Jornal Correio Braziliense

Governo

Haddad mira 'caixa preta' de isenções fiscais para recuperar R$ 150 bi

Ministro quer recuperar R$ 150 bilhões e promete mostrar quem são os maiores beneficiários das renúncias tributárias

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a defender o combate às renúncias fiscais e aos "ralos que se abriram para drenar os recursos públicos", a fim de arrecadar os cerca de R$ 150 bilhões necessários para conseguir deixar em pé o novo arcabouço fiscal — o conjunto de regras encaminhado ao Congresso para evitar o aumento descontrolado da dívida pública.

O chefe da equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu abrir a "caixa preta" das renúncias e incentivos fiscais, dando maior transparência sobre quem são os maiores beneficiários das isenções. Ele reforçou que "meia dúzia" fazem lobbies "ilegítimos" no Congresso e no Judiciário e provocam perdas de cerca de R$ 600 bilhões aos cofres públicos. "Fica tudo escondido ali na caixa preta das renúncias fiscais. Isso pode acabar", disse, ontem, a jornalistas.

O ministro tem defendido essas medidas para fazer frente à fatura crescente de juros da dívida pública, "em torno de R$ 700 bilhões por ano". Na semana passada, Lula mandou a equipe recuar na proposta de taxação das compras internacionais on-line de até US$ 50 feitas por pessoas físicas. Haddad, contudo, tem sinalizado que mantém estudos para uma nova forma de tributar as gigantes internacionais do e-commerce e, para isso, cogita a criação de uma "digital tax".

"O imposto já existe, mas será recolhido na fonte, antes do envio da mercadoria. É importante salientar que não haverá criação ou majoração de tributo, somente a viabilização do recolhimento eletrônico facilitado. A medida está em elaboração e será detalhada em breve", informou a assessoria da Fazenda. O objetivo principal, segundo o órgão, é "garantir a concorrência justa para que o consumidor seja beneficiado no curto, médio e longo prazos".

Haddad ressaltou que o valor das renúncias é maior que o do orçamento secreto, mecanismo instaurado pelo Congresso na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para garantir o apoio dos parlamentares e que, de acordo com ele, movimentou cerca de R$ 53 bilhões ao longo de três anos. O ministro cobrou apoio de economistas que defendem a redução das renúncias, mas criticam o novo arcabouço fiscal.

Analistas, contudo, apontam problemas na proposta enviada ao Legislativo — especialmente o fim de punições como o contingenciamento de despesas caso haja risco de descumprimento das metas orçamentárias. Além disso, especialistas criticam o fato de o governo buscar ajustar as contas por meio de aumento de receitas, em vez de revisar gastos. Vale lembrar que o órgão encarregado de fazer avaliações das despesas, a recém-criada Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos, do Ministério do Planejamento e Orçamento, ainda não está totalmente estruturada.

Imposto de Renda

O chefe da Fazenda afirmou que as maiores renúncias tributárias ocorrem no âmbito do Imposto de Renda (IR). Ele adiantou que vai mudar a tributação diferenciada para fundos exclusivos, mas disse que não pretende mexer no Simples Nacional nem retomar a cobrança sobre a folha de pagamentos de empresas. Além da reforma tributária sobre o consumo, que tramita no Congresso, ele ressaltou que o governo pretende realizar, neste ano, uma reformulação do IR.

Apesar de elogiar alguns pontos do novo arcabouço fiscal, Murilo Viana, especialista em contas públicas e consultor da GO Associados, mostrou preocupação com o recuo do governo na taxação das compras pelo e-commerce. "A proposta era impopular, mas o governo desistiu muito rápido por conta da repercussão negativa da medida. Isso pegou muito mal no mercado e aumentou a desconfiança sobre a capacidade de a nova gestão conseguir adotar medidas para aumentar a carga tributária, que já é bastante elevada em um sistema caótico", alertou.

Viana lembrou que o nível de gastos subiu significativamente no final do ano passado, com a aprovação da PEC da Transição, em grande medida, para suportar a expansão do valor e da cobertura do novo Bolsa Família. Portanto, observou, será difícil para o governo conseguir fechar as contas. O ideal, segundo ele, seria uma combinação mais equilibrada do ajuste, contemplando tanto o lado da receita quanto da despesa, "ainda que com maior peso para as receitas".

Para o advogado tributarista Ilan Gorin, diretor da Gorin Advocacia, combater a sonegação, como vem defendendo Haddad, é papel do Estado, que precisa utilizar melhor os recursos tecnológicos que possui para isso. Ele criticou o fato de o governo tentar se adequar ao novo arcabouço via aumento de receita em vez de começar logo a revisar os gastos ineficazes e o desperdício de dinheiro da União. "O governo tem evitado atacar o problema das despesas, entre elas o tamanho do Estado, que tem uma ineficiência que poderia ser solucionada com uma boa reforma administrativa, que não sai. É preciso investir mais tempo nisso, porque o grande remédio é diminuir o gasto público", afirmou.

Em entrevista a jornalistas, Haddad reconheceu que está difícil para o governo conseguir fechar as contas em 2024, quando o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, enviado ao Congresso no último dia 14, prevê uma meta fiscal zerada, com margem de R$ 28,8 bilhões de deficit ou superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). "Eu estou menos preocupado com este ano do que com o ano que vem, evidentemente. Porque, a partir de 2024, voltaremos a ter um regime fiscal mais rígido do que esse carnaval que foi feito no meio do ano passado", disse.