Uma pandemia que impõe inúmeras restrições, perda de pessoas queridas e inseguranças interferem drasticamente em nossos hábitos e nos mostram que a vida não é controlável, muito menos previsível. São eventos e situações que testam nossa capacidade de perseverar. A verdadeira perseverança não vem de graça, mas é essencial para a realização dos grandes sonhos. Foi com muita resiliência, solidariedade e esperança que Brasília saiu do barro vermelho e se consolidou como uma das grandes cidades do país. DNA que cada brasiliense traz neste momento de grandes superações e fé em dias melhores.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Distrito Federal possui hoje uma população de mais de três milhões de pessoas, com gírias, sotaques, gastronomia e identidade cultural, que se revelam por entre as quadras do Plano Piloto e as ruas das regiões administrativas que circundam o coração do Brasil. Desde os nascidos nessa terra até radicados, o Correio ouviu histórias de esperança e luta.
Cidade que encanta
Os monumentos, os caminhos, o centro político, um cenário privilegiado. A história do técnico em tecnologia da informação (TI) Lucas Mário Rodrigues Reis, 26 anos, se cruza com a da capital federal. Ele conta que o avô era militar e serviu na segurança do presidente Juscelino Kubistchek. Ao chegar a Brasília, com a esposa, ele construiu a família e se encantou pela cidade. Lucas é fruto dessa paixão. “Eu amo o contraste que Brasília tem, da arquitetura com o céu pintado. Pensei que, com o tempo, essa sedução fosse diminuir, mas pelo contrário. Continuo encantado”, destaca.
Nascido no Gama, casado, Lucas explica que cultiva grandes lembranças nos monumentos da cidade. “Todos os passeios em família eram aqui. Querendo ou não, tive uma proximidade grande com a cidade”, diz. Hoje, o sonho do técnico é conhecer os detalhes do Museu da República com a esposa. “Até hoje não consegui vir aqui, mas assim que tudo isso passar, quero vir”, completa. Atualmente, Lucas trabalha em uma empresa privada de Brasília e conta que, apesar das dificuldades que a pandemia trouxe, sai em busca de seus sonhos, assim como o avô. Para isso, mantém a positividade. “Espero que todo mundo vença este momento de dificuldade”, diz.
Novas possibilidades
Entre os vendedores da Praça dos Três Poderes está o potiguar e ambulante Gil Rodrigues de Araújo, 68. Ele lembra que veio a passeio para a capital, em 2002, mas se encantou pela capital e resolveu ficar. Desde então, vende as miniaturas dos monumentos da cidade aos turistas que aparecem. Para se virar na profissão e dar boas vindas às pessoas de várias partes do mundo, Gil aprendeu a falar um pouquinho de cada língua, sendo elas inglês, francês, espanhol e até mesmo chinês. Detalhe: só concluiu o quarto ano do ensino fundamental, e é só simpatia.
“O tempo de convivência com turistas do mundo e Brasil inteiro fez com que eu melhorasse. E adoro fazer isso aqui, vender minhas miniaturas. Sou aposentado, mas continuo”, conta. Morador da Asa Norte, Gil diz que participou da posse de diferentes presidentes, dentre eles Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro. Com carinho, guarda as fotos de cada um dos momentos. “Em todas estou aqui, vendendo minhas lembrancinhas. As pessoas que vêm pedem informações, e eu sei tudo sobre a Praça dos Três Poderes”, garante.
Gil acredita que Brasília é uma cidade de possibilidades. “É uma cidade que oferece muita oportunidade de trabalho, não só na área de serviço público. Você consegue vencer em Brasília. Quem gosta de trabalhar consegue. Não é vencer para ficar rico, mas para ter uma qualidade de vida melhor. Se comparada a outros estados por que já passei”, diz. O carinho com a cidade fez do vendedor um brasiliense de coração. “Eu posso morar em qualquer lugar, mas nunca esqueço daqui”.
