CASO ROBINHO

Quando a bola não pune

 Suspensão do contrato do Santos com o atacante após condenação por estupro na Itália e pressão popular é rara no futebol brasileiro. Times fazem vista grossa e acusados seguem com as portas abertas no mercado

Maíra Nunes
postado em 17/10/2020 00:45
 (crédito: Ivan Storti/Santos FC)
(crédito: Ivan Storti/Santos FC)

A quarta passagem de Robinho pelo Santos virou uma bomba relógio que explodiu, ontem, com efeito devastador para a imagem e as finanças do centenário clube paulista. Condenado por violência sexual de grupo, em 2013, contra uma mulher de origem albanesa, numa boate chamada Sio Café, em Milão, o jogador de 36 anos teve o contrato suspenso depois de o clube ser pressionado pela opinião pública, patrocinadores e parceiros comerciais depois que o site GE.com obteve transcrições de interceptações realizadas com autorização judicial.

As escutas atestam que Robinho revelou ter participado do ato que levou a vítima a acusar o atacante e amigos do estupro coletivo. Em 2017, a Justiça italiana baseou-se nos grampos para condenar o ex-atleta do Santos, Real Madrid, Manchester City, Milan, Atlético-MG, Guangzhou Evergrande, Sivasspor e Basaksehir. Anunciado como reforço no sábado passado, o jogador teve o nome regularizado no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF na última segunda-feira. O Conselho Deliberativo do Santos havia agendado reunião para a próxima semana a fim de vetar o acerto, mas a situação ficou insustentável. O clube anunciou a quebra do acordo em nota oficial. O jogador gravou vídeo nas redes sociais prometendo provar inocência. A análise do processo em segunda instância na Justiça italiana está prevista para começar em 10 de dezembro.

Casos semelhantes ao de Robinho mostram que a maioria dos jogadores envolvidos em violência contra mulheres segue com as portas abertas em clubes. O mundo da bola nem sempre os pune. Recentemente, um atacante de 24 anos condenado a um ano e quatro meses em regime aberto por lesão corporal em violência doméstica contra a então namorada estreava na Série A do Brasileiro pelo Bragantino.

Trata-se de Wesley Pionteck. Ele atuou a primeira vez pelo clube paulista contra o Atlético-GO. No gol adversário, por sinal, o goleiro titular da equipe goiana era Jean, ex-São Paulo, que foi detido nos Estados Unidos, há menos de um ano, acusado pela ex-mulher de agredi-la em um hotel durante as férias com as duas filhas, em Orlando. O caso ganhou repercussão nacional, mas não criou obstáculos às carreiras desses atletas.

Em junho, o alvo de acusações de violência doméstica foi Dudu, ex-atacante do Palmeiras. Em 2017, o atacante Juninho Piauiense, revelado pelo Sport. Jobson, ex-Brasiliense e Botafogo esteve no centro de duas denúncias. Até o autor do crime mais chocante do futebol brasileiro mantém espaço em clubes de futebol.

O goleiro Bruno, condenado e preso em 2010 por planejamento e participação no sequestro e assassinato de Eliza Samudio, atualmente defende o Rio Branco-AC. Situação que se repete há décadas. Em 2004, o campeão mundial e hoje comentarista Vampeta foi acusado pela mãe dos filhos de agressão e nada aconteceu. O volante ainda atuou em cinco clubes brasileiros antes de se aposentar e, atualmente, é dirigente do Grêmio Osasco.

Enquanto os clubes tentam driblar a Justiça, parte das torcidas e a sociedade assumem o papel de pressionar os dirigentes fora dos gramados. Há sensação de impunidade em relação à violência cometida contra as mulheres no Brasil, ao passo que movimentos organizados para lutar contra a cultura machista e patriarcal ganham força e visibilidade por meio das redes sociais.

