CONTAS PÚBLICAS

Haddad tem um vespeiro pela frente: cortar benefícios fiscais

O ministro da Fazenda tem destacado que subsídios e isenções fiscais serão alvo prioritário para aumentar a arrecadação, contudo, precisará de capital político para enfrentar os lobbies

Victor Correia
postado em 30/04/2023 03:55
 (crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)
(crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)

Os benefícios fiscais atacados constantemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, podem se provar um vespeiro complicado de mexer. Tributaristas avaliam que o governo gastará um enorme capital político, caso decida mesmo brigar pelos R$ 150 bilhões extras na arrecadação, apontados por ele como necessários para conseguir cumprir as regras do projeto de lei do novo arcabouço fiscal, enviado ao Congresso.

Os gastos tributários são valores que a União deveria receber pelo pagamento de impostos, mas não o faz por causa de leis que isentam atividades específicas, aprovadas ao sabor de cada administração e legislatura e pelo peso de determinadas bancadas do Congresso.

De acordo com o demonstrativo da Receita Federal sobre os gastos tributários previstos para 2023, o Fisco estima que o montante alcançará R$ 456,09 bilhões em benefícios, representando 4,29% do Produto Interno Bruto (PIB). Para alcançar o valor visado, Haddad terá de cortar essas renúncias em mais de um terço. Além disso, como os benefícios são firmados por leis, suas revogações passam obrigatoriamente pelo Parlamento.

Entraves

Também complica o fato de que o governo teria de enfrentar setores econômicos dos quais depende para a aprovação de medidas no Congresso, que visam arrumar a casa, especialmente a reforma tributária.

Os dados da Receita trazem os cinco setores que mais agregam benefícios: comércio e serviços, com 24,29% das renúncias; saúde, com 15,88%; agricultura, com 13,53%; indústria, com 12,55%; e trabalho, com 11,04%. O setor de comércio e serviços já é um dos empecilhos para a reforma tributária que tramita no Congresso e tece críticas ao modelo proposto que, segundo entidades representativas, aumentará a carga tributária sobre eles. O agronegócio também ecoa as críticas, alertando que sofrerá maior oneração.

Existe, porém, um consenso que o emaranhado de benefícios fiscais é um entrave para o desenvolvimento econômico. Não somente pela perda de arrecadação, mas também pela promoção de competição desigual no mercado. Os gastos tributários somam isenções e subsídios aprovados há décadas, que nunca foram revistos e que acabam sendo prorrogados sem análises de impacto econômico e social.

"São simplesmente jabutis ou, digamos assim, emendas que foram sendo colocadas no nosso sistema tributário, que já é demasiadamente complexo e desigual", explicou a jornalistas o secretário nacional de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, em café da manhã no Senado para tratar do arcabouço fiscal. Mello frisou que existem benefícios que trazem, sim, retorno, e esses serão mantidos pela pasta.

Em coletiva de imprensa sobre dados da arrecadação de março, o chefe de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, o auditor fiscal Claudemir Malaquias, explicou que os gastos tributários são constantemente avaliados no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento. A Receita, por sua vez, está realizando estudos para subsidiar a decisão do governo de rever os benefícios. "Certamente, esse pente-fino seria mais ou menos equivalente ao que está sendo avaliado", declarou o auditor.

Questionado pelo Correio, o Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou, por meio de sua assessoria, que a avaliação das medidas é permanente e existe desde 2015, realizada pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cmap). "Esse acúmulo de experiências pode, inclusive, servir de subsídio para o debate que o governo está propondo", destacou a pasta.

Em outra frente, Haddad prometeu, na última segunda-feira, divulgar "CNPJ por CNPJ" quais são as empresas beneficiadas. O processo já está em andamento, e o governo criou um grupo de trabalho (GT) para determinar como será a exposição. Lidera o grupo o secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, e integrantes da Fazenda, do Planejamento e da Controladoria-Geral da União (CGU).

No café da manhã do Senado, também esteve presente o relator do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA). Questionado pela reportagem sobre a iniciativa de Haddad, o parlamentar deu o tom do embate: "Ele vai ter que mexer nesse vespeiro aí".

Concentração de renúncias

Outro desafio para a revisão dos gastos é a concentração da maior parte do valor em programas econômicos que são difíceis de cortar e nem sempre trazem benefícios comprovados ao país. Análises mais profundas desses subsídios e seus retornos ajudariam no argumento de mudanças e de revisões de gastos.

Conforme dados da Receita, a maior parte dos R$ 456,09 bilhões estão distribuídos entre o Simples Nacional (19,41%), a Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (12,12%), Agricultura e Agroindústria (11,83%), Rendimentos Isentos e Não Tributáveis do Imposto de Renda da Pessoa Física (9,92%) e para entidades sem fins lucrativos que são imunes ou isentas (7,77%).

Juntos, esses gastos tributários agregam mais de 61% das despesas, um total estimado em R$ 278,44 bilhões. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já frisou, em discursos recentes, que não quer mexer no Simples nem na Zona Franca. O chefe da equipe econômica também descartou alterar a desoneração da folha de pagamentos. Dessa forma, o espaço para cortar gasto é limitado.

"Difícil, mas possível", avalia o analista e especialista em contas públicas Murilo Viana. "Se você for olhar, (as renúncias) são bastante concentradas em alguns programas, o que dificulta a ação do governo, quando coloca o valor de centenas de bilhões", acrescenta.

Viana ressalta que as dificuldades políticas para aprovar no Congresso o fim de benefícios seriam enormes, com "custo político gigantesco para o governo". Um exemplo: mexer nas isenções do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), como os gastos com saúde, pode derrubar a popularidade do governo junto à classe média. O ex-ministro da Economia Paulo Guedes tentou e não conseguiu avançar na proposta de atacar essa despesa. Além disso, benefícios que esbarram em setores econômicos devem, por sua vez, enfrentar fortes lobbies, como é o caso da bancada do Amazonas, que conseguiu prorrogar o benefício da Zona Franca, mas poucas indústrias se interessam em produzir no meio da floresta.

Na avaliação de Viana, a iniciativa da Fazenda em querer divulgar as empresas beneficiadas é louvável, já que um dos grandes problemas dos gastos tributários é a falta de transparência. "Falta transparência das empresas, mas também da metodologia de como se fazem os cálculos da renúncia", diz o consultor.

Apesar de concordar sobre a situação complexa dos gastos tributários, o professor e presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil/São Paulo, André Félix, vê com desconfiança as falas recentes de Haddad, por ele não ser muito familiarizado com o assunto. Para ele, causa estranhamento o discurso da equipe econômica quando há uma reforma tributária engatilhada. "A reforma já mexe com isso, com benefícios e incentivos fiscais para colocar todos os setores em pé de igualdade", explica o advogado. Na avaliação dele, o ministro quer aumentar a arrecadação do governo, "mas não sabe de onde".

O tributarista alerta, ainda, que mexer nos benefícios sem o devido cuidado pode causar problemas econômicos graves. Empresas que já contam com os incentivos podem quebrar, o que gera, inclusive, o efeito oposto ao pretendido pelo governo: queda na arrecadação. 

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