O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil do primeiro trimestre de 2022 surpreendeu o mercado ao crescer 1,9%, acima das previsões, mas esse desempenho positivo não pode ser imputado somente ao atual governo, na avaliação do economista Otaviano Canuto, ex-vice-presidente e ex-diretor executivo do Banco Mundial, ex-diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e membro sênior do Policy Center for the New South, think tank marroquino sediado em Washington.
Canuto vê com preocupação o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometer vários equívocos, como insistir em erros do passado, adotando "medidinhas" que acabam custando caro para a população porque pioram o quadro fiscal. Ele defende um foco maior do governo na energia verde, onde será o diferencial para o crescimento do país. "Esse é o grande ativo potencial do Brasil. Devíamos estar focalizando nisso em vez de querer ajudar o produtor industrial defasado, que não investiu, que não tem competitividade e que está protegido comercialmente", afirma.
O ex-presidente do Banco Mundial alerta para os "sinais ruins" entre o que o governo anuncia medidas populistas e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tenta consertar. Na avaliação dele, a meta fiscal prevista no novo arcabouço não será cumprida diante da "política fiscal expansionista" do governo e, consequentemente, a equipe econômica vai "empurrar para frente, eventualmente, a exigência de ter de fazer um ajuste fiscal que controle e que reduza a dívida pública".
De acordo com Canuto, Lula erra ao fazer afagos à Rússia e ao ditador venezuelano Nicolás Maduro, além de emparedar o Banco Central. "Eu creio que isso é um tiro no próprio pé." Ele ainda demonstra preocupação com a tentativa de Lula de barrar o acordo entre Mercosul e União Europeia por conta das compras governamentais. "O bloco corre realmente o risco de perder, mais uma vez, a oportunidade de dar um passo à frente na direção de um pouco mais de abertura comercial e de exposição à concorrência", frisa o economista.
Pelas projeções do economista, nos próximos trimestres, o crescimento do PIB brasileiro será "moderado", em torno de 2%. Ele prevê uma desaceleração global mais forte no segundo semestre deste ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Canuto concedida ao Correio:
Nesse novo contexto geopolítico global, com o mundo desacelerando devido à guerra na Ucrânia e aos processos de ajustes monetários dos bancos centrais, ainda há risco de uma recessão? E como fica o Brasil, nesse cenário?
O risco de recessão é claro, e depende, inclusive, de como é que se define a recessão global. Em geral, os organismos multilaterais, quando falam em recessão global, em geral, é quando o crescimento do PIB global dá menos de 2% no ano. Esse dado de 2% como demarcador de recessão global é por conta de que dado o crescimento populacional, isso significa dizer que o PIB per capita cai se o PIB global crescer menos de 2%. Mas isso não é, por exemplo, uma medida que faça muito sentido quando se olha para países mais avançados, (que consideram recessão quando há mais de dois trimestres de PIB negativo). Com a inflação em 2021 e 2022 após a pandemia, os bancos centrais passaram a apertar a política monetária desde o ano passado, e, naturalmente, o mundo está desacelerando. A União Europeia já teve dois trimestres de queda no PIB. Nos Estados Unidos, há uma resistência do mercado de trabalho e do setor de serviços e, de fato, os números do mercado de trabalho têm surpreendido. Além disso, a recuperação do crescimento da China também surpreendeu, mas negativamente. Não está sendo tão forte quanto se imaginava depois da data da abertura da economia chinesa. Definitivamente, o que se pode dizer é que o crescimento global está desacelerando e é provável uma desaceleração mais forte no segundo semestre, pois os efeitos da defasagem da política monetária vão ser sentidos, na segunda metade do ano, e, principalmente, no começo do ano que vem.
A China crescendo menos pode ser um sinal preocupante, não só para a economia global, mas para o Brasil? O país asiático é o principal parceiro comercial e maior destino das commodities brasileiras — que tiveram um papel importante no PIB do primeiro trimestre do ano…
Sim. A rigor, o que torna especial a condição do Brasil em relação a outros emergentes é justamente a produção agrícola, que gerou a surpresa do forte crescimento no PIB do primeiro trimestre e um saldo comercial brasileiro notável. Além disso, houve um relativo bom desempenho no setor de serviços. As condições meteorológicas também ajudaram, em comparação com a pobre da Argentina, onde a seca afetou a produção de grãos. No Brasil, houve alguns pontos localizados de declínio da produção agrícola por conta da seca, mais ao Sul. Agora, nem tudo foi tão maravilhoso, porque a criação de empregos no país foi lenta e isso gerou esse pequeno aumento no desemprego. A produção industrial continua estagnada e é interessante notar que ainda está abaixo dos níveis pré pandemia.
Apesar do resultado mais robusto do PIB brasileiro, pelas projeções do mercado e do FMI, continua crescendo menos do que o resto do mundo. Com o mundo ajudando menos, o país continuará com essa tendência de baixo crescimento?
Essa é a tendência há muito tempo. O Brasil, inclusive, está crescendo menos do que outros vizinhos da região, como Colômbia. E o fato é que a nossa tendência não é boa. Falta de produtividade, o nível de investimentos é baixo, falta uma predisposição mais ampla do que aquilo que vemos na agricultura.
Mas a indústria é muito taxada, enquanto agricultura e serviços são menos. Tanto que existe uma preocupação desses setores por conta da reforma tributária, porque ela deve aumentar, em algum momento, as taxações desses segmentos…
Sim. Existe esse viés na estrutura tributária brasileira desde sempre, é desfavorável à indústria e é, em termos relativos, favorável à agricultura e aos serviços. Isso é um fato, há muito tempo. Aliás, vinha a esperança de que finalmente a proposta delineada pelo pelo Bernard Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda) pudesse ser implantada, mas parece que o Congresso já está começando a colocar jabutis.
