Conjuntura

Principal motor da economia mundial, China desacelera e põe mundo em alerta

Mudança da economia chinesa para um modelo mais centrado no consumo, após décadas de expansão à base de gigantescos investimentos, é desafio também para o Brasil, que tem no país asiático seu maior parceiro comercial

Rosana Hessel
postado em 23/10/2022 07:00
Conforme dados do governo chinês, após avançar 4,8% nos primeiros três meses do ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 0,4% no segundo trimestre -  (crédito: China/AFP)
Conforme dados do governo chinês, após avançar 4,8% nos primeiros três meses do ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 0,4% no segundo trimestre - (crédito: China/AFP)

A China, principal motor da economia global, está em processo de desaceleração, o que vem deixando o mundo em alerta. Especialistas observam que, depois de décadas de fortes investimentos e expansão acelerada, o país asiático atravessa um momento de mudança do modelo econômico e não continuará crescendo como antes, o que deve limitar o potencial de alta da economia mundial. O Brasil, que tem no país asiático o principal destino de suas exportações, também deve sofrer diretamente os efeitos do ajuste na economia chinesa.

Conforme dados do governo chinês, após avançar 4,8% nos primeiros três meses do ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 0,4% no segundo trimestre, abaixo das estimativas (de 1%), devido aos bloqueios generalizados para conter os casos recordes da covid-19, que afetaram o comércio e a produção. Havia grande expectativa em relação aos dados do PIB do terceiro trimestre, que seriam divulgados em meio ao congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). Contudo, o anúncio foi adiado para amanhã, após o encerramento do evento. O PCC ampliou os poderes do presidente Xi Jinping e concordou em conferir a ele um terceiro mandato, o que o tornará o mais longevo dirigente desde Mao Tsé Tung, que governou o país por 27 anos, de 1949 a 1976.

ECO CHINA PIB
ECO CHINA PIB (foto: Editoria de Arte)

O adiamento dos dados do PIB deixou no ar dúvidas sobre o desempenho do trimestre entre analistas. "Socialismo de mercado é isso. O que é bom, mostra. O que é ruim, esconde", ironiza Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. "O governo chinês também adiou outros indicadores que deveriam sair durante o encontro do PCC", acrescenta.

As projeções do Banco Central da China são de avanços de 4,6% no PIB do terceiro trimestre, e de 4% no PIB anual. Mas o mercado está mais pessimista. De acordo com Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o consenso das previsões dos analistas é de avanço de 3,5% no terceiro trimestre, porque o período de lockdown mais agudo já passou. "Mas, daqui para frente, a China deve crescer menos. Isso vai desacelerar o consumo global, porque om país é um dos maiores importadores mundiais", frisa.

Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB da China deverá crescer 3,2% neste ano, mesma taxa estimada para a média do avanço do PIB global. As previsões do fundo para a economia chinesa indicam expansão inferior a 5%, pelo menos, até 2027. A título de comparação, na última década, a taxa média de crescimento anual do PIB chinês foi de 6,6%, conforme dados da Embaixada do país no Brasil.

Na avaliação de Larissa Wachholz, sócia da Vallya e especialista sênior de Ásia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a China está crescendo menos devido a uma série de medidas que o governo chinês considera importantes e prioritárias.

"Ao longo de quatro décadas, o país teve um crescimento acelerado e, agora, numa escolha deliberada, o governo chinês optou por repensar o modelo de crescimento e torná-lo mais voltado para o consumo", destaca. "Não podemos nos surpreender porque a China está crescendo menos. É isso que ela pretende fazer, porque, do ponto de vista das autoridades chinesas, o crescimento precisa ser sustentado por dois pilares: o combate à desigualdade social e o desenvolvimento sustentável do ponto de vista ambiental", afirma a especialista. "O país está empenhado em investir na geração de energias renováveis e mudar a matriz energética. E colocou as máquinas estatais e privadas em prol do objetivo de neutralizar as emissões até 2060".

Mas as preocupações dos especialistas vão além da economia. "A China passa por vários desafios. Há uma centralização política autoritária preocupante e a asfixia de setores que geraram mais crescimento no passado, especialmente a construção. Além disso, há sanções comerciais agressivas dos EUA na área de chips, o que dificultará a produção, pelo menos no próximo ano. Sem contar a questão geopolítica negativa da aproximação com a Rússia e os riscos crescentes de invasão militar de Taiwan. É uma China que precisa crescer via produtividade, mas está cada vez mais aumentando a presença do Estado na economia", afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Para Vale, uma preocupação adicional é o fato de o crescimento chinês perder fôlego quando o país ainda não atingiu um nível elevado de renda per capita. "Os próximos 10 anos serão decisivos para os chineses, política e economicamente", avalia.

De acordo com o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), a mudança no modelo econômico da China era esperado, mas o país ainda deve sofrer os impactos das barreiras comerciais levantadas pelos Estados Unidos, que impôs 30% de tarifas para os itens importados do gigante asiático. "A China crescendo menos é o novo normal. Não dava para continuar crescendo eternamente como antes e, para fazer um soft landing, o novo modelo está calcado, principalmente, no consumo, que foi bastante reprimido no passado", destaca.

Reserva de US$ 3 trilhões

Apesar da preocupação de analistas com a desaceleração do dragão chinês, Li Qui, ministro conselheiro da Embaixada da China no Brasil, demonstra otimismo com a economia do país asiático e destaca que, apesar do menor crescimento, o governo dispõe de muitos instrumentos de política macroeconômica, além de US$ 3 trilhões de reservas em moeda estrangeira. "Temos uma base sólida e instrumentos macroeconômicos suficientes para combater qualquer turbulência financeira", declara.

Segundo ele, o governo chinês estará focado em investir mais em setores com maior valor agregado, com tecnologias mais avançadas, como carros elétricos, e a economia digital. "Temos munição para combater qualquer risco. Estamos otimistas ante as novas oportunidades, e avançando bem", afirma Li, que destaca o enorme exército de consumidores da classe média em ascensão. "Temos 400 milhões de pessoas, atualmente e, até 2035, outros 400 milhões serão adicionados a essa faixa de renda."

Reinaldo Ma, sócio consultor da BMJ Consultores Associados, também prefere ver o copo meio cheio da conjuntura atual. "A China atravessa um período de compasso de espera para definir novas posições do partido. O PIB em desaceleração pode assustar um pouco, mas, de forma geral, os números continuam bons e o impacto da diminuição do ritmo de expansão pode não ser tão ruim, porque o país asiático continuará crescendo e sendo um parceiro comercial importante para o Brasil", completa.

Desafios

Analistas notam, ainda o momento é de desaceleração econômica global, devido à persistência inflacionária que está levando os bancos centrais dos países desenvolvidos a aumentarem os juros — um freio para a atividade econômica — e à guerra da Ucrânia, que pressiona os custos da energia.

Diante desse cenário desafiador, a cautela dos governos precisa ser redobrada. "Não sou muito otimista com o crescimento chinês daqui para frente. A política de tolerância zero com a covid-19, a bolha do mercado imobiliário e a volta da economia para algo mais próximo do comunismo do que do capitalismo são fatores que contribuem para esse cenário de desaceleração", ressalta Luis Otavio Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa.

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