SISTEMA FINANCEIRO

Bancos brasileiros veem portas fechadas em Portugal

Instituições com sede no Brasil enfrentam barreiras enormes para entrar no mercado do país europeu. Há, no entender de executivos, um misto de medo da concorrência e xenofobia

Quantidade de brasileiros em Portugal quadriplicou na última década, com 
400 mil pessoas no país
 -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Quantidade de brasileiros em Portugal quadriplicou na última década, com 400 mil pessoas no país - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Vicente Nunes - Correspondente
postado em 27/11/2023 04:05

Lisboa — O forte crescimento da comunidade brasileira em Portugal, que quadruplicou em 10 anos — passando de 400 mil pessoas — está provocando um interesse crescente de instituições financeiras do Brasil pelo mercado português. Não sem razão. Os brasileiros já são, entre os estrangeiros que vivem em território luso, o segundo grupo que mais toma crédito para a compra da casa própria. Também têm impulsionado o setor de seguros, que vinha em queda, mas ganhou novo estímulo com a demanda por apólices para proteção de imóveis, carros, vida e saúde.

O impacto tem sido tão forte, que as seguradoras estão sendo obrigadas a contratar funcionários brasileiros para lidar com esse novo público, apontado como mais exigente. O interesse dos bancos brasileiros em pisar no mercado português, no entanto, tem parado em barreiras quase intransponíveis impostas pelo Banco de Portugal, responsável por regular e fiscalizar o sistema financeiro local. Todas as sondagens recentes feitas por emissários de instituições do Brasil têm acabado em frustração, tamanhas são as exigências.

Um dos casos mais ilustrativos desse complicado processo envolve o Banco Master. Há dois anos, a instituição assumiu o controle do Banco BNI Europa, que pertencia a angolanos. Para isso, injetou 8 milhões de euros (R$ 44 milhões) de capital, o que permitiu o saneamento das contas, que voltaram ao azul. Agora, por imposição do Banco de Portugal, o Master teve de desligar todos os diretores brasileiros do BNI, cujos nomes não foram aprovados pelo regulador, assim como a efetivação da troca de controle acionário. O jeito foi desistir do negócio.

"Essa decisão do Banco de Portugal saiu dois anos depois da autorização dada pela instituição para a capitalização do BNI. É muito estranho que somente os executivos brasileiros tenham sido rejeitados como administradores. Nenhum português foi vetado", diz uma fonte com conhecimento do assunto. "Estamos vendo essa decisão do regulador português como reserva de mercado. Mas, também, não descartamos a xenofobia", acrescenta.

O certo é que o Master tenta reaver o dinheiro que injetou no BNI Europa para que possa se instalar em Luxemburgo, onde já está em operação uma sucursal do Bradesco e do BTG Pactual. "Portugal e Luxemburgo fazem parte da União Europeia. Por que um país aceita mais facilmente os bancos brasileiros e outro, não?", questiona a fonte. "Tem algo de muito errado nisso", complementa.

Nichos de mercado

Pelos registros do Banco de Portugal, três bancos brasileiros têm autorização para operar em território luso hoje: Itaú BBA, Bradesco e Banco do Brasil, todos com a base principal em outros países da Europa. Essas instituições atuam em nichos muito específicos, como administração de grandes fortunas e operações de comércio exterior. São escritórios, não agências tradicionais, voltadas para o grande público.

Uma das razões para esse comedimento, além das elevadas exigências do regulador português, é o fato de, até bem pouco tempo, não haver escala para atendimento a pessoas físicas e empresas brasileiras. Agora, o quadro mudou. Além dos 400 mil cidadãos do Brasil regularizados que vivem, trabalham e estudam em Portugal, há pelo menos 200 mil com dupla cidadania e mais de 150 mil à espera da documentação.

Até 2028, preveem especialistas em imigração, como o advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto, os brasileiros em Portugal podem chegar a 1 milhão, o equivalente a 10% da população do país. De olho nesse incremento da população, o Banco do Brasil decidiu reforçar a presença novamente em Portugal — a instituição já teve agências de rua em Lisboa. Para isso, escalou a executiva Karen Machado, que reforçará a área de private bank voltada para pessoas físicas de alta renda.

Ainda não é um passo grandioso, mas representa um avanço importante na avaliação do embaixador do Brasil em terras lusitanas, Raimundo Carreiro. Ele, por sinal, pretende incluir na pauta da próxima reunião de cúpula entre Brasil e Portugal, marcada para abril de 2024, a volta com tudo do BB para o país europeu. "Há um público imenso a ser atendido pelo Banco do Brasil, pessoas físicas e empresas", afirma.

