Entrevista | Pedro Guimarães | presidente da CEF

"Agro é fundamental para o país"

Após bater recorde na concessão de crédito agrícola, executivo pretende ampliar programas de incentivo ao pequeno produtor

Carlos Alexandre de Souza ISADORA ALBERNAZ*
postado em 23/06/2022 00:01
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

No comando da Caixa Econômica Federal desde o início do governo Bolsonaro, o economista Pedro Guimarães fez carreira nos grandes centros do Brasil. Natural do Rio de Janeiro, trabalhou durante 15 anos em São Paulo, coração financeiro do país, antes de se transferir para Brasília. E é na capital federal que Guimarães está levando a Caixa a uma fronteira até então inexplorada pelo banco estatal: o agronegócio. A instituição pretendia implementar em 2020 uma presença mais marcante no segmento, mas a pandemia de covid-19 determinou outras prioridades. Em julho de 2021, finalmente o banco entrou firme no campo. E começou a colher resultados: em menos de um ano, a Caixa saiu do oitavo para o segundo lugar no Plano Safra. Somente em maio, concedeu R$ 6,1 bilhões em crédito agrícola. E pretende focar no pequeno agricultor, em conformidade com o papel social característico do banco. "O banco tem que ter lucro, mas precisa ser um lucro que converse com o papel social de um banco de todos os brasileiros", disse Guimarães, durante entrevista ao CB.Agro, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília. Leia os principais trechos do programa.

A Caixa vem atuando fortemente no agro. Há um recorde para se comemorar?

Sim, nós crescemos 800% desde o início desta gestão. O que aconteceu é que, em 2019, focamos na reestruturação do banco. Iríamos começar em 2020, mas aí veio a pandemia, e a Caixa focou no pagamento do auxílio emergencial, dentre outros pagamentos. Começamos no Plano Safra em julho de 2021, foi a primeira vez da história que a Caixa entrou no Plano. Desde então, saímos do oitavo para o segundo lugar. Em alguns meses, tivemos uma originação muito próxima da do Banco do Brasil. Ou seja, a Caixa saiu de um segmento onde não existia foco. Hoje, o agro é um dos principais focos do banco.

O crédito agrícola concedido foi de R$ 6,1 bilhões somente no mês passado. Como a Caixa chegou a esse valor?

Existem mais 12 bilhões na esteira para empréstimo. Em junho, devemos bater o recorde de maio. A nossa expectativa é, no segundo semestre, realizar operações pelo menos desse tamanho por mês. E o mais importante de tudo, nos segmentos de menor renda, em especial, no médio produtor. A Caixa continua com o crédito ao médio produtor de longo prazo, que é irrigação, parte de maquinário e armazenamento. A novidade, agora, é um crédito de médio prazo para o pequeno produtor, o Pronafiano (beneficiário do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-Pronaf). A gente não fez isso ano passado porque, quando começamos, repassamos a maior parte desse recurso para outros bancos e cooperativas.

Basicamente, a Caixa passou a concentrar mais recursos e direcioná-los para o pequeno produtor.

Até o ano passado, o Banco Central tinha uma obrigatoriedade sobre investimentos dos depósitos à vista, aqueles que não rendem nenhuma remuneração. Pela regra, 25% do depósito à vista tem que ser emprestado para o agro. O que acontecia: a Caixa não tinha esse foco, então repassava R$ 3,4 bilhões para cooperativas e R$ 8,9 bilhões para outras cooperativas de crédito — Sicredi, Sicoob — e outros bancos regionais. Isso significava o seguinte: nós não exercíamos esse papel social em relação ao agro. Nesta gestão, discordamos disso.

Qual leitura passou a ser feita?

O agro é fundamental para o Brasil. É 25% do nosso PIB, é a vantagem comparativa na economia que vai continuar nos próximos 20, 30, 40 anos. E é uma atividade que tem grande relação com os clientes. Por causa disso tudo, por uma decisão matemática e social, entramos no agro para fazer a diferença. Até um ano atrás, a Caixa não focava nos pequenos e repassava isso para bancos de cooperativas mais eficientes. A partir de julho deste ano, não vamos repassar nenhum real. Isso gera uma pressão maior para nós, mas gostamos de enfrentar essas pressões. Vamos emprestar para pelo menos 50 mil pequenos produtores.

Significa que, agora, o produtor rural terá um contato direto com a Caixa, sem intermediários.

Exatamente. Não tínhamos isso. Já abrimos cem agências, temos produtos que são muito mais eficientes, análises de crédito também, e uma operação de seguros com o Banco Central. Tudo isso a gente não tinha até um ano atrás, estamos desenvolvendo. Por isso, repassávamos esse recurso. Agora, a partir de julho, nós vamos emprestar diretamente, exercendo esse papel social da Caixa.

