Em tempos de discussão sobre possíveis conceitos ultrapassadaos de alguns técnicos do futebol brasileiro e a necessidade de modernização, o italiano Arrigo Sacchi orgulha-se de ter sido o ponto fora da curva na Itália do fim dos anos 1980. Na contramão do legado defensivista e pragmático consolidado por nomes como Gipo Vianni, Nereo Rocco e Helenio Herrero, o então jovem treinador nascido em Fusignano, com pouco mais de 7,5 mil habitantes, na província de Ravenna, ousou pensar fora da caixinha.
Sachi gostava de times que atacavam. Isso bastou para diferenciá-lo ao assumir o Milan, em 1987. “Quando comecei, dava-se maior atenção à fase defensiva. Nós tínhamos um líbero e e marcávamos individualmente. A fase ofensiva ficava a cargo da inteligência e do bom senso individidual e da criatividade do número 10. A Itália tem uma cultura defensiva não apenas no futebol. Durante séculos, fomos invadidos por todo mundo”, diz o treinador de 74 anos no livro A Pirâmide Invertida sobre a história da Tática no futebol, de Jonathan Wilson. “Eu me convenci de que o verdadeiro problema era a nossa mentalidade, que era preguiçosa e defensiva”, complementa o italiano de 74 anos.
Foi questão de tempo para Sacchi causar uma revolução no futebol italiano, europeu e mundial. De 1987 a 1991, empilhou oito títulos na primeira passagem pelo Milan. Levou o clube ao bicampeoanto na Copa da Europa, atual Champions League, e na Copa Intercontinental, rebatizado de Mundial de Clubes, nas temporadas de 1989 e 1990.
Enquanto a maioria dos treinadores locais não se desapegavam do jeito italiano de programar os times e os estrangeiros adaptavam-se a ele, Sacchi pregava o contrário. “Se você quer entrar para a história, não é suficiente apenas ganhar, você precisa entreter. Grandes times têm uma coisa em comum, independentemente de épocas e táticas. Eles são os donos do campo e da bola. Isso significa que, quanto tem a bola, você dita o jogo e, quando está defendendo, você controla o espaço”, argumentava à época.
Fiel a suas convicções, Sacchi levou a Itália à final da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. Perdeu para o Brasil, de Carlos Alberto Parreira, nos pênaltis. O revés não mudou seus conceitos. “Um bom técnico é escritor e diretor. O time tem de ser um reflexo dele”.
Em janeiro deste ano, o italiano esteve em Fortaleza na Seleção de Lendas organizado pela CBF para comandar a Itália contra o Brasil na comemoração dos 25 anos do tetra na Copa de 1994. Em um bate-papo exclusivo com o Correio no hotel em que os veteranos de Brasil e Itália estavam hospedados, Sacchi falou sobre a crise dos técnicos brasileiros, fez críticas ao individualismo nas seleções sul-americanas, especificamente Brasil, Argentina e Uruguai, e definiu o melhor jogador do país, Neymar, de maneira curta e grossa.
Sensível à paixão dos brasileiros pelo futebol, contou que ficou encantado ao ver, da janela do apartamento no hotel, crianças brincando de bola à meia-noite nas areias do Mucuripe, na Avanida Beira-Mar. “Fiquei encantado”, sorriu o veterano de poucas risadas, fã de três timaços que o inspiraram: Honvéd (Hungria), Real Madrid, o Brasil de 1970, de Mário Jorge Lobo Zagallo, e a Holanda de 1974, de Rinus Michels.
O senhor deixou a Itália e a Europa chocadas ao revolucionar o Milan com novos conceitos e títulos em série. Hoje, no Brasil, há uma sensação de que os treinadores brasileiros estão ultrapassados. Falta um “Arrigo Sacchi” por aqui capaz de ir na contramão da mesmice?
Acho que a evolução é uma discussão mundial. Todos devem evoluir. Essa discussão é maior, agora, do que no passado. Entretanto, não se pode viver do passado. Temos que viver do futuro. É uma evolução difícil. Mudar não é tão simples, mas é preciso fazer isso, ao menos tentar. Esse debate existe no Brasil, na Itália, onde moro, e em todo o mundo.
