CONSUMIDOR

Saiba como a decisão do STJ sobre rol taxativo afeta planos de saúde

Ao decidir que apenas os procedimentos listados pela ANS, conhecido como rol taxativo, devem ser cobertos pelos convênios, Superior Tribunal de Justiça limita a obrigatoriedade, o que levanta dúvidas nos usuários

Fernanda Strickland
Cristiane Noberto
postado em 13/06/2022 05:54 / atualizado em 13/06/2022 05:55
 (crédito: Olga Kononenko/Unsplash)
(crédito: Olga Kononenko/Unsplash)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os planos de saúde devem oferecer aos usuários apenas os procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o chamado rol taxativo. Na prática, a maioria dos serviços continuarão sendo cobertos pelos convênios. Contudo, há limitação de novidades e soluções inovadoras, o que poderá prejudicar alguns tratamentos, especialmente de pessoas que têm doenças ou deficiências incomuns.

O rol da ANS com mais de 3,7 mil procedimentos vinha sendo considerado exemplificativo pela maior parte de decisões judiciais sobre o tema. Isso significa que os pacientes que tivessem procedimentos que não constassem na lista poderiam recorrer à Justiça para ampliar o atendimento.

Assim, procedimentos ou medicamentos que tivessem semelhança com os que já estavam previstos, eram adicionados à conta do plano de saúde. Com o novo entendimento do STJ, os convênios devem atender apenas à lista da agência, que já contém toda a obrigatoriedade de cobertura. Ou seja, o que está fora, não precisa ser pago pela operadora.

Segundo a especialista em direito civil Ana Luísa Araújo Machado, "em outras palavras, salvo em situações excepcionais, as operadoras não serão obrigadas a custear tratamentos médicos que não constem desta lista se nela existir alternativa igualmente eficaz, efetiva, segura e já incorporada".

Machado explica que a regra admite exceções. "É o caso, por exemplo, de quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) sugere algum procedimento em específico ou nos casos de tratamento para câncer em que se utiliza medicação off-label, entre outros", disse. Ana Luísa ressalta que a taxatividade do rol não significa que os planos de saúde só podem oferecer o que está previsto na lista. "As operadoras não têm, a partir de agora, obrigação em fornecer os procedimentos não previstos na lista, mas faz parte da liberalidade delas oferecer coberturas ampliadas ou negociar com os segurados aditivos contratuais", afirmou.

A determinação do STJ, contudo, admite excepcionalidades. O ministro da Corte Villas Bôas Cueva ressaltou a possibilidade de concessão de excepcionalidades: cada consumidor, por termo aditivo no contrato do plano, pode requerer a ampliação da cobertura, caso deseje um tratamento específico — naturalmente os valores das mensalidades serão maiores.

Portanto, segundo Ana Luísa, apesar de a decisão dos ministros do STJ não ser absolutamente vinculante às instâncias inferiores, o resultado é um marco expressivo na regulação das operadoras e planos de saúde e tende a fazer com que, a partir de hoje, caminhe para corroborar com o entendimento da natureza taxativa do rol.

Prejudicial

Carlos Eduardo Gouvea, vice-presidente da Aliança Brasileira da Indústria inovadora em Saúde (ABIIS), aponta que o rol taxativo acabou afetando alguns setores que têm situações muito críticas. "Como, por exemplo, as doenças raras, que têm um caso para cada 10 mil, e que muitas vezes a terapia essencial para aquela determinada doença são 'life saving' e não constam no rol da ANS."

De acordo com Gouvea, a situação acaba diminuindo o acesso a novas terapias e fica restrito ao que está pré-aprovado, dificultando inclusive questões judiciais. "Tínhamos muitos medicamentos que já eram aceitos mesmo que de forma judicializada", pontuou.

Segundo Carlos Gouvea, o ponto principal é que o rol vai, de fato, restringir o acesso a produtos, diagnósticos, dispositivos ou medicamentos que não estão aprovados de forma oficial, que atendem a pessoas especiais que vão ser prejudicadas. "E aquele paciente que tem mutação genética e que por um diagnóstico não vai ser responsivo ao tratamento já aprovado? O rol exemplificativo daquele medicamento serve para todos que precisam de terapias diferenciadas. Com o rol, o medicamento pode não fazer efeito nenhum porque precisa ser mais específico do que aquele já está disponível", afirmou o vice-presidente da ABIIS.

O advogado Nauê Bernardo Pinheiro, especialista em direito constitucional, disse que a decisão do STJ acaba trazendo algumas questões para reflexão. "Por exemplo, não será preciso que a agência reguladora tenha maior agilidade na atualização do rol mínimo de procedimentos?", questionou. "Além disso, diante dessa decisão do STJ e dos sucessivos aumentos em valores de planos de saúde, não teremos repercussão sobre a saúde pública? Afinal de contas, a saúde suplementar absorve parte importante da demanda no setor no país, e agora a cobertura, em tese, ficará mais restrita", pontuou.

