conjuntura

Sob pressão, Copom deve manter taxa básica de juros

Para analistas, críticas do presidente Lula e de outros integrantes do governo à política monetária podem ter efeito contrário ao desejado e aumentar expectativas de inflação, o que levaria o Banco Central a ajustar as taxas para cima

Rosana Hessel
postado em 01/02/2023 03:55

Os comitês de política monetária do Brasil (Copom) e dos Estados Unidos (Fomc) se reúnem, hoje, para decidir sobre as taxas básicas de juros nos dois países. Os resultados não devem surpreender, segundo analistas. Mas, por aqui, o clima é de maior turbulência, devido a declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de seus ministros, que têm questionado a política de juros e deixado agentes financeiros preocupados — inclusive, colocando no radar a possibilidade de o Banco Central ser levado a promover novas altas das taxas.

O consenso entre especialistas é de que, na reunião de hoje, o Copom deve manter a Selic em 13,75% ao ano, nível em que se encontra desde agosto, apesar das críticas de dentro do governo. Com autonomia para gerir a política monetária, e seguidos alertas em relação à piora do quadro fiscal, o BC não pretende baixar os juros tão cedo.

Ontem, após evento na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, relatou que se reuniu na segunda-feira com o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, com o intuito de debater alternativas para reduzir o custo do crédito, Além de inusitado, por não respeitar o período de silêncio de dirigentes do BC às vésperas de uma reunião do Copom, o encontro pode ser visto como uma forma velada de crítica à política monetária.

Até o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), não poupou ataques ao elevado patamar da Selic. "Precisamos verificar por que o Brasil tem juros tão altos. O que justificaria?", questionou, em debate promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em Brasília.

Além das críticas aos juros, Lula e Haddad andaram cogitando elevar a meta anual de inflação para 4,5% com o propósito de suavizar o aperto monetário conduzido pelo BC. A medida, segundo analistas, só agravaria o quadro.

ECO-Copom selic
ECO-Copom selic (foto: Valdo Virgo)

Tiro no pé

O centro da meta de inflação é de 3,25% neste ano, e passará para 3%, nos dois anos seguintes. Não à toa, diante das sinalizações trocadas e confusas do novo governo, as projeções para a inflação deste ano e do próximo pioraram, indicando que a meta deste ano não será cumprida, a exemplo do que ocorreu em 2021 e 2022.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) tem até junho, como é de praxe, para anunciar a meta de inflação de 2026 e reafirmar ou modificar as de 2024 e 2025. De acordo com analistas, no atual cenário de piora fiscal por conta do forte aumento de gastos, se o governo elevar agora a meta, as expectativas de inflação tendem a subir. Desse modo, o BC seria obrigado a elevar a taxa básica de juros, em vez de reduzi-la.

É o que aponta um relatório divulgado, ontem, pelo Itaú Unibanco. Segundo o estudo, assinado pelos economistas Guilherme Martins, Julia Passabom, Natalia Cotarelli e Luciana Rabelo, se o CMN aumentar a meta de inflação para 4,5% em 2024, haverá uma desancoragem das expectativas e, com isso, "existirá o risco de o BC ter que subir a Selic para aproximadamente 15% ainda este ano".

"Mexer na meta de inflação não é um tiro de pistola no pé, mas de metralhadora", resumiu Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. "Se o CMN sinalizar aumento da meta, não haverá mais discussão de queda de juros neste ano, e sim de alta. Essa discussão nem deveria existir. Vai ser um passo em falso muito grande se o governo for por esse caminho", alertou.

Sem surpresa

Na avaliação de Vale, apesar das pressões de integrantes do governo para antecipar a queda da Selic, o Copom, na reunião de hoje, não deve surpreender e vai manter a taxa básica. "Espero, porém, que o BC seja mais duro sobre esses equívocos que têm acontecido. Será preciso uma sinalização forte de que o fiscal precisa ser bem equacionado para que a taxa de juros caia", afirmou Vale. "Por conta desses ruídos, o BC terá que sinalizar mais demora para a queda de juros, confirmando a expectativa do mercado", acrescentou.

Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, lembrou que a sinalização do governo do lado fiscal tem sido "dúbia", sem um bom plano de corte de despesas, e reforçou que as críticas do presidente Lula à Selic e às metas de inflação ajudam a pressionar as expectativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). "Isso tende a deixar o Banco Central, no mínimo, mais conservador", advertiu o economista.

Apesar de o ministro Haddad afirmar que pretende entregar o novo arcabouço fiscal até abril, antes do prazo previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, há muitas arestas a serem aparadas para que o BC comece a reduzir a Selic neste ano, segundo o economista da XP, que aposta na manutenção da taxa de 13,75% até dezembro.

Em linha divergente, o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central e assessor da Confederação Nacional do Comércio (CNC), diz que o BC precisa reconhecer que a taxa de juros está alta e reduzi-la em breve. Ao contrário da maioria dos analistas, Gomes não vê problema em mudar a meta de inflação, que considera muito apertada. "Sempre fui favorável a um objetivo um pouco maior, porque o Brasil não é um país rico e desenvolvido. O mercado financeiro não vai gostar, mas é preciso reconhecer que o cenário mudou após a pandemia e será preciso, sim, mudar a meta", afirmou.

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