A suspensão das aulas presenciais nas redes pública e privada de ensino, consequência das necessárias medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus, mudou as vidas de pais, estudantes e professores. Desde então, foi necessário se adequar a uma nova realidade de ensino: educação remota por meio do uso de tecnologias digitais.
A experiência pela qual a educação passa atualmente é definida por especialistas como ensino remoto emergencial. Alternativa encontrada em meio à crise sanitária para dar continuidade às atividades educacionais neste momento de isolamento social.
“Ainda que isso não seja substitutivo do ensino presencial, o ensino remoto tem uma grande importância neste momento”, analisa a coordenadora de Educação do Instituto Alana, Raquel Franzim. O ensino remoto emergencial abrange desde as atividades pedagógicas desenvolvidas por escolas e educadores que já trabalhavam com ensino híbrido ou ensino a distância até as alternativas encontradas por gestores que nunca haviam usado ferramentas on-line.
Além das alternativas por via digital, é possível estabelecer atividades escolares remotas por meio de transmissões televisivas, radiodifusão, materiais impressos e até carros de som, em ambientes com difícil acesso à internet e a ferramentas digitais. A especialista alerta para as desigualdades nas condições do ensino, agravadas pela pandemia, e para a diversidade nas condições com as quais escolas pelo Brasil trabalham esta alternativa.
De acordo com pesquisa do Datafolha, 74,4% dos estudantes participaram de algum tipo de atividade pedagógica não presencial desde o início da pandemia. No entanto, isso mostra que cerca de 25% dos estudantes não estão tendo acesso ao ensino remoto.
Pesquisa divulgada em 20 de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que mais de oito milhões de estudantes — de 6 a 29 anos, em diferentes fases da educação básica e no ensino superior — não tiveram qualquer atividade escolar em julho.
“Ainda que a qualidade do ensino remoto precise ser melhorada, ele pode garantir um vínculo educativo entre os estudantes e a escola, contribuindo para que não haja um abandono escolar muito alto, que é esperado daqui para a frente. Quanto mais tempo os estudantes estão afastados da escola, maior a probabilidade de isso acontecer”, explica Raquel Franzim.
Concentração
Até mesmo no ensino superior a mudança traz desafios. De acordo com a professora Wilsa Maria Ramos, do Instituto de Psicologia da UnB, alunos da instituição estão tendo mais dificuldade de concentração. Além disso, precisam se organizar melhor, uma vez que exercer a autonomia sobre os estudos é fundamental neste momento. Por outro lado, avalia, pode ser uma oportunidade de aprendizado. “A experiência está mostrando que há novas formas de aprender e novas formas de estudar”, relata.
Em relação às crianças, a psicóloga Talita Costa dos Santos, da Comissão Especial de Psicologia e Educação do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, ressalta a importância da mediação dos pais no ensino remoto. “Tem sido fundamental o papel dos adultos para dar suporte às crianças. Elas precisam de muita mediação”, observa. “O professor também tem que ter jogo de cintura, tentar acessar esses alunos e manter a atenção e o interesse.”
Dentro de casa
É o caso de Josué Souza de Oliveira, 11 anos. Estudante do 6º ano do ensino fundamental, ele tem tido atividades remotas desde março, quando foi decretada a suspensão das aulas presenciais no Distrito Federal. Apesar de sentir falta do encontro com colegas e professores, ele entende o momento e se adaptou à nova metodologia.
“Estou achando legal, as aulas são bem interativas. A professora conversa com a gente, faz brincadeiras e passa atividades práticas”, relata.
A mãe, Luciene Castro de Souza Araújo, 39, está satisfeita. Prezando pela segurança e saúde de toda a família, ela considera que o ensino remoto tem sido eficaz para Josué. “No meu caso, mesmo se voltar, a gente tem que adaptar, porque eu prefiro não mandá-los por causa do risco, do crescente aumento no número de casos (de covid-19)”, explica.