Mas ,existe uma resistência forte no meio esportivo. Até ontem, dirigentes do Santos passaram por cima das críticas e confirmaram a contratação de Robinho, alegando respeitar a presunção da inocência e o respeito ao devido processo legal. “Infelizmente, vivemos na era dos cancelamentos, da cultura dos tribunais da internet e dos julgamentos tão precipitados quanto definitivos”, publicou o clube, em nota. Ontem, diante da pressão popular após as transcrições obtidas pelo GE.com, o clube cedeu e anunciou a suspensão do contrato de Robinho.

“O Santos Futebol Clube e o atleta Robinho informam que, em comum acordo, resolveram suspender a validade do contrato firmado no último dia 10 de outubro para que o jogador possa se concentrar exclusivamente na sua defesa no processo que corre na Itália”

Nota oficial do Santos Futebol Clube

“Com muita tristeza no coração, tomei a decisão de suspender meu contrato neste momento conturbado da minha vida. Meu objetivo sempre foi ajudar o Santos. Se, de alguma forma, estou atrapalhando, é melhor que eu saia e foque nas minhas coisas pessoais. Vou provar minha inocência”

Robinho, em vídeo nas redes sociais

Perguntas
e respostas

Entenda o escândalo em oito tópicos

1. Do que Robinho é acusado?
De acordo com a investigação, Robinho e outros cinco amigos levaram a mulher ao camarim de uma boate chamada Sio Café, em Milão, e lá abusaram sexualmente dela. O caso aconteceu em 22 de janeiro de 2013, quando ele era do Milan. Os outros suspeitos deixaram a Itália e fazem parte de um outro processo.

2. O que diz o processo?
Transcrições de interceptações telefônicas realizadas com autorização judicial e divulgadas pelo GE.com mostraram que Robinho revelou ter participado do ato que levou a mulher albanesa a acusar o jogador e cinco amigos de estupro coletivo, em Milão.

3. O que diz Robinho?
Além da interceptação telefônica com autorização da Justiça, a polícia italiana instalou grampo no carro utilizado por Robinho no país. Em um dos diálogos com o músico Jairo Chagas, que tocou na boate em Milão na noite do episódio, o jogador revelou que a vítima estava alcoolizada. “Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava bêbada, não sabe nem o que aconteceu”, diz Robinho.

4. Admissão
Em outro trecho da conversa, Robinho confirma que tentou transar com a mulher. O músico ressalta que viu o atleta “quando colocava o pênis dentro da boca dela”.

5. Defesa
Os advogados do atleta afirmaram que houve “equívoco de interpretação” em relação às conversas gravadas com autorização judicial e negam que o atacante seja culpado. Para eles, houve erro de interpretação da Justiça na tradução dos diálogos para italiano.

6. Palavra dos advogados
Segundo Alexander Guttieres, Franco Moretti e Marisa Alija, responsáveis pela defesa de Robinho, “o jogador reitera que não cometeu o crime do qual é acusado e que sempre que se relacionou sexualmente foi de maneira consentida”, diz trecho da nota oficial. Segundo o texto, o jogador afirmou que “não houve violência sexual, tampouco admissão de culpa nas interceptações”.

7. E agora?
A decisão do tribunal de Milão, proferida em 2017, não é definitiva e foi alvo de contestação das defesas do jogador do Santos e de Ricardo Falco, o outro amigo condenado. Os advogados dos dois apresentaram recurso e ambos respondem em liberdade. Há mais duas instâncias na Itália até o trânsito em julgado da ação.

8. Expectativa
Os advogados de Robinho afirmam: “Confiamos na Justiça italiana, no sucesso do recurso defensivo e na reforma da decisão, conscientes de que a submissão do feito às instâncias superiores permite justamente evitar erros judiciários e condenações injustas”, concluem os defensores.