 

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Entenda o caso

Fim da divergência

A determinação do STJ encerrou a divergência jurisprudencial que se estendia desde 2019. Naquele ano, o ministro Luis Felipe Salomão inaugurou a controvérsia ao afirmar que o rol é meramente exemplificativo. A ANS já considera a natureza taxativa do rol desde a elaboração da última resolução normativa, em julho do ano passado. Em contrapartida, a jurisprudência majoritária entendia o rol meramente exemplificativo. Na prática, o julgamento precisava decidir se o rol deveria ser taxativo, oferecendo e limitando a lista de procedimentos obrigatórios, ou exemplificativo, servindo como uma referência mínima de serviços a serem oferecidos pelos planos de saúde. Por seis votos a três, a 2ª Seção do STJ determinou que o rol é taxativo, mantendo a obrigatoriedade de atendimento para os casos previstos na lista da ANS, mas com critério, abrindo a possibilidade de análise das exceções. O rol da ANS compreende todas as doenças previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Tira-dúvidas

O que é o rol taxativo?

Taxatividade significa que aquele rol enxuga determinados tipos de tratamento. Ou seja, o plano não é obrigado, em tese, a cobrir nada que esteja fora da lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esta lista é básica e não contempla diversos tratamentos, como medicamentos aprovados recentemente, alguns tipos de quimioterapia oral e de radioterapia, e cirurgias com técnicas de robótica, próteses, entre outros.

Quais procedimentos perdem a cobertura dos planos de saúde?

A nova regra limita o número de sessões ou outros tipos de soluções médicas para algumas terapias de pessoas com autismo, doenças raras (aquelas que há uma a cada 10 mil pessoas) e outros tipos de deficiência. Os planos de saúde podem recusar esses tratamentos. No antigo modelo, ao ter a terapia semelhante, o plano de saúde poderia aceitar pagar ou conceder reembolso. Agora o acesso a novos produtos, diagnósticos, dispositivos ou medicamentos que não estão aprovados de forma oficial no rol da ANS, não terão obrigação de cobertura dos planos.

Há exceções?

O entendimento do STJ é de que a lista, embora taxativa, admita algumas exceções, como terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer, portadores de HIV ou algum tipo de mutação genética que atinge mais pessoas, também terão continuidade no tratamento. Há ainda a previsão para caso não haja substituto terapêutico ou depois que os procedimentos incluídos na lista da ANS forem esgotados, o plano arca com a cobertura de tratamento fora do rol, indicado pelo médico ou odontólogo assistente. Aquelas situações que atingem a maioria das pessoas, situações normais e comuns continuarão sendo atendidas.

Como comprovar a eficácia de outro tratamento?

Os caminhos ainda precisam ser melhor esclarecidos. Mas, geralmente, a comprovação é feita pelo próprio fabricante ou sociedade médica quando tem uma nova tecnologia, tratamento ou medicamento. Eles submetem-se à ANS, com todas as exigências e trâmites especificados pela agência. O prazo para o aval pode durar de seis meses a dois anos. O grande problema é que, na maioria das vezes, o fabricante não está no Brasil ou não há interesse comercial para tratamentos de doenças que têm pouca frequência na população e uma oferta menor no mercado nacional.

O que o cidadão pode fazer ?

A ANS tem aberto canais para o cidadão, pelo próprio site da agência, clicando no "espaço do consumidor" (que pode ser acessado pelo endereço eletrônico: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/consumidor). Nesse espaço, o cidadão pode consultar a cobertura específica e denunciar caso o plano não esteja cumprindo a regra. É possível fazer a reclamação diretamente à agência, que deve notificar as operadoras sobre a reclamação e fazer uma devolutiva ao cidadão. A pessoa também pode enviar a proposta para a operadora com a previsão da ANS. Caso não haja manifestação de nenhum dos envolvidos, a saída é judicializar. O paciente ou cidadão deve comprovar que sua situação entra no rol de exceções. A ação é movida contra a operadora.

Quais pontos se deve ficar de olho?

É preciso observar a própria situação e necessidade de atendimento e se consta ou não no rol. É importante também questionar se a operadora de fato está atualizada com a lista mais recente da ANS, caso perceba algum tipo de desvinculação com o rol atual deve-se imediatamente fazer a reclamação na própria operadora e na ANS. Você pode conferir a lista da ANS pelo site da agência na aba de "espaço do consumidor" e "o que o seu plano deve cobrir".

 

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