Nova diretrizes da Educação

Foco na saúde mental

Por meio do diálogo e da escuta atenta, escolas podem contribuir para minimizar os efeitos do isolamento no desenvolvimento socioemocional de estudantes

Augusto Fernandes
postado em 02/09/2020 19:19 / atualizado em 02/09/2020 19:53
 (crédito:  Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

A pandemia do novo coronavírus mudou completamente o dia a dia do estudante Henrique Takeshi. O adolescente de 17 anos, tão acostumado à rotina escolar de aulas presenciais, que o possibilitava um convívio mais próximo com colegas e professores, de repente teve de se adaptar ao novo normal: ensino a distância, quarentena e, o mais difícil de tudo, distanciamento dos amigos.

“Os amigos são a família que a gente escolhe. A falta desse contato pesou bastante, porque a gente deixa de aprender diversas coisas. A convivência com o próximo te ensina muito”, observa Henrique.

Estudantes no país inteiro enfrentam a mesma situação. As restrições sanitárias forçadas pela covid-19 deixaram os alunos longe do ambiente escolar, que é fundamental não apenas do ponto de vista do ensino formal, mas, também, para o desenvolvimento socioemocional de cada um deles.

A interação com colegas de classe e professores, explicam especialistas, influencia diretamente no comportamento dos estudantes e desempenha um papel crucial para que eles se mantenham saudáveis, seja fisicamente, seja psicologicamente.

Sendo assim, como a escola pode suprir esse vazio e ajudar os alunos a não se sentirem isolados por conta do confinamento? Para a professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Larissa Polejack, diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária, o mais recomendado é que os colégios proporcionem momentos de diálogo para os jovens.

“Grande parte do aprendizado perpassa o afeto. Quando eu me sinto pertencente e acolhido, é mais fácil me vincular ao aprender. Mesmo que esse encontro não possa acontecer presencialmente neste momento, a escola pode substituir isso com algum horário para conversas no ambiente virtual de ensino, ou aplicando trabalhos em que os alunos tenham esse sentimento de que estão construindo coisas juntos”, destaca Polejack.

A professora acredita que o momento deve ser de promover situações em que o foco da aula não seja o conteúdo, mas, sim, o bem-estar da classe. “As atividades ou a forma de avaliação não devem ser as coisas mais importantes agora. Os professores precisam estabelecer formas de manutenção de vínculos, como um espaço para troca e compartilhamento de experiências em meio à pandemia. Isso vai fazer a diferença nesse processo pedagógico.”

É o que tem acontecido com Henrique. Ele próprio tem buscado maneiras para manter o papo em dia com os amigos, mas também tem recebido o auxílio da escola. “Os professores têm promovido momentos lúdicos e escutado todos os alunos. Às vezes, eles deixam o conteúdo de lado para que todos possam discutir sobre do que mais sentem falta ou simplesmente conversar. Isso é muito bom. Ajuda a aliviar a pressão”, destaca.

Mãe do estudante, a servidora pública Fabiana Garcia, 40, também tem tido suporte. Quando não os professores, os orientadores educacionais da escola entram em contato com ela para saber sobre Henrique. “Tem acontecido com mais frequência do que antes. Tenho a impressão de que eles estão mais preocupados com as famílias e tentando ouvir cada uma. Afinal, tem sido um momento de adaptação para todos”, observa.

Dentro de casa, Fabiana diminuiu a cobrança por resultados e passou a escutar mais o filho, principalmente porque ele demorou a se acostumar com a situação. “Estamos aprendendo a ser mais tolerantes e compreensivos. Todos nós estamos ansiosos e preocupados, então, qualquer pressão a mais pode ser prejudicial. Por isso, estabelecemos uma rotina de estudos e de lazer. Foi fundamental para o Henrique adaptar-se a essa realidade.”

Conversa
O diálogo foi o principal aliado para que a estudante Gabriela Fontes, 13, se adaptasse às mudanças provocadas pela pandemia. “Com todos em casa o tempo todo, a interação em família até aumentou. Nossa receita tem sido bastante compreensão e conversa. Fazemos questão de deixar esse canal aberto”, conta o professor universitário Wagner Fontes, 57, pai da adolescente.