9. E os patrocinadores?
A primeira a tomar a iniciativa foi a Orthopride, que rompeu o contrato de patrocínio que tinha com o clube até fevereiro de 2021. A empresa de ortodontia estética estampava a marca no número das camisas e não quis ter seu nome atrelado a um jogador condenado por estupro. Outras nove divulgaram notas de repúdio.

10. Diretoria
A contratação de Robinho estava na pauta da próxima reunião virtual do Conselho Deliberativo. Os membros têm poder de fiscalização das ações da diretoria e poderiam vetar a contratação, que agora deve fazer burbulhar o ambiente político na Vila. O clube vive momento de turbulência, com o afastamento do presidente José Carlos Peres. Orlando Rollo está no cargo até a eleição, em dezembro.

Memória

Eles também foram acusados de violência contra a mulher: saiba o que aconteceu com seis jogadores e em qual clube atuam

» Jean
O goleiro foi detido nos EUA após ter sido acusado pela ex-mulher, Milena Bemfica, de agredi-la no hotel Marriot Fairfield, em Orlando, na Flórida, durante as férias de dezembro de 2019 com as duas filhas do casal. Ela publicou vários vídeos em que aparece com hematomas e ferimentos no rosto que teriam sido provocados por Jean, então atleta do São Paulo. A Justiça dos EUA determinou a soltura do jogador e determinou que ele deveria ficar afastado da vítima. O São Paulo suspendeu o contrato com o goleiro. Atualmente, ele defende o Atlético-GO.

» Wesley Pionteck
O atacante de 24 anos anunciado em outubro pelo Bragantino foi condenado em outubro de 2019 por lesão corporal em violência doméstica contra a então namorada. A defesa do jogador recorreu da decisão, mas a condenação foi mantida em segunda instância. Wesley cumpre pena definitiva de um ano e quatro meses em regime aberto e estreou no time paulista contra o Atlético-GO, no domingo passado. Dias antes, teve mandado de prisão expedido. Advogado do atleta disse que houve equívoco, pois ele não recebeu intimação.

» Dudu
O ex-atacante do Palmeiras foi acusado pela ex-mulher de violência doméstica e lesão corporal registrada em boletim de ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, em junho. Dudu se apresentou na delegacia no mesmo dia e negou as agressões. O casal havia se separado. Em 2013, quando atuava pelo Dínamo de Kiev, da Ucrânia, Dudu também foi acusado de agredi-la com socos na cabeça e puxões de cabelo. Pagou fiança de R$ 12 mil e dois anos depois foi condenado a cumprir serviços comunitários. Dudu deixou o Palmeiras recentemente rumo ao Al-Duhail, do Catar.

» Jobson
A revelação do Brasiliense, com passagem pelo Botafogo, foi presa, em 2013, acusado de agredir a então esposa Thayane Bárbara após discussão. Em 2016, acusado de estupro de quatro adolescentes, sendo duas de 13 e duas de 14 anos, em Conceição do Araguaia (PA). Segundo uma das vítimas, Jobson aliciava as menores para uma chácara, onde as embriagava e entorpecia para abusá-las sexualmente. O jogador foi preso preventivamente e solto três meses depois, mediante pagamento de fiança para responder em liberdade. Hoje, defende o Campinense-PB.

» Carlos Alberto
O ex-jogador, com passagem por Fluminense e Vasco, foi acusado pela então esposa, Carolina Bernardes, de tê-la agredido com socos no rosto e quebrado a costela dela no fim de 2014, quando deixou o Botafogo. Em fevereiro do ano seguinte, o meia teria quebrado o carro da mulher, que deu parte na polícia. A Justiça obrigou o afastamento do atleta e expediu medida protetiva para que ele saísse da casa onde morava com a esposa e os dois filhos do casal. O caso não o impediu de seguir jogando. Carlos Alberto encerrou a carreira em 2019, no Boavista.

» Bruno
Condenado e preso em 2010 por planejamento e participação no sequestro e assassinato de Eliza Samudio, modelo de 25 anos com quem teve um filho, o ex