Como vai ser o desempenho da economia brasileira neste ano?
Acho que dá para presumir que o país vai continuar com um crescimento moderado. Acredito que deverá ficar em torno de 2%. O crescimento vai permanecer moderado, mas melhor do que aquilo que se esperava, afinal de contas, a política fiscal vai continuar expansionista. E, claro, já que o pacote fiscal votado em dezembro de 2022 trouxe um sinal de política fiscal expansionista.
Nesse sentido, qual a sua avaliação do novo arcabouço? Há incertezas quanto ao cumprimento das metas fiscais e à trajetória da dívida pública…
Eu, sinceramente, não tenho a expectativa de que essa meta de superavit seja cumprida. Ao mesmo tempo, não creio que o efeito virá a dívida pública numa trajetória explosiva. Mas, efetivamente, não vai estabilizar essa dívida pública, no final desse processo, nos patamares em que está lá prevista no documento, mas também não vai ser uma coisa explosiva. Vamos, digamos assim, empurrar para frente, eventualmente, a exigência de ter de fazer um ajuste fiscal que controle e que reduza a dívida pública.
O governo tem sinalizado novos pacotes nos moldes do governo Dilma Rousseff, como incentivo para carro popular, que pode não ser temporário. Seriam mais gastos que não estão previstos no Orçamento e que podem comprometer o novo arcabouço, que aposta no aumento de receita em vez de um ajuste via corte de gastos…
Isso é preocupante, porque falta sinalização de um compromisso maior com a estabilização da situação da dívida. Medidas nesse estilo, como o apoio do automóvel, é preocupante. Mas aí vem o ministro Fernando Haddad dizendo que esse estímulo só será válido por um período pequeno de tempo. Contudo, parece que tem uma disputa dentro do governo entre um lado que faz pressão por medidas populistas, com efeito de curtíssimo prazo e com ônus fiscal, e,do outro, o Haddad tentando limitar isso no tempo, mas, definitivamente, o sinal não foi bom.
O presidente Lula tem dado prioridade para a agenda internacional, para mostrar que o Brasil voltou ao jogo. Ele tem viajado bastante, mas tem dado sinais que não têm agradado muito alguns países, mas criticou, por exemplo, os Estados Unidos, quando esteve na China. E, de acordo com a revista francesa L'Express, "a magia acabou" após atritos com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e afagos ao ditador venezuelano Nicolás Maduro…
Esse movimento de Lula foi um equívoco. Se a intenção era unificar, recolocar no jogo, revitalizar a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), e trazer o país para dentro de volta, assim como o Brasil voltou a trazer de volta aqueles que saíram no passado recente, como Uruguai, Chile, que demonstraram boa vontade de participar do encontro de cúpula em Brasília, o gesto de Lula em relação ao Maduro prejudicou isso. Foi um puro equívoco de cálculo do Lula em termos de se o objetivo dele era, mais do que nunca, fortalecer a Unasul. Os movimentos de Lula no exterior também não acrescentaram. Se ele tinha pretensão de fortalecer o Brasil como país neutro, a efetividade disso foi baixa.
O senhor fez uma crítica em relação à moeda comum, que tem sido retomada pelo governo Lula, não só para o Mercosul, mas também para os países do Brics (bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para fazer frente ao dólar nas trocas comerciais. Essa ideia é viável?
Francamente, não. Olha, o Brics é uma construção útil para reforçar o poder dos países membros no contexto multilateral e de negociações comerciais. Em 2018, ficou claro que Estados Unidos e Japão não aceitariam que a China se tornasse o segundo maior acionista dentro do Banco Mundial. Então, os Brics montaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), e a China ainda criou o seu próprio banco de desenvolvimento. Mas a China está querendo fazer acordos de comércio? Talvez. O Uruguai é capaz de fazer acordos bilaterais, o que seria um dos grandes problemas no Mercosul. E, no acordo Mercosul-União Europeia, os membros do Mercosul vão ter que escolher. Se começarem a querer fazer acordos bilaterais, é o que vai quebrar o Mercosul mais que já está quebrado.
Nesta semana, vai ter a reunião do comitê de política monetária do Federal Reserve, o Fomc e, nos dias 20 e 21, do Comitê de Política Monetária (Copom). Será possível um início de queda dos juros no país?
Eu ainda acho que, provavelmente, o Copom vai ter de baixar juros, senão nessa próxima, mais ou menos, na reunião seguinte. Eu creio que com os sinais, no lado da inflação brasileira, tem sido, digamos assim, propensos a isso. O Banco Central vai acabar reduzindo gradualmente a taxa básica da economia (Selic), na segunda metade do ano. O ruído feito pelo Executivo no Brasil, inclusive pelo presidente Lula, não é bom. Não ajuda emparedar o Banco Central, porque pode, a rigor, dar uma grande preocupação no que diz respeito à credibilidade do Banco Central, que não ajuda a baixar os juros. Eu creio que isso é um tiro no próprio pé.
O que o senhor acha da proposta de reforma tributária que está sendo construída no Congresso?
Tenho enorme esperança de que, finalmente, essa reforma tributária seja feita. A estrutura tributária nossa é uma fonte importante de distorções, de ineficiências. Ela afeta negativamente a produtividade. Ela é realmente um dos piores componentes do ambiente de negócios no Brasil. E se o governo não conseguir aprovar uma reforma tributária que elimine a duplicidade, a cumulatividade e as distorções, será uma baita vitória, será um baita resultado para este governo, principalmente, se ele conseguir evitar a deterioração muito elevada do quadro fiscal.
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