Qual é a diferença entre as linhas de crédito do programa agrícola da Caixa? Qual é a abordagem delas?

O Pronaf é exatamente para os menores agricultores, com a menor renda, normalmente até 400 mil reais. Existe um financiamento de curto e longo prazo. Há um financiamento de capital de giro (um ano), e existe um financiamento de cinco, seis, sete, oito anos. Esses valores variam de acordo com o produto. O que acontecia: o nosso foco, quando nós emprestávamos, era no curto prazo. Mudou isso também.

Por quê?

O foco no curto prazo é mais arriscado. Se tiver qualquer problema climático, o pequeno produtor não vai conseguir pagar. Já se ele tiver um prazo e utilizar o dinheiro para investir no negócio dele, a chance de pagar é muito maior. Quanto à questão climática, nós temos o seguro operacionalizado pelo Banco Central. Neste segmento dos pequenos produtores, a Caixa e todos os bancos têm uma defesa contra algo fora do normal. Se tiver uma seca, uma enchente, nós recuperamos. Isso reforça a vontade e reduz o risco nesse segmento, que normalmente é o de maior risco.

E em relação ao médio produtor?

Nosso foco também é no longo prazo, silos e armazéns, correção de solo, irrigação, tratores e outros tipos de equipamentos. Novamente, nosso foco é emprestar oito, dez, doze anos, com dois anos de carência. Assim, os pequenos produtores conseguem tempo para se capitalizar. É um investimento que vale a pena, do ponto de vista da Caixa e do Brasil.

A Caixa tem uma linha de crédito específica, que não está incluída no Plano Safra, e atende a um público muito especial. Que linha é essa?

É o microcrédito agrícola. Ou seja, nós temos uma categoria de renda ainda inferior ao Pronaf. São as pessoas que acabaram de conseguir o título da terra. No total, já temos mais de 3 milhões de pessoas que receberam o microcrédito geral em três meses. Já somos a maior operação de microcrédito da América Latina. Agora, vamos começar no microcrédito agrícola, exatamente porque estamos abrindo nossas agências agro e utilizando nossos correspondentes bancários, que são mais de 9 mil pelo Brasil. Oitenta e cinco por cento do crédito imobiliário na Caixa é originado por esses correspondentes. O que estamos fazendo é utilizá-los também para originar o agro. Sabemos que esse público é o mais sensível de todos, porque não tem financiamento hoje. É onde queremos atingir.

A Caixa fez vários estudos antes de se lançar no microcrédito. Um dos lugares visitados foi Bangladesh, onde a operação foi desenvolvida com comunidades agrícolas…

Exatamente. Fomos a Bangladesh e ao Quênia. Estamos fazendo parceria com o Grameen Bank em Bangladesh, que foi o primeiro, há 50 anos, e com o Banco das Mulheres (Quênia). Também estivemos no México, Peru e Colômbia. Mas a operação, em especial em Bangladesh e no Quênia, é muito diferente em relação à América Latina. No Peru e na Colômbia, ela se aproxima da nossa (pelo celular), e é mais um crédito pessoal. Já em Bangladesh e no Quênia, a maior parte é por grupos, que é o que queremos fazer no Brasil na parte do agro. Então, esse microcrédito do agro vai ser uma grande novidade para a Caixa porque vai se aproximar da dinâmica daquelas primeiras operações de microcrédito.

Por que adotar essa dupla abordagem, por meio do aplicativo Caixa Tem e pela presença física do banco em regiões onde o acesso à internet é deficiente?

Fizemos o pagamento para 42 milhões de brasileiros do FGTS em 30 bilhões de reais, tudo pelo aplicativo. Esses brasileiros tiveram nas suas contas o depósito de até mil reais. Com a recente operação da Eletrobras, também foi pelo aplicativo. Oitenta e nove milhões de pessoas poderiam comprar ações da Eletrobras, e tudo isso feito pelo Caixa Tem. Então, funciona muito bem. Mas existem milhões de brasileiros que têm menos educação formal. E é exatamente para esse público que estamos abrindo as agências. São cem agências agro e cerca de 300 no total. Acabamos de abrir, na semana passada, cinco em três dias em quatro estados e vamos abrir pelo menos mais duas agora. Sempre com esse equilíbrio: questão do agro e questão social.

O senhor fez mais de 140 viagens pelo país, por meio do programa Caixa Mais Brasil. Como é ver o resultado, na ponta, conversando diretamente com o produtor?

É impactante porque, muitas vezes, existe a teoria. E quando conversamos com os clientes, eles demonstram algo muito diferente. Por exemplo, nem eu nem as pessoas do banco imaginávamos que o investimento de longo prazo era tão importante para o beneficiário do Pronaf. E nós ouvimos isso dos pescadores lá em Touros, no Rio Grande do Norte. O foco, a partir de agora, é exatamente ter uma inauguração de agência ou mais e fazer a operação. Já inauguramos mais de 70, tem mais de cem este ano. Eu não quero que uma agência fique mais de uma semana pronta sem inaugurar. Queremos conhecer e conversar com aquelas pessoas com menor poder aquisitivo no agronegócio e no microcrédito em geral.

A Caixa ainda tem o programa Giro Caixa, para atender os caminhoneiros, diretamente afetados pela alta dos combustíveis. Como isso está sendo desenvolvido?

Funciona assim: temos o recebível, que coloca o frete em uma plataforma já totalmente automatizada e serve como uma garantia. É algo parecido com o crédito consignado. Por que o crédito consignado tem as menores taxas? Pois tem a garantia. A taxa que a gente cobra dos caminhoneiros reduz pela metade. Nós temos as menores taxas do mercado. O programa foi um sucesso. Isso é importante porque o caminhoneiro, que está no meio do Brasil, consegue o crédito, que vem com a garantia do frete, pelo aplicativo Caixa Tem. Também é relevante porque, muitas vezes, ele viaja e só recebe no final das viagens. Então, essa antecipação permite que ele tenha o dinheiro, no mínimo, para o óleo diesel, sem ter que pagar as taxas de antes. (O Giro Caixa) era uma demanda grande, e tivemos uma resposta muito positiva.

O Brasil é uma superpotência agrícola, em um momento de importantes transformações na economia mundial. Nesse contexto internacional, como enxerga o crédito agrícola desenvolvido pela Caixa?

Esse é o posicionamento da Caixa: ajudar todo segmento. Nesse primeiro semestre, fizemos ao redor de R$ 30 bilhões em crédito agrícola, com as menores taxas do mercado. Como utilizamos a nossa poupança, estávamos emprestando a 10, 11% ao ano, enquanto os competidores estavam a 15% ou 16%. Então, olha o ganho que houve pela Caixa entrar. Não apenas porque há mais dinheiro para emprestar, mas a menores taxas. Onde, nesta gestão, a Caixa entra, nós temos as menores taxas: do cheque especial, do rotativo do cartão de crédito, do consignado para micro e pequenas empresas... E vai ser assim para o agro. Óbvio, quando você tem o Plano Safra ou alguns fundos específicos, vai ser a taxa que está lá. Mas, normalmente, a menor taxa vai ser a da Caixa, que ganha dinheiro, mas lembrando seu papel social.

Essa é a postura do governo em relação à Petrobras.

Eu não acredito em uma estatal que maximiza lucro pelo seu papel de monopólio sem pensar na parte social. A Caixa, no governo Bolsonaro e na minha gestão, equilibra. Tem lucros recordes, porém faz o que ninguém consegue fazer no microcrédito para pequena e média empresa e tem as menores taxas do cheque especial. Quando eu entrei, a Caixa cobrava quase 14% ao mês no cheque especial. Eu desconheço qualquer negócio que renda isso ao mês. Nós começamos a 1,8%, dependendo da questão do cliente. Nós sempre tentamos conservar as menores taxas, e tem que dar resultado positivo. O banco tem que ter lucro, senão não tem capital e não consegue estar em todos os segmentos. Mas precisa ser um lucro que converse com o papel social de um banco de todos os brasileiros.

É possível, então, obter resultados cumprindo um papel social.

Exatamente.

A Caixa, historicamente, vem desenvolvendo muito isso, no sentido de sempre estar atenta aos brasileiros mais vulneráveis, que, muitas vezes, são excluídos dos grandes serviços e sistemas.

Por exemplo: quando perguntam por que estamos abrindo agências dada a revolução tecnológica, a resposta é simples: tem que visitar. Tem que conhecer o interior, em especial do Norte e do Nordeste. Quando se conhece, essa pergunta é óbvia: porque existem milhões de brasileiros que têm que viajar horas de barco, caminhão ou de cavalo. Perdem o dia inteiro e uma parte grande do seu dinheiro para chegar e pegar seu Auxílio Brasil.

É preciso, então, que o banco conheça essa realidade e veja de perto exatamente para atender as necessidades dessas pessoas?

Sem dúvida. E ainda tem outro ponto. Quando você conhece, tem o racional: por que você vai emprestar sabendo que ele não vai ter condição de pagar? Então, queremos emprestar, mas dando condições, para quem tem menos, de pagar.

* Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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