Segunda geração
Foram necessários 61 anos para que, finalmente, o “planalto interior, centro geográfico do país, deserto”, como citou Juscelino Kubitschek no discurso de inauguração de Brasília, passasse a ter filhos da segunda geração da capital federal. Dentre eles está a estudante Flora Menezes, 22. Para ela, a cidade proporciona de tudo um pouco, incluindo lazer e esportes, até momentos contemplativos e espirituais. “Toda a minha vida é por aqui, tudo que diz respeito a mim está nestsa cidade. Vivi muita coisa aqui. Mas fiz muito esporte, fui muito para o cerrado, no Entorno da cidade, andar de bike, fazer highline. E sinto que é uma cidade que tem muito essa possibilidade de viver o dia, a natureza, é uma cidade bonita”, pontua.
Após um ano na Argentina, a brasiliense, moradora do Núcleo Bandeirante, voltou para a capital e, em meio aos caos do dia a dia, busca viver seus momentos de paz. Dentre seus locais favoritos está a Orla do Lago Paranoá. “Quando tenho tempo no almoço, ou em alguma brecha no dia, venho para contemplar. É um momento meditativo. O lago é uma boa ferramenta para recarregar as energias e poder viver momentos de calmaria”, completa.
De acordo com a estudante, a prática de esportes ao ar livre cresceu na capital devido a distribuição da cidade. “É uma cidade arejada, que traz a possibilidade da dinâmica. A distribuição dos espaços, dos monumentos é algo que facilita o movimento”, defende. “É uma capital, mas não é como as grandes metrópoles. É uma cidade diferenciada. Brasília tem uma energia diferente, é uma ilha de possibilidades”, acredita.
Terra prometida
A palavra “oportunidade” tem um amplo significado em Brasília, segundo o social media e atleta paralímpico Thiago de Sousa, 30. Morador de Santa Maria, o cadeirante conta que iniciou a prática de se exercitar com a natação, até que, aos 13 anos, viu uma corrida de rua na televisão e pediu aos pais para fazer a inscrição. “Foi amor à primeira vista”, garante. Desde então, pratica atletismo e diz que a possibilidade de crescer no esporte surgiu na capital federal. “Dentro do meu esporte, todos os momentos especiais que vivi foram em Brasília. Para mim, essa cidade foi uma terra prometida”, pontua.
Thiago conta que representou a cidade em 14 países, mas sempre retorna para o Planalto Central. ”Eu saí, mas é em Brasília que sempre renasço, me fortaleço. Para mim, Brasília é a fonte do meu poder”, explica o atleta. Mas Thiago reconhece que a cidade precisa ter mais acessibilidade, apesar de avançada, se comparada a outros estados. Para os próximos anos, o atleta deseja avanço. “Que possam vir novas experiências, caminhadas. Que a cidade abrace ainda mais pessoas com a inclusão”, completa.
Resiliência do cerrado
Filho de nordestino, o artesão Pedro dos Santos Fernandes, 58, morador de Santa Maria, faz parte do dia a dia de centenas de brasilienses que passam, diariamente, na porta da Catedral Metropolitana de Brasília. Conhecido como o “homem que vende flor na Catedral”, Pedro conta que aprendeu a arte com seu pai, pioneiro da técnica na capital federal. “Desde que comecei a lidar com gente, trabalhei aqui. Meu pai chegou em 1957 e ficou com medo de ingressar na Velhacap, que hoje é Novacap, que pegava o pessoal do Nordeste e fichava para construir ministérios. Mas ele achou melhor mexer com flores”, lembra.
Nascido no Núcleo Bandeirante e morador de Santa Maria, o olhar de Pedro carrega a história da capital federal. “Um dos momentos que marcaram minha vida foi a visita do papa São João Paulo II, em 1980.
Há 52 anos trabalhando na pintura de flores em frente à Catedral, Pedro diz que deseja prosperidade à cidade e aos moradores. “Quando um homem chega na minha idade, a gente tem o pensamento totalmente diferente de quando é novo. Hoje, a gente pede prosperidade, saúde. É isso que desejo pra cidade. Que seja uma cidade próspera, e muita saúde é o que precisamos hoje em dia”, completa.
Laços de carinho
Juntos há seis anos e meio, a servidora pública e brasiliense Adriana Oliveira, 39, e o especialista em direito público e cearense José Pires, 39, contam que Brasília se tornou protagonista na história do casal. Foi na cidade que o casal se conheceu e construiu família. Há mais de 20 anos, José decidiu tentar ganhar a vida na capital, cidade que viria a ser razão de muita felicidade. “Eu, um jovem nordestino, que chegou sem condições financeiras, de família humilde, mas conseguiu realizar o sonho de se especializar em direito público, numa faculdade que não tinha nem como imaginar pagar. Mas Brasília me proporcionou isso”, conta.
