Devagar com o andor...

Correio Braziliense
postado em 26/07/2022 00:01

Dispõe-se o STF a tentar conciliar as posições conflitantes da União e dos entes subnacionais sobre o relevante tema da incidência do ICMS na venda de combustíveis, em que a fixação de um teto para as alíquotas surgiu como forma de tornar menos dispendiosas as transações com esse importante insumo, em um momento de intensa pressão altista de preços oriunda dos mercados mundiais, e da forte resistência política interna a esse tipo de imposição, especialmente pelo período eleitoral que se aproxima.

Uma comissão analisará a limitação a 18% da alíquota do ICMS sobre combustíveis e outros itens, antes considerada basicamente livre para variar em qualquer direção, por terem passado a ser também considerados essenciais, como energia elétrica, por exemplo, sem falar nas divergências que existem nas várias visões sobre os impactos orçamentários respectivos das mudanças pretendidas. Sabe-se que o ICMS é o principal imposto subnacional, e que estamos vivendo uma situação de um forte choque de preços de combustíveis vindo do exterior. Nessas condições, diante da muito provavelmente baixa elasticidade-preço da demanda por esse produto (isto é, baixa sensibilidade da demanda a variações de preços), a forte ampliação da base de incidência do ICMS que é iminente (caso não haja qualquer mudança compensatória) terá um impacto apreciável nas contas internas em geral. Os consumidores, é claro, serão os mais prejudicados, e os entes públicos que mais dependerem do ICMS, os mais beneficiados.

O ponto central aqui é relativamente simples. Em condições ideais do sistema de mercado, os preços devem refletir o seu "custo de oportunidade" para os agentes econômicos, ou seja, o quanto vale a melhor alternativa possível a eles oferecida. Claro, com alta incerteza, como a que prevalece, refiro-me à melhor estimativa possível do preço ou do custo de tendência de médio prazo dos produtos. No quadro atual, seguramente algo acima de uma média real recente de valores externos convertidos em reais à taxa de câmbio média vigente, mas dificilmente preços em reais tão altos como os atuais.

Outro ponto é que os entes subnacionais, por serem basicamente impedidos de emitir moeda, têm uma capacidade de financiamento bem menos expressiva do que a da toda poderosa União, que, a rigor, pode emitir moeda à vontade, em que pese a visão interna fiscalista generalizada contrária ao financiamento de maiores deficits públicos.

Tudo isso conspira no sentido de que acabaremos tendo de conviver com preços mais altos do que deveríamos merecer, em que pesem as eleições (que os desestimulam) e os altos índices de pobreza (que deveriam inibir sua prática).

Em que pese o posicionamento contrário a uma maior tributação defendido por autoridades federais, especialmente pela proximidade das eleições, sua área econômica acaba de anunciar com um certo alarde o crescimento recorde da arrecadação de tributos federais, que teria sido de 11% acima da inflação no recém-findo primeiro semestre, relativamente ao mesmo período do ano anterior, tendo sido de não menos do que 18% o crescimento real observado apenas no mês de junho deste ano, um recorde na série histórica iniciada em 1995.

Segundo o ministro da Economia, que se mostrou muito surpreso, tal resultado "confirmaria um ritmo de crescimento sustentável e surpreendente" do país, com lucros empresariais acima das previsões, em que pese a elevada parcela que o governo teria deixado de arrecadar por conta de desonerações de tributos, e de expectativas médias dos mercados financeiros para o crescimento do PIB deste ano, da ordem de apenas 1,7%, conforme levantamentos do Banco Central.

É curioso que, mesmo com a arrecadação "bombando" assim, o governo logo em seguida tenha anunciado um corte orçamentário da ordem de R$ 6,7 bilhões nos gastos autorizados pela área federal este ano, totalizando um contingenciamento acumulado até agora de R$ 12,7 bilhões dos gastos discricionários (ou seja, basicamente cortes dos "sofridos" investimentos em infraestrutura), para obedecer ao chamado teto de gastos, em contraste com os gastos obrigatórios adicionais expressivos aprovados há pouco no contexto da chamada PEC Kamikaze, que ficam fora dele por definição. Ou seja, a burocracia fazendária parece ter sido pega no contrapé, pois enquanto ela estava decidindo quanto e onde iria cortar, foi surpreendida pela euforia do ministro da área com uma suposta recuperação recorde da economia e da arrecadação fiscal a ela associada.

O que pode efetivamente ter havido? Cabe perguntar se a economia está de fato bombando e a arrecadação, idem. Sucede que o valor da base de incidência de tributos federais relevantes pode ter crescido tanto por a economia estar mais aquecida, ou mesmo se ela não estivesse tão animada assim, diferentemente do que as autoridades da área parecem pensar, significando mais o efeito da subida dos preços de combustíveis, itens com baixa elasticidade-preço da demanda, oriunda do exterior, do que o efeito de uma economia supostamente bombando. Ou seja, devagar com o andor que o santo é de barro...

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