Além da conversa com os pais, Gabriela encontrou no contato virtual com os colegas e a comunidade escolar uma forma de se sentir bem. “No começo, foi difícil. Mas, hoje, sempre antes das aulas, os professores perguntam se estamos bem e nos pedem para preencher alguns formulários com as coisas que nós gostaríamos que melhorassem. Além disso, a interação com os colegas tem sido frequente e ajuda muito”, relata a adolescente.

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Outros caminhos

Doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaqueline Giordani ressalta que manter preservada a saúde mental dos estudantes pode evitar que eles passem por sofrimentos psíquicos e, consequentemente, tenham uma queda no rendimento escolar.

“Às vezes, eles podem estar participando da aula, mas não estão com as capacidades necessárias para aprender. A partir do momento que as escolas aceitarem que algumas coisas vão ficar para trás por conta da pandemia e que os alunos não vão conseguir dar conta de tudo, será mais fácil auxiliá-los naquilo que eles estão realmente conseguindo fazer”, diz.

“O sofrimento está mais associado à falta do contato pessoal, visto que a escola é o principal local de socialização da criança e do adolescente. Portanto, se os alunos tiverem uma plataforma para poder enxergar o professor ou os colegas, onde possam conversar sobre as suas dificuldades e frustrações, isso ajudaria bastante. É necessário investir no bem-estar emocional deles”, reforça Jaqueline.

Especialista em educação integral do Instituto Ayrton Senna, Gisele Alves acrescenta que é essencial que o colégio não passe a sensação equivocada aos estudantes de que eles ficarão imunes a qualquer tipo de transtorno neste momento. “A gente sabe que os alunos estão expostos a uma série de vulnerabilidades, ainda mais neste momento. Às vezes, o ambiente doméstico é violento ou a família do jovem passa por dificuldades econômicas. Então, a chave é investir em um trabalho de resiliência emocional. O estudante tem que ser ajudado a identificar recursos que o ajudem a lidar com isso”, detalha.

“A escola, nesse sentido, vai ter o papel de prover espaços seguros e específicos para que esses sentimentos possam ser trazidos e abordados sem um tabu, sobretudo em um momento atípico de distanciamento social e escolas fechadas”, reforça.

Em busca de equilíbrio

Como a escola pode ajudar o aluno a cuidar da saúde mental na pandemia

» Fortalecimento de vínculos

Como a falta de interação pode causar um incômodo grande para alguns estudantes, os vínculos com a comunidade escolar funcionam como fatores protetivos aos distúrbios emocionais. Reforçá-los pode beneficiar o aluno com dificuldades, pois não se sentirá distante emocionalmente.

Diversificar as formas de interação

Se os estudantes têm nas interações presenciais com os colegas e professores a única forma de se sentirem felizes, isso é um problema. Ao expandir as opções de diálogo, a escola pode disponibilizar ao aluno um novo ambiente, em que ele possa nutrir pensamentos positivos.
Ajudar na construção de uma rotina

É importante que os estudantes mantenham as suas rotinas. Elas ajudam a trazer calma. Em um momento em que não temos domínio do que acontece ao nosso redor, estabelecer um mínimo de controle traz a sensação de que estamos conseguindo lidar com os problemas do dia a dia.

Envolver os jovens na tomada de decisões

Permitir que os estudantes opinem sobre quais devem ser os seus hábitos de estudo pode estimular a autonomia de cada um.
Se os professores não consultarem os alunos, reduzem as chances de eles encontrarem novas formas para comunicar os incômodos e sentimentos negativos.

Com ajuda dos pais, reservar momentos para lazer

É importante incluir no cronograma semanal momentos de relaxamento ou de descontração da classe, em especial no intervalo entre duas tarefas. Isso pode fazer com que os alunos tenham um pouco mais de motivação para se manter atentos às aulas.

Entrar em contato com as famílias

As escolas podem usar as próprias plataformas escolhidas para o ensino virtual para consultar o aluno e os pais sobre como eles estão lidando com a pandemia e administrando os conflitos. Esse contato permite ao estudante se sentir acolhido e possibilita que ele exponha sentimentos e emoções.

Estimular a resiliência emocional

Mesmo que a distância, a escola pode trabalhar projetos para que os alunos saibam como controlar o estresse, a ansiedade e a frustração por conta das dificuldades causadas pela pandemia. No fim, essa resiliência fará com que eles tenham mais autoconfiança.

Fontes: Gisele Alves e Jaqueline Giordani.

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