Foi no Pontão do Lago Sul que Adriana e José começou a história de amor. Há cinco anos, tiveram o primeiro e único filho, Adrian. Desde então, os moradores do Itapoã mantêm uma relação de amor pela capital. “Eu sou extremamente apaixonado por Brasília, pelo estilo de vida da cidade. Na questão do acesso à educação, na forma de trabalhar, de ganhar dinheiro, das oportunidades, como os concursos públicos”, pontua.
Apesar das dificuldades que surgem com a pandemia, o casal acredita que o momento é propício para estreitar laços familiares. “Como estamos vivendo reclusos, temos que nos apegar cada vez mais aos familiares, se aproximar, conversar e compartilhar o planejamento”, pontua. Para isso, o casal recorre às alternativas que a cidade proporciona. “Ela nos dá essa liberdade. Essa semana, viemos à Ermida Dom Bosco todos os dias, para ele brincar ao ar livre”, conta. Para Brasília, o casal deseja que as pessoas estreitem laços de afeto e de respeito.
Temperando a vida
Há mais de 50 anos no centro de Taguatinga, o feirante Damião Dias, 77, faz uso da barraca em que vende condimentos para temperar as panelas brasilienses. Conta que veio ao DF em busca de melhoria, e de pouquinho em pouquinho ganhou seu espaço. Damião diz que sua história na capital começou em Ceilândia. À medida que a cidade crescia, o feirante conquistava seu espaço. “Quando cheguei aqui, estava sem nada. Aí achei um lugarzinho pra trabalhar na Feira de Ceilândia, mas ninguém deixava. Tinha que ficar mudando de lugar, e assim fui levando a vida até dar um jeito. Afinal, tinha que dar o que comer pra minha família”, pontua.
Damião conta que a banca de temperos teve início após perceber que Ceilândia estava crescendo. “Pensei: vou temperar a panela dessas mulheres. Comecei com uma bacia pequena de temperos, até que cheguei a 100 bacias. Comecei assim, sem nada. Só com a cara e a coragem”, recorda.
Com o aumento da concorrência, o feirante decidiu ir para o centro de Taguatinga, onde fez seu nome. “Construí minha casa. Deus levou minha mulher, mas ficaram meus filhos e netos”, diz. “Brasília é a melhor cidade e a melhor capital do mundo. Tem muita coisa boa, muito trabalho”, garante.
“Sempre dá saudade”
Em meio ao gramado da Torre de Televisão, a mineira e cuidadora Mariana Vieira Ramos, 23, admira o céu da cidade. Esse foi um dos passeios que ela decidiu fazer ao retornar a Brasília, após voltar a morar em Minas Gerais. Mariana conta que já morou na capital durante dois anos, mas sempre retorna para fazer uma visita. “Quando eu vim pra morar, estava com o dinheiro contado. Aqui eu cresci, consegui trabalho, me estabeleci. Foi difícil, no início não sabia muito, mas amadureci bastante. Fui morar só, correr atrás, trabalhei vendendo coisa na rua, fiz várias coisas”, recorda.
Para Mariana, a cidade vai muito além de ser só a capital do país: é seu lar, onde se sente verdadeiramente em casa. “Eu gosto muito de explorar, conhecer, e a cidade proporciona isso. Brasília é uma cidade que acolhe. Eu tenho vários amigos aqui, cada um de um lugar. Todos diferentes. Todos podiam ser de um local, com culturas diferentes, mas parece que aqui casa direitinho”, destaca. Para os próximos anos, a cuidadora deseja que a cidade receba ainda mais pessoas e que possa abraçar a história de ainda mais pessoas. “Sempre é bom conhecer o próximo, a história do outro. E aqui em Brasília, podemos vivenciar isso”, completa.
