COnjuntura

Número de brasileiros na pobreza bateu recorde em 2021, diz IBGE

Número de brasileiros pobres ou extremamente pobres disparou com redução de programas de transferência de renda

Fernanda Strickland
postado em 03/12/2022 03:55
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Cerca de 62,5 milhões de brasileiros (ou 29,4% da população do país) estavam na pobreza em 2021, segundo ano da pandemia de covid-19, segundo dados da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros 17,9 milhões (ou 8,4% da população) viviam na extrema pobreza. Nos dois casos, os números foram os mais elevados desde o início da série estatística, em 2012.

O estudo do IBGE lembra que, em 2020, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade havia diminuído, em função dos programas emergenciais de transferência de renda à população carente. Entretanto, entre 2020 e 2021, houve aumento recorde nos dois grupos: o contingente abaixo da linha de pobreza cresceu 22,7% (ou mais 11,6 milhões de pessoas) e o das pessoas na extrema pobreza aumentou 48,2% (ou mais 5,8 milhões).

De acordo com o IBGE, o crescimento do número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza provavelmente teve como causa "a redução dois valores e abrangência e o aumento dos critérios para concessão do Auxílio Emergencial, em 2021", num momento em que o mercado de trabalho ainda estava enfraquecido, com escassa oferta de empregos.

No levantamento, o IBGE utilizou critérios dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e recomendados pelo Banco Mundial. A instituição considera que estão em situação de pobreza as pessoas que recebem US$ 5,50 por dia, o equivalentes a R$ 486 mensais. Já a linha de extrema pobreza é de US$ 1,90 diários, ou R$ 168 mensais per capita. Para calcular o valor do dólar, o banco não leva em conta a cotação da taxa de câmbio, mas o valor necessário para comprar a mesma quantidade de bens e serviços em cada país em comparação com o mercado nos Estados Unidos.

A mineira Cleusa Araújo , 46 anos, que mora em Brasília há 30 anos está há sete em uma invasão localizada atrás de Águas Claras. "Trabalho com reciclagem e estou esperando para ver se consigo construir a minha casa depois que eu ganhar o meu lote pela Codhab, deve sair até agosto", explicou.

Cleusa contou que veio de Januário (MG) com seus pais, que, hoje, moram em Goiás. "Tenho três filhos e cinco netos. Hoje eu moro na favela com dois dos meus filhos e três netos", contou. "Ninguém mora na rua, em uma favela, por opção. Se alguém está aqui é por alguma necessidade", afirmou. Segundo ela, muitos perderam a família e vêm para Brasília tentar alguma coisa. "Porém, acabam não conseguindo trabalho e não têm como pagar aluguel. Eu não tenho condições de pagar aluguel, e vim para essa ocupação", disse.

"Tem muita gente que está na mesma situação que eu ou até pior, porque tem muitos que estão na rua e estão doentes". A mineira explicou que há uma dificuldade em conseguir trabalhar com reciclagem. "Trabalhamos pegando reciclagem em Águas Claras e deixamos na favela de baixo, porque a Agefis pega todo o material que a gente cata. Vem e levam tudo que nós temos", disse. "Assim nossa condição nunca consegue mudar."

desigualdade
desigualdade (foto: pacifico)

Mais atingidos

Os números do IBGE revelam ainda que, em 2021, a proporção de crianças menores de 14 anos de idade abaixo da linha de pobreza chegou a 46,2%, o maior percentual da série. Esta proporção tinha caído ao seu menor nível (38,6%) em 2020, mas teve alta recorde.

A pesquisa mostra também quais as parcelas da população são mais atingidas pelo problema da insuficiência de renda. A proporção de pretos e pardos abaixo da linha de pobreza (37,7%) é praticamente o dobro da proporção de brancos (18,6%). O percentual de jovens de 15 a 29 anos pobres (33,2%) é o triplo dos idosos (10,4%). E cerca de 62,8% das pessoas que, em 2021, viviam em domicílios chefiados por mulheres sem cônjuge e com filhos menores de 14 anos estavam abaixo da linha de pobreza.

No recorte regional, Nordeste (48,7%) e Norte (44,9%) tinham as maiores proporções de pessoas pobres na população. No Sudeste e também no Centro-Oeste, 20,6% (ou um em cada cinco habitantes) estavam abaixo da linha de pobreza. O menor percentual foi registrado no Sul: 14,2%.

O doutor em sociologia João Lucas Moreira, observou que os dados mostram um cenário grave, que é o de 17,9 milhões de brasileiros vivendo na miséria, com menos R$ 5,60 por dia. "Se somarmos os dois grupos, são 80,4 milhões de pessoas que não têm uma renda suficiente para viver de forma minimamente digna. Isso equivale quase a toda população da Alemanha, o 19º país mais populoso do mundo."

Segundo Moreira, há uma urgência de políticas públicas para o combate à pobreza. "Essas políticas podem ir desde auxílio de renda, criação de empregos, combate à inflação e muitas outras dimensões", exemplificou. "Na dimensão de auxílio de renda, programas como o Auxílio Brasil ou o Bolsa Família precisam ser melhor formulados", ressaltou.

Desigualdade

Além do crescimento da pobreza, o Brasil teve, em 2021, um aumento da concentração de renda. O Índice de Gini, um indicador largamente usado para medir a desigualdade de remuneração, alcançou 0,544, o segundo maior patamar da série iniciada em 2012. Pela metodologia, quanto mais próximo de 1 o indicador, mais concentrada é a renda. O índice havia caído em 2020, em conseqüência dos programas emergências adotados para amenizar os efeitos sociais da pandemia da covid-19.

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