por conta da guerra da Ucrânia, o preço se descolou do barril do petróleo e ficou havendo uma inter-relação com o preço do carvão. O custo do coque hoje, que era de 50%, beira 70% dos custos de produção de cimento. Com os aumentos dos custos da energia elétrica e da energia térmica, mais gesso, sacaria, combustíveis, fretes, refratários, tudo disparou, e a indústria não vai conseguir fazer, efetivamente, um repasse integral desses valores sob pena de não ter capacidade de tornar a demanda uma realidade.

O setor imobiliário, sozinho, segura a demanda da indústria?

O que tem sustentado hoje a demanda é o segmento imobiliário. E, com a autoconstrução, deve estar com torno de 70% da nossa demanda, o que é indesejável do ponto de vista de segurança, estabilidade e sustentabilidade da indústria. É preocupante esse tipo de coisa para o setor.

Qual é o panorama da indústria?

Basicamente, o capital nacional é infinitamente mais significativo do que o estrangeiro. Temos 91 fábricas em atividade e 11 fechadas. A capacidade de produção é de 94 milhões de toneladas e a ociosidade é de 32%, com 68% de utilização. Estamos andando de lado agora. Não dá para dizer que o setor está parando, porque há lançamentos imobiliários em curso. O estoque continua interessante e ainda há uma expectativa de aumento na infraestrutura. O setor teve queda significativa na autoconstrução. E o nível de endividamento das famílias brasileiras está sem precedentes na série histórica, o que tem efeito na demanda de cimento.

Podemos dizer que a indústria de cimento sofre com o endividamento elevado das famílias?

Sem dúvida. Isso tem um impacto significativo. A preocupação da construção civil está muito ligada com a estrutura do programa Casa Verde Amarela, antigo Minha Casa Minha Vida. O problema mais sério que eles alegam é que os reajustes são anuais. Com o nível atual de inflação de custos, é difícil fazer capital de giro até o novo repasse. E, aí, tem que ver se a pessoa que comprou vai ter capacidade de fazer frente a essa dívida.

O setor está disposto a ampliar investimentos?

Primeiro, há ainda uma capacidade ociosa importante. Então, temos que ocupar isso. Mas temos feito investimentos importantes.

A expectativa, agora, com a taxa de juros acima de 12%, não é provável que os novos empreendimentos fiquem na gaveta dada a concorrência com a renda fixa?

Por isso que a gente trabalha com estoque, que são os lançamentos e as obras efetivamente em curso. Enquanto estiver essa coisa equilibrada, há como fazer a previsão de quanto será gerada a demanda ao longo do tempo do cimento, dos vergalhões, que está nas fundações da construção civil, para saber o quanto está sendo levantado em termos de prédios.

Esse crédito não tende a encolher com o aumento do endividamento, da inflação, dos juros e da inadimplência?

Sem dúvida alguma. O setor só conseguiu alcançar esse nível de recuperação nesse período porque o setor teve condições mínimas de crescimento. Não tivemos a reforma tributária, que seria absolutamente fundamental, e não tivemos um ganho efetivo de massa salarial. O que estamos vendo é uma queda significativa da renda. Na minha visão, é inaceitável considerar alguma estabilidade com mais de 11 milhões de pessoas desempregadas.

E as eleições? Elas atrapalham o setor?

No passado, havia uma visão de que, em todo ano eleitoral, o setor crescia mais de um ponto percentual acima do PIB. Eu acho que ainda podemos ter algum tipo de surpresa. Mas é um cenário muito difícil de ser identificado. Ainda está tudo muito nebuloso.

Quer dizer que este ano pode ser uma exceção?

Eu sou moderadamente otimista e vou me pautar pela premissa de que vamos assegurar os ganhos de 2019 a 2021, será um ganho importante para a nossa indústria.

 "O que estamos fazendo de mais moderno é pegar o lixo doméstico urbano para gerar energia no lugar do combustível fóssil, que é dolarizado e importado. O Brasil é um dos únicos países do mundo que enterra energia. Isso é um absurdo”

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