Bancos digitais como XP, Inter e Pactual também estão piscando para Portugal. Mas sabem que o caminho a ser percorrido é árduo. E, para avançarem, primeiro, o regulador português precisa dar demonstrações claras de que realmente quer atrair instituições brasileiras, que são altamente competitivas e modernas, para ampliar a oferta de serviços à clientela. Depois, o mercado tem de se mostrar realmente rentável para os investimentos a serem feitos.

"De uma coisa o Banco de Portugal pode ficar sossegado, os bancos brasileiros são muito regulados pelo Banco Central, com capital de sobra. Portanto, não oferecem riscos sistêmico", diz um executivo de uma instituição portuguesa, que vê o sistema financeiro do Brasil como exemplo a ser seguido.

Apoio à economia

Presidente da Associação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney afirma que não conhece os casos concretos dos bancos que pediram para atuar em Portugal. "Lamento muito que as exigências feitas estejam sendo um empecilho para essa atuação. Tenho muita segurança da robustez dos bancos brasileiros, que seriam um braço auxiliar para a economia de Portugal e para o setor bancário português", destaca.

No entender dele, o setor bancário, em qualquer lugar do mundo, não pode falhar. Por isso, os bancos centrais têm optado por endurecer a regulação. "Precisamos, sobretudo, garantir a credibilidade da indústria bancária. Isso implica regras rigorosas, transparentes e uma supervisão atuante e preventiva para sustentar a resiliência dos bancos. Isso tudo, garanto, temos no Brasil", complementa ele, que, recentemente, jantou com banqueiros portugueses em Lisboa.

Para Sidney, o sistema bancário brasileiro não deve nada a qualquer país no aspecto prudencial, regulatório ou de combate a práticas ilícitas. "Ao contrário, temos uma indústria bancária que é exemplo para o mundo, especialmente pela força e qualidade da regulação e da supervisão do nosso BC", assinala. "Trabalho há 30 anos no setor financeiro e posso atestar que os bancos brasileiros são robustos e seguros. É certo que o setor bancário no Brasil conta com fortes indicadores de capital, de liquidez e de lucratividade, além de manter uma estrutura toda voltada para prevenção a ilícitos financeiros", afirma.

Nesse contexto, as instituições brasileiras estão preparadas para operar em qualquer mercado do mundo, desde que considerem um bom negócio. "Nada disso, porém, foi alcançado facilmente, demandou muito esforço, trabalho e profissionalismo. Temos uma história e uma trajetória longa, exitosa e bem consolidada", diz.

Quebradeira em série

Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), reconhece as dificuldades impostas pelo Banco de Portugal para a entrada de novos players no mercado local. "As restrições não são apenas para os bancos brasileiros, mas para instituições de todos os países", ressalta. "Vemos o Banco de Portugal como um animal ferido. Nos últimos anos, muitos bancos portugueses quebraram. Então, as exigências do regulador aumentaram muito para que não se repita o que vimos num passado recente", acrescenta.

Neste ano, em meio ao aperto das regras, os bancos que atuam em Portugal têm apresentado os maiores lucros da história, com rentabilidade muito acima da média europeia. Além do medo de uma nova quebradeira — nos últimos 20 anos, pode-se dizer que todos os bancos portugueses foram à bancarrota —, o Banco de Portugal fechou o cerco contra a lavagem de dinheiro, sobretudo, por terroristas.

Foi uma determinação do Banco Central Europeu (BCE), que vê um risco enorme de o sistema financeiro da região acabar se transformando em uma base para o crime organizado. Com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, foram descobertas grandes fortunas mantidas por oligarcas russos em bancos europeus.

Ao Correio, o Banco de Portugal afirma, por meio de nota, que não houve nenhuma recusa de pedido de instituições brasileiras para se instalar no país europeu, pois não ocorreu, de fato, nenhum processo efetivo. Em relação ao Banco Master, o regulador informa que a instituição acabou desistindo do negócio.

"A atuação do Banco de Portugal, no exercício das suas funções, pauta-se pelo rigoroso cumprimento das normas legais aplicáveis. Neste enquadramento, todas as pessoas, individuais e coletivas, que pretendam estabelecer ou adquirir uma instituição financeira em Portugal, assim como dirigir as suas atividades, devem instruir os respetivos processos de autorização de forma completa, remetendo às autoridades competentes toda a informação prevista na regulamentação nacional e europeia, demonstrando, assim, o cabal cumprimento dos critérios legais aplicáveis", frisa.

O Banco de Portugal ressalta, ainda, que "os projetos não são objeto de aprovação por parte das autoridades competentes apenas nos casos em que não se verifique o cumprimento integral e objetivo dos critérios legais". E emenda: "Com referência à constituição e aquisição de participações qualificadas em instituições de crédito com sede em Portugal, a emissão de uma decisão sobre esses procedimentos compete ao Banco Central Europeu, com base numa avaliação objetiva do projeto apresentado quanto ao cumprimento integral dos requisitos legais aplicáveis".

 


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