A evolução dos treinadores está atrasada no Brasil?
Alguns países estão mais adiantados, outros, um pouco menos. Creio que todos estamos um pouco atrasados. Quem perde um ano (não ganha título) é considerado velho, ultrapassado. Vivemos uma revolução, não apenas uma evolução. Quando se perde um ano, se perde tudo.
Há esse tipo de debate na Itália?
Temos problemas também na Itália. Mudar não custa nada. Tentamos parar o tempo, mas tempo não se para. Isso vale para Itália, Brasil, para todo o mundo. Há países mais adiantados, posso assim dizer.
O português Jorge Jesus levou o Flamengo ao título brasileiro no ano passado. Qual é o legado para o futebol brasileiro desse feito tão raro?
Isso é um sinal de evolução. O Brasil passou a ter treinadores com ideias mais avançadas. Na Inglaterra, há Pep Guardiola, Jürgen Klopp. Todos tentam fazer algo mais. O mundo está curioso para saber como será o futuro e esses treinadores não têm medo do futuro. O homem que não é curioso tenta recorrer ao passado. Não pode.
O senhor perdeu a Copa de 1994 para o Brasil. Vinte anos depois, viu a Seleção perder por 7 x 1 para a Alemanha em uma semifinal de Copa. O que acontece com os pentacampeões?
O Brasil tem um monte de títulos porque tem um amor impressionante pelo futebol. Em Fortaleza, vi da janela do hotel meninos brincando de bola à meia noite (na orla da praia). O Brasil precisa pensar em um futebol mais coletivo e menos individual.
As últimas quatro seleções campeãs do mundo são europeias: Itália (2006), Espanha (2010), Alemanha (2014) e França (2018). Quando a América do Sul voltará a ser campeã?
Repito: o Brasil precisa pensar mais coletivamente. Não é fácil porque os jogadores não foram acostumados assim. Argentina e Uruguai também, embora uns tenham passado recentemente por bons momentos e outros menos (Uruguai foi quarto em 2010, o Brasil quarto em 2014 e a Argentina vice-campeã em 2014).
O senhor disse uma vez ao falar sobre o fantástico Milan dos anos 1980 que não queria solistas, queria uma orquestra. O que pensa sobre Neymar?
É um jogador talentoso que gosta de jogar mais para si do que para os outros.
A Itália ficou fora da Copa de 2018. Por que a seleção vive um momento tão difícil?
Na vida sempre há momentos difíceis. Nem sempre estamos acima. É importante que tentemos melhorar.
O senhor é o maestro daquele memorável 4-4-2 do Milan, que se transformava em tudo, menos 4-4-2 quando o time tinha a posse da bola. Qual era o segredo?
Raramente estávamos no 4-4-2. Pensavam que jogávamos no 4-4-2, mas tínhamos muita movimentação (risos). Era um time em que os jogadores, e não as posições, eram fundamentais. Certa vez, ao falar sobre aquele Milan, eu disse que, quando tínhamos a posse, eu sempre exigia cinco jogadores à frente da bola. E sempre havia homens abertos dos dois lados. Mas poderia ser qualquer um. Nem sempre eram os mesmos.
Quem é ele
Arrigo Sacchi
Nascimento: 1º/4/1946
Local: Fusignano, Itália
Clubes como treinador: Fusignano (1973-1976), Alfonsine (1976-1977), Bellaria (1977-1978), Cesena (1978-1982), Rimini (1982-1983), Fiorentina (1983-1984), Rimini (1984-1985), Parma (1985-1987), Milan (1987-1991), Itália (1991-1996), Milan (1996-1997), Atlético de Madrid (1998-1999) e Parma (2001).
Títulos
» Parma
Série C1 (1985/1986)
» Milan
Campeonato Italiano (1987/1988), Supercopa da Itália (1988), Copa dos Campeões da Europa (1989 e 1990), Supercopa da Europa (1989 e 1990) e Copa Intercontinental (1989 e 1990)
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