O professor Rogério Moreira Monteiro, 44, tem dois filhos em idade escolar, Miguel, 10, e Maria Clara, 8. Ele conta que, apesar de sentirem falta das aulas presenciais, eles gostam das atividades remotas por envolver tecnologia e ser oportunidade de interação com pessoas de fora do núcleo familiar.
“Você precisa estar muito mais perto da criança. O professor está muito distante para poder auxiliar e a gente, como pai, muitas vezes tem de fazer um pouco o papel do professor”, completa.
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...possibilidades do futuro
A partir do momento de reabertura das escolas, uma outra modalidade de ensino poderá ser observada e inclusive desenvolvida no período pós-pandemia. É o chamado ensino híbrido. As medidas de proteção contra o coronavírus terão de ser seguidas, e continuar explorando as possibilidades que as novas tecnologias trazem à educação será crucial para a formação dos cidadãos.
O ensino híbrido é uma abordagem educacional de aprendizagem que reúne os benefícios da educação presencial com as vantagens do estudo on-line. De acordo com Lilian Bacich, organizadora do livro Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação, não se trata apenas de uma mistura entre os dois ambientes, mas também de estabelecer uma conexão entre esses dois momentos.
Nas atividades on-line, o estudante encontra o momento adequado para realizar tarefas individuais, com a autonomia necessária para desenvolver o estudo ao seu próprio tempo. Ao assistir a uma videoaula, por exemplo, ele pode pausá-la ou acelerá-la. Além disso, poderá, posteriormente, fazer exercícios ou outros projetos para fixar o assunto estudado.
As salas de aula, por outro lado, são o ambiente ideal para trabalhar questões que demandam a interação entre pessoas: o debate, a argumentação, a resolução de problemas e o pensamento crítico. “É um jeito de você repensar a educação. Ensino híbrido está muito conectado com essa ideia de aprendizagem mais ativa”, analisa Lilian.
Na avaliação de Raquel Franzim, do Instituto Alana, a pandemia evidenciou que o direito à informação e comunicação, mediado pelas tecnologias, faz parte dos direitos humanos, e o momento de reabertura precisa ser olhado como uma oportunidade de pensar uma educação equitativa, “ou seja, em que todos tenham condições de acessar direitos, incluindo o direito ao ambiente digital”. “As tecnologias de informação, quando bem mediadas dentro das escolas e casas, pode oportunizar uma aprendizagem muito importante, a de fazer um uso prático, saudável e cívico dessas ferramentas”, observa.
Novos trajetos
Ricardo Fragelli (foto), professor de engenharia e design educacional da Universidade de Brasília (UnB), informa que um modelo que tem sido observado nas instituições de ensino é o conjunto composto pelo uso do ambiente virtual de aprendizagem com aulas síncronas ou assíncronas — transmitidas simultaneamente ou gravadas — e materiais posteriores de aprofundamento do conteúdo. Como muitas escolas, educadores e estudantes estão utilizando esses recursos pela primeira vez, ainda existem desafios na aplicação dessa nova metodologia.
“No ensino remoto, às vezes o profissional é um cético da educação a distância e nem sempre ele está preparado para isso, quase nunca. Mesmo professores que são muito didáticos percebem que precisam explorar outras ferramentas”, considera o professor. Fragelli argumenta que uma aula transmitida on-line precisa utilizar recursos pedagógicos distintos da aula expositiva, para que não se torne enfadonha.
Com a mulher, a professora especialista em neuroaprendizagem Thaís Fragelli, Ricardo desenvolveu um site e canal no YouTube chamado Fantasticalizando, com dicas e sugestões para que professores possam desenvolver técnicas pedagógicas que facilitem o ensino remoto. Entre as sugestões, o incentivo à interação com os alunos, colaboração entre eles e uso da criatividade são elementos importantes para tornar as aulas mais interessantes.