Em um ato sem precedentes, os jogadores da NBA (liga americana de basquete) boicotaram as partidas dos playoffs agendadas para ontem e quarta-feira em protesto contra o racismo e a violência policial por conta dos sete tiros disparados por policiais nas costas de Jacob Blake, um homem negro, de 29 anos, no estado de Wisconsin.
Este movimento, que colocou em xeque a continuidade do torneio, foi seguido por outros esportes nos Estados Unidos, com a suspensão de jogos de beisebol, de futebol e o adiamento das semifinais do torneio de tênis de Cincinnati, do qual a japonesa Naomi Osaka anunciou que não participaria mais.
Indignados pelo ataque a Blake, baleado diante dos filhos, em um novo episódio da brutalidade policial contra a população negra nos Estados Unidos, o Milwaukee Bucks, equipe que representa justamente o estado de Wisconsin, onde ocorreu a agressão, foi o primeiro a boicotar a jornada ao não ir à quadra do complexo esportivo da Disney World, na quarta-feira, para a quinta partida da série da primeira fase dos playoffs contra o Orlando Magic.
Esta decisão gerou uma reação em cadeia envolvendo outras franquias que deveriam jogar no mesmo dia, forçando o adiamento dos confrontos entre Houston Rockets e Oklahoma City Thunder e entre Los Angeles Lakers e Portland Trail Blazers.
À noite, todas as equipes reuniram-se na Disney World para definir posições sobre o futuro dos playoffs, que terminam em meados de outubro. O Los Angeles Lakers e o Clippers, grandes candidatos ao título desta temporada, foram os únicos que votaram pelo boicote para o resto da competição.
No final da reunião, da qual LeBron James, do Los Angeles Lakers, saiu antes do final, os jogadores encontraram-se para marcar uma nova conversa na manhã de ontem, coincidindo com uma conferência convocada pelo Comissário da NBA, Adam Silver, com os proprietários das equipes.
“LeBron James disse na reunião que deseja que os proprietários (dos times) se envolvam mais e ajam”, disse Shams Charania, jornalista do The Athletic, sobre o encontro, que também avaliou as consequências econômicas que o cancelamento poderia gerar. Pedindo mudanças, o astro dos Los Angeles Lakers tem convocado a população a comparecer às próximas eleições presidenciais, programadas para novembro.
Os protestos de ontem e quarta-feira são uma escalada dramática na luta da NBA pela igualdade racial, intensificada desde o assassinato do afro-americano George Floyd por um policial branco de Minneapolis em maio.
Para encontrar um precedente para essas ações, é preciso voltar a 1961, quando Bill Russell, um dos melhores jogadores da história, e vários companheiros negros do Boston Celtics recusaram-se a jogar uma partida de pré-temporada em Lexington, Kentucky, após não serem atendidos em um restaurante por serem negros.
Política
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, criticou, ontem, os protestos contra a violência policial realizados por times de elite de basquete e acusou a NBA de ter se tornado uma organização política. “Não sei muito sobre o protesto da NBA. Sei que a audiência tem sido muito ruim, porque acho que as pessoas estão um pouco cansadas da NBA”, disse Trump, em Washington. “Eles tornaram-se uma organização política e isso não é bom”, acrescentou.
Mais cedo, Jared Kushner, genro e conselheiro do presidente dos Estados Unidos, ironizou os jogadores da NBA ao afirmar que eles “se dão ao luxo” de protestar contra o racismo e a brutalidade policial com um boicote à competição. “Os jogadores da NBA podem se dar ao luxo de tirar uma noite de folga do trabalho”, disse Kushner em entrevista ao site Político. “Por causa das finanças, a maior parte dos americanos não pode se permitir ao luxo de fazer isso”, acrescentou. “Acho bonito que estejam defendendo essa causa, mas gostaria de vê-los agir para encontrar uma solução concreta”, alfinetou.
Quando foi dito a Kushner que James havia iniciado pessoalmente várias iniciativas para tratar do assunto, o conselheiro do presidente respondeu que estava pronto para trabalhar junto com ele. “Se LeBron James entrar em contato com a Casa Branca, e nós entrarmos em contato com ele, ficaremos felizes em falar com ele e dizer: ‘Olhe, vamos chegar a um acordo sobre o que queremos alcançar”, disse Kushner. “Vou contactá-lo. Acho que o protesto pacífico tem lugar e importância. Não se melhora a equidade econômica com protestos e queimando lojas”, acrescentou.
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Revolta e desejo por mudanças
Antes de se concentrarem a portas fechadas na Disney World, os jogadores decidiram com a NBA que o final da temporada seria dedicado a exigir mudanças em favor da igualdade racial e contra a brutalidade policial contra a população negra.
Desde o reinício das partidas, em 31 de julho, os jogadores realizam protestos diários, como ficar de joelhos durante o hino americano, trocar os nomes nas camisas por mensagens sociais e exigir continuamente a prisão dos responsáveis pelos casos de agressão policial.
Mas, nas últimas semanas, a frustração entre os jogadores tem crescido com a falta de resultados que eles percebem nas reivindicações. “Viemos aqui por uma razão, para usar nossa plataforma para enviar uma mensagem”, disse o camaronês Pascal Siakam, do Raptors. “Mas parece que estamos presos, que as coisas não estão mudando”, acrescentou.
O boicote da NBA recebeu apoio parcial em outras competições esportivas, como a liga de beisebol (Major League Baseball — MLB), na qual três dos 15 jogos do dia foram suspensos, e a liga de futebol (Major Soccer League — MLS), com cinco dos seis jogos adiados.
O exemplo foi seguido no torneio de tênis de Cincinnati, que suspendeu as partidas programadas para ontem, dia em que seriam realizadas as semifinais da competição.
A decisão, tomada em conjunto pela Federação de Tênis dos Estados Unidos (USTA), a ATP e a WTA, foi anunciada na quarta-feira logo após a japonesa Naomi Osaka ter aderido ao boicote iniciado por jogadores da NBA e anunciado que não participaria das semifinais deste torneio, que integra o circuito ATP Masters 1.000 e o WTA Premier.
“Antes de ser uma atleta, eu sou uma mulher negra. E, como uma mulher negra, sinto que há questões muito mais importantes que precisam de atenção imediata, em vez de me ver jogando tênis”, escreveu Osaka, número 10 no ranking WTA, que, ontem, concordou em retomar a competição a partir de hoje.
NFL
Vários times da liga de futebol americano (NFL) cancelaram os treinos programados para ontem, unindo-se aos protestos da NBA e de outros esportes por conta da violência policial contra Jacob Blake. As equipes do Green Bay Packers, Indianapolis Colts e New York Jets lideraram a iniciativa.
“Os Colts não vão treinar”, informou a franquia de Indianápolis em um comunicado. “Em vez disso, a equipe usará o dia para discutir e trabalhar para causar um impacto social duradouro e mudanças inspiradoras em nossas comunidades.”
O Washington Football Team também adiou um jogo-treino. “Continuaremos nosso diálogo sobre as questões de racismo e injustiça social em nosso país”, escreveu o técnico Ron Rivera.