Agrotóxicos

Liberações de agrotóxicos batem recorde em 2022

Em meio ao debate sobre uso excessivo de defensivos químicos na lavoura, cresce a utilização de produtos de base biológica, menos nocivos ao meio ambiente

Mariana Albuquerque*
postado em 22/02/2023 03:55
 (crédito: Reprodução/Embrapa )
(crédito: Reprodução/Embrapa )

O número de aprovações de produtos de base biológica para o controle de pragas e de doenças na agricultura vem crescendo no país. De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2022, foram finalizadas as análises de 157 pedidos de comercialização de defensivos desse tipo, representando um aumento de 70% em relação a 2021. Segundo a agência, o crescimento pode ser considerado um marco.

A análise desses produtos é realizada de forma prioritária, sendo que o tempo médio para a conclusão das avaliações é de quatro meses. A série histórica, referente aos pedidos analisados e aprovados pela agência demonstra uma mudança de comportamento do mercado quanto à adoção dessas práticas no combate às pragas agrícolas.

O crescimento no uso de produtos biológicos — menos danosos ao meio ambiente — ocorre em meio ao debate sobre o avanço na liberação de agrotóxicos nos últimos quatro anos, durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

Segundo dados oficiais, na gestão do ex-presidente, entre 2019 e 2022, foram liberados 2.182 agrotóxicos, o maior número de registros para uma gestão presidencial desde 2003. Bolsonaro bateu outros dois recordes de liberação, sendo 98 de agrotóxicos inéditos e 366 de produtos biológicos.

Somente no ano passado, dos 652 agrotóxicos liberados, 43 eram inéditos, o que também foi um recorde na série histórica, sendo que oito foram para as indústrias e 35 para uso dos agricultores. Dentre os 35 produtos liberados aos produtores, 22 foram considerados "muito perigosos ao meio ambiente" pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Brasil agrotóxicos
Brasil agrotóxicos (foto: Valdo Virgo)

Competitividade

Ricardo Carmona, professor da Faculdade de Agronomia na Universidade de Brasília (UnB), afirma que mais de 90% dos novos produtos registrados já estão no mercado com outro nome comercial. "O registro de novos desses produtos aumenta a competitividade e diminui o monopólio de grandes empresas, reduzindo o custo ao agricultor e, conseqüentemente, ao consumidor final, ganhando a sociedade como um todo", explica.

Para Thiago Ávila, socioambientalista e coordenador de pesquisa e de ações regenerativas do Instituto Bem Viver, os dados são alarmantes, pois quase a metade dos produtos liberados são proibidos em países europeus, e a maioria é considerada pelo Ibama como "muito perigosos ao meio ambiente".

"A política antiecológica do governo Bolsonaro foi uma verdadeira tragédia, que nós, ambientalistas, qualificamos como ecocídio, e que ainda trará graves consequências para a natureza e o povo brasileiro", afirma.

Ambientalistas advertem que a variedade de agrotóxicos usados no cultivo de alimentos no Brasil pode ter efeito danoso para as exportações, porque muitos produtos não são aceitos em determinadas regiões. A Comissão Europeia, por exemplo, adotou em 2 de fevereiro, regras que reduzem os limites permitidos para a presença em alimentos de dois agrotóxicos que provocam a redução de colônias de abelhas. A decisão também vale para produtos importados.

O uso de neonicotinóides é proibido na União Europeia desde 2018. Agora, o bloco vai proibir também a presença dos pesticidas em alimentos e ração animal importados. A nova norma passa a valer a partir de 2026 e permite um período de adequação aos países fornecedores.

Apesar de não permitir o uso em seu território, a UE continua produzindo os pesticidas para exportação. O Brasil, que tem o uso do agrotóxico liberado, é um dos principais compradores dos neonicotinóides europeus, segundo registros da Agência Europeia das Substâncias Químicas.

O aval para um novo agrotóxico no país passa por três órgãos reguladores: a Anvisa, que avalia os riscos à saúde, o Ibama, que analisa os perigos ambientais, e o Ministério da Agricultura, que analisa se ele é eficaz para matar pragas e doenças no campo. É a pasta que formaliza o registro, desde que o produto tenha sido aprovado por todos os órgãos.

Segundo o professor Carmona, mais de 20% dos novos produtos registrados (agrotóxicos) são produtos biológicos, com baixíssimo impacto ambiental e na saúde humana. "O Brasil é um dos principais países no que tange ao controle biológico de pragas agrícolas, o que é extremamente sustentável", explica.

Em contraponto segundo a tabela da Coordenação Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA), dos 35 novos produtos liberados para os produtores, a Anvisa classificou cinco como produto de perigo moderado para o ser humano, enquanto Ibama classificou 22 como muito perigoso ao meio ambiente. Pela classificação dos novos produtos o Ibama tende a reprovar mais os produtos do que a Anvisa.

Para Jorge Machado, pesquisador da Fiocruz-DF e médico sanitarista, "o Brasil usa agrotóxicos de maneira exagerada e descontrolada". "A população é prejudicada de várias formas: diretamente, pelas intoxicações decorrentes de acidentes que ocorrem em toda aplicação de agrotóxicos, pois existe sempre uma parte que não atinge o alvo do veneno; e indiretamente, pela perda da biodiversidade e da possibilidade de outras formas de uso agrícola no entorno das monoculturas extensivas", conclui.

PL do Veneno

Em paralelo, o Senado deve retomar neste ano a discussão do Projeto de Lei nº 1.459/2022, que trata da pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação, exportação, destinação final e fiscalização de agrotóxicos. Apoiado pela bancada ruralista e apelidado de PL do Veneno por ambientalistas, o projeto já passou pela Comissão de Agricultura e foi encaminhado ao plenário.

Desde o início da tramitação, a proposta gerou divergência entre os senadores. Dois pontos foram os mais debatidos entre os parlamentares: a concentração do poder decisório no Ministério da Agricultura — restringindo Ibama e Anvisa a um papel consultivo; e a alteração da nomenclatura "agrotóxicos", que passaria a ser chamada, na legislação, de "pesticidas e produtos de controle ambiental e afins". Junto a isso, o projeto prevê a suavização da classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.

*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo

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