Uma grande família
O professor Rodrigo Nascimento Silva Rezende, 31, também faz parte da segunda geração da capital federal. Ele conta que os avós vieram a Brasília em busca de um lugar com mais oportunidades. Aqui, construíram a cidade e a família. Morador da 203 Sul desde os 3 anos, não planeja se mudar. “Eu brinco que a Asa Sul é um interior no meio da cidade grande. Quem mora aqui conhece as pessoas que andam na rua, cumprimenta. Por onde olha, tem um conhecido, a mãe de um amigo ou avô”, conta.
Para Rodrigo, a história de sua família motiva a paixão pela capital. “O grande orgulho de morar aqui é porque a minha família fez parte da construção, e acho que até hoje a gente está construindo uma cidade ainda, estamos lapidando Brasília”, orgulha-se. Diferentemente do que muitos defendem, o brasiliense acredita que a particularidade da capital é o aconchego. “Aqui, as pessoas têm um zelo muito grande pelo próximo. Por mais que as pessoas falem que os moradores são frios, onde eu convivo, vemos muitos que se ajudam, preocupados com quem precisa”, diz.
Essa característica incentivou o professor a valorizar ainda mais o local em que mora. Em seu prédio, aproveitou a área pública para fazer uma academia e ajudar os moradores vizinhos a manterem o físico. “Sou um cara que gosta de viver isso aqui, essa vivência e aproveitar áreas públicas”, pontua. Para os próximos anos, planeja crescer com a capital. “O que eu desejo é que a gente tenha mais 61 um anos de uma cidade que é construída pelo povo, pelo amor de cada trabalhador. Brasília foi construída pelo sonho de cada morador em transformá-la em uma cidade melhor”, acrescenta.
Chances e oportunidades
Nascida em Goiás, a comerciante Marli Abrantes, 45, mudou-se para o Distrito Federal em busca de melhoria nos estudos. Desde então, trabalhou em diferentes áreas e hoje mantém uma banquinha de bolsas na Feira de Ceilândia. De acordo com a comerciante, a vida foi impactada pela pandemia. “Nós sofremos bastante nos últimos meses”, conta.
Para Marli, Brasília é uma cidade que oferece muitas chances. “As pessoas conseguem sobreviver de qualquer forma. Se estiverem dispostas a trabalhar, conseguem sobreviver, enquanto em outros lugares as coisas não são tão fáceis assim”, defende. Em uma cidade que cultua diferentes religiões, Marli é o retrato de alguém que mantém a fé na vida. Cristã, a comerciante explica que agarra sua esperança na fé em Deus. “Eu acredito que Deus está no controle, apesar de tudo”, completa.
Entre amigos e vizinhos
Há 47 anos a dona de casa e goiana Deusa Gomes Barbosa, 70, chegava a Brasília. Aqui, casou e teve a oportunidade de viver uma grande paixão: a família. Moradora da Asa Sul, teve três filhos e duas netas e, hoje, partilha a sua história com a capital. “É uma cidade tão acolhedora, ela me recebeu de braços abertos, como uma mãe recebe seus filhos”, exemplifica.
De acordo com Deusa, ao chegar aqui, se encantou pelo estilo de vida. “Conheci Brasília sem violência, onde todos eram amigos, onde a porta da sua casa ficava aberta. Mesmo hoje, da janela da minha casa, vejo o quanto a minha cidade é bonita”, diz. Parte dessa beleza teve participação da dona de casa. “Muitas árvores que dão sombra aos prédios da cidade, muitos ipês foram plantados por mim. E isso enche meus olhos de água, quando os vejo florindo, vejo que meus filhos estão bem estruturados”, conta.
“Essa cidade me deu muitos amigos. Quando meus filhos eram pequenos, íamos até o parquinho, e lá conversávamos com a vizinhança, tornamos amigas. Foi assim que construí minhas relações. Aqui, se eu gritar qualquer um da vizinhança me acode”, conta. O amor pela cidade fez com que Deusa se tornasse uma das prefeitas mais antigas da 212 Sul. “Eu vi o progresso desse lugar, vi essa Brasília crescer”, diz.
Viúva há 18 anos, Deusa conta que divide as memórias do marido com a capital. Para a dona de casa, o vínculo com a cidade vem do convívio com as diferentes pessoas que fizeram parte da sua história. “Os amigos dos meus filhos vêm desde a infância. Esse convívio diário, essa troca de informação nas quadras, traz uma boa energia que faz a gente não querer sair daqui”, garante.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.