No início dos anos 2000, concessionárias de rodovias e órgãos públicos iniciaram as primeiras aplicações de borracha reutilizada de pneus de automóveis e outros veículos para a mistura com o asfalto tradicional no Brasil. Uma técnica que já era utilizada nos Estados Unidos, há pelo menos quatro décadas, se mostrou viável em diversas estradas do país, demonstrando ter maior durabilidade se comparada à pavimentação utilizada na época.
Com a mesma premissa de reutilizar um material pós consumo, o plástico reciclado trilha um caminho similar ao da borracha e já demonstra — por meio de testes feitos em rodovias de São Paulo — capacidade para suportar condições mais extremas de temperatura e evitar a formação de fissuras no asfalto em um tempo menor. No caso do plástico, a mistura com o asfalto é feito por um processo chamado "via úmida", que ocorre quando se utiliza água para misturar dois materiais.
Para o engenheiro químico Emerson Maciel, da Stratura Asfaltos, que participou dos dois primeiros experimentos do uso de plástico pós-consumo em rodovias no país, o material tem potencial para ser expandido, a exemplo da borracha. "Os dois testes que fizemos estão trazendo resultados satisfatórios. E olhando para frente, a nossa empresa tem projetos já olhando para os próximos anos, para que outras concessionárias procurem saber um pouco mais sobre essa aplicação", acredita.
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De acordo com a secretária nacional de Transporte Rodoviário (SNTR), do Ministério dos Transportes, Viviane Esse, que concedeu entrevista ao Correio para a série Caminhos de Plástico, não faltam incentivos do governo federal para inovações neste setor. Apesar de ainda considerar escassos os dados sobre as pesquisas com plástico reciclado, ela afirma que já há benefícios para as concessionárias de todo o país adotarem práticas de redução de carbono alinhadas com priorização à sustentabilidade.
Além da composição asfáltica, também há compensações para outras ações, como plantio de árvores, estímulo ao uso de veículos elétricos, como postos de recarga nas estradas, entre outras práticas. "Tudo que a gente puder fazer para ter um aumento de durabilidade e para a gente ter redução de material de descarte, é essencial para a gente. Por isso que a gente promover esses incentivos à pesquisa das concessionárias faz com que elas testem", explica.
A secretária lembra que no Brasil há desafios em relação ao tamanho do país e às particularidades de cada região. No Norte e no Nordeste, por exemplo, a incidência maior do sol durante o dia pode causar efeitos adversos nas rodovias, em um tempo mais curto, e que a mesma proporção de um material utilizado nas rodovias em uma região, pode não atender às demandas de outras localidades.
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"O Brasil é muito grande e muito diverso. E a beleza do nosso país é justamente isso. A solução que é boa em uma determinada região, de clima temperado, não vai ser para a região Norte ou Nordeste. Então a gente precisa testar. Por isso é importante que as concessionárias e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) tenham incentivo à utilização de novos materiais", comenta a secretária.
Outro desafio mencionado pela secretária é a aplicação de testes em campo. Enquanto já há uma série de pesquisas sendo realizadas na área acadêmica e em laboratórios, o país ainda carece de experimentos em rodovias na prática. Dessa forma, ela acredita que as parcerias com as concessionárias e o investimento privado podem impulsionar o desenvolvimento de novos testes em outros estados, além de São Paulo.
Investimento
Viviane Esse ainda fez críticas à gestão do governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro e do seu então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas — atual governador de São Paulo —, a respeito do orçamento destinado ao setor de transportes. Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), de 2022, mostram que naquele ano o volume total de recursos direcionados a esse segmento foi de R$ 8,58 bilhões. Na Lei Orçamentária Anual de 2023, o montante aprovado para investimentos do Ministério da Infraestrutura subiu para R$ 18,7 bilhões.
"Nós temos engenheiros muito competentes no Brasil, empresas muito qualificadas e por muito tempo a gente fica achando: 'Ah, esse é um projeto mal executado, um projeto mal construído, um projeto mal implantado'. E não pensa que muitos países investem um percentual muito superior ao PIB do Brasil em infraestrutura. Então, acho que está muito mais relacionado à ausência de investimento do que à falta de soluções construtivas", avalia Esse.
Sobre a possibilidade da expansão do uso de plástico reciclado na pavimentação de rodovias federais em um futuro próximo, a secretária considera que o material tem todas as condições para seguir o mesmo caminho da borracha reaproveitada de pneus, que começaram a ser aplicadas no início do século e já estão presentes em milhares de quilômetros de rodovias no país. "Havendo bons resultados, certamente o Dnit, que é o responsável pela elaboração dos normativos, vai fazer como o asfalto-borracha. Então, é um caminho e é só o começo. E é importante que a gente incentive e nós incentivamos", conclui.
Economia circular reduz emissões de carbono
Um dos principais trunfos da utilização do plástico, pós-consumo, na pavimentação é o incentivo à economia circular, na avaliação de especialistas do setor. Ao mesmo tempo em que promove uma destinação útil para o plástico, também contribui para o aperfeiçoamento das estradas a longo prazo. Dessa forma, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) acredita que a incorporação de resíduos na infraestrutura viária pode ser uma das estratégias escolhidas para garantir um melhor ciclo de vida para estes materiais.
“Pneus inservíveis, plásticos de difícil reciclagem e até fibras de carbono de pás eólicas podem reforçar o pavimento, aumentando a durabilidade e reduzindo ouso de ligantes asfálticos derivados de petróleo”, destaca o presidente da ABDI, Ricardo Cappelli.
Lançado em 2023 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), em parceria com a ABDI e a Petrobras, o programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) tem o objetivo de reduzir as emissões de carbono na frota automotiva brasileira, com incentivos para a eletrificação de automóveis e o estímulo à produção de combustíveis menos poluentes.
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Nesse contexto, o presidente da ABDI ressalta que a parceria também inclui uma linha programática de “logística reversa e plataformas circulares”. Segundo Capelli, as ações visam criar sistemas de coleta e rastreabilidade de resíduos que podem ser reaproveitados para outras finalidades, como na construção civil.
“O Programa Mover, ao exigir índices mínimos de reciclabilidade e a medição da pegada de carbono em veículos, estimula o desenvolvimento de materiais leves, ecodesign e remanufatura. Para os veículos leves, defendemos que futuras regulamentações estabeleçam metas progressivas de eficiência e emissões, como ocorrem em outras regiões, e que incluam diretrizes para reciclagem e segunda vida de baterias”, exemplifica.
O professor Adalberto Faxina, da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), que coordena um grupo de pesquisa para aplicações de resíduos plásticos no asfalto, acredita que a interlocução com o setor público é fundamental para o avanço da iniciativa.
“A gente quer que a pesquisa se transforme em um segmento bem-sucedido no sentido de que, econômica e tecnicamente, tudo seja bem atendido para que isso se converta em um segmento rodoviário”, destaca o professor, que ressalta as necessidades de investimento em tecnologia sustentável por parte das empresas. Em um prazo de 10 a 15 anos, concessionárias e rodovias têm planos de se tornarem carbono zero, o que implica em uma corrida maior por iniciativas que auxiliem a descarbonização, como o uso de plástico reciclado no asfalto
