O país dos aloprados

Correio Braziliense
postado em 17/07/2022 00:01

A longa resistência de Lula na dianteira das pesquisas de intenção de voto, a menos de três meses das eleições e com Bolsonaro como coadjuvante, está produzindo movimentos de manada.

O empresariado e o mercado financeiro desistiram da intenção de um candidato diferente, a tal da terceira via, por total desinteresse do eleitor, e buscam acercar-se do ex-presidente ou, ao menos, ter alguma ideia do que possa vir a ser o seu terceiro governo.

Cada vez mais visto como alucinado, Bolsonaro deixou de ser opção ao empresariado e financistas, o que pode medir-se pelo tamanho do estrago nas contas públicas promovido pela maioria alugada ao custo de emendas, cargos e proteção dos órgãos de controle na Câmara e no Senado, visando atrair a simpatia do eleitor mais pobre, além do que já lhe é fiel, como caminhoneiros, taxistas e ruralistas atrasados.

Candidato à reeleição confiante em sua chance, não deixa que armem armadilhas contra seu novo mandato, como a conta salgada das ações eleitoreiras que incentivou com a conivência de seu ministro da Economia, nem entrega um bônus já ralo diante do furor da inflação à população assistida pelo Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil, por apenas cinco meses.

Os R$ 200 acrescidos ao bônus mensal de R$ 400 serão pagos só até 31 de dezembro, prenunciando enorme pressão para a sua continuidade. Lula se comprometeu com R$ 600 ao longo de 2023.

Analisados com frieza, os pacotes de compra de votos iniciados com o calote nos precatórios, então justificado como compensação para a despesa com o novo Auxílio Brasil não prevista pelo ministro Paulo Guedes, deixam para a lei orçamentária (LOA) de 2023 um adicional em torno de R$ 350 bilhões, e contando, já que dificilmente quem se eleger terá condições de cortar o laxismo fiscal de Bolsonaro.

Os presidentes da Câmara e do Senado nem tentaram disfarçar o mote da emenda constitucional da compra de votos, que Guedes antes de se dar por vencido tentou desqualificar chamando-a de "kamikaze", ao, em vez de simplesmente promulgá-la conforme o rito constitucional, chamar Bolsonaro para se apresentar como patrono da iniciativa. É incerto que traga votos. Certo é que complicou o trabalho do Banco Central contra a inflação, e o do Tesouro para rolar a dívida.

Inflação devora espertezas

O ano pode ser dado como perdido para a construção do crescimento sustentado da economia, o que nunca esteve em pauta desde 2019 — e, no caso de seu setor mais dinâmico, a indústria de transformação, a desindustrialização tem sido a tônica desde os anos 1980.

Mesmo o crescimento econômico este ano, estimado em até 2% sobre o resultado influenciado pela pandemia em 2020 e 2021, é artificial, pois ditado por medidas para ativar o consumo, como liberação de saldos do FGTS a famílias de baixa renda, antecipação do 13º dos aposentados, a engorda do Auxílio Brasil e gentilezas a empresas que orbitam os caciques do centrão, sobretudo na Câmara.

Tudo isso é provisório, sem regime fiscal sustentado a longo prazo nem inserido num programa viril de reconstrução do desenvolvimento.

A realidade é mais feia do que sugere o marketing eleitoral. Tome-se o vale-eleitoral de R$ 200 aprovado pelo Congresso pelos cinco meses até dezembro, elevando o bônus a R$ 600 no período: é ainda menor que a metade do custo da cesta básica apurada pelo Procon em São Paulo, R$ 1.251,44. Medidas como essa custam muito no agregado e não mudam de forma estrutural a miséria no país. Ela voltou a ser endêmica, com 33 milhões de pessoas em situação de fome.

Em setembro de 2019, quando a composição da cesta foi reformada, o SM comprava uma cesta de R$ 739,07 e sobravam R$ 258,93, segundo o economista Fernando Montero. Em junho, faltaram R$ 39,44 em relação ao mínimo de R$ 1.212,00 para comprar a mesma cesta.

Nesses 21 meses, o salário mínimo perdeu R$ 298,37 em relação à cesta básica. "Como se trata de uma renda tão baixa e um consumo tão inelástico, isso é uma enormidade", diz Montero. Não se resolve com vale eleitoral.

Um escândalo já contratado

O confronto entre a realidade de uma economia sem energia para dar um mínimo de autonomia à maioria da população e o que se discute no Congresso operado por políticos fisiológicos, sem programa nacional nem ideologia, apenas uma imensa ambição pessoal, explica o miserê.

Mesmo para chegar ao adicional de R$ 200, a Câmara, sob a direção de Arthur Lira, e o Senado, por Rodrigo Pacheco, não se avexaram em aprovar um "estado de emergência" sem previsão constitucional, que casuisticamente atribuíram à guerra na Ucrânia e sua sequela sobre os preços petróleo, de modo a que nem Bolsonaro nem eles viessem a ser processados por desacatar a Constituições e várias outras leis.

Forçaram também a extensão do tal "orçamento secreto" para 2023, com previstos R$ 19 bilhões, contra R$ 16,5 bilhões este ano. Mais Lira que Pacheco, eles querem continuar tutelando o presidente da República. É o poder que Bolsonaro cedeu ao centrão para não sofrer impeachment. Lula já disse que não aceita. O que se faz com esses dinheiros distribuídos como emendas para gasto miúdo de parlamentar escolhido a dedo em suas bases eleitorais? Investigações vão dizer.

O que sabe sobre tais emendas, em tese investimentos pagos com os dinheiros de impostos, é preocupante. Os economistas Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fábio Giambiagi apuraram que, dos R$ 34 bilhões de emendas no orçamento de 2021, metade ficou nas mãos do relator.

"Isso configura um enorme poder discricionário na mão de um grupo muito reduzido de parlamentares, representando uma 'casta' que se cristaliza com esse expediente, o que não é do interesse público e nem da totalidade dos parlamentares", eles concluíram.

Quem se dá ao respeito

Enfim, se 51% dos recursos fiscais destinados a investimentos vêm de emendas parlamentares, segundo Cláudio Conceição, da FGV, isso "explica boa parte do quadro de abandono em que se acha a maioria das obras públicas" no país. É tão ou mais grave que os inquéritos da Lava Jato, já que envolvem obras em pequenos municípios das regiões mais pobres, onde vive a população necessitada de auxílio.

Esse é o país sem destino, o que também explica a fadiga de muitos empresários com candidatos sem programa e retórica delirante. Tipo passar quatro anos desancando o Judiciário e lançar suspeitas nunca comprovadas sobre a lisura das urnas para, como dá sinais, repetir o farsante Donald Trump e incitar uma turba de desordeiros contra o Estado de Direito. Quem se dá ao respeito, além de quem tem o dever da ordem, quer progresso e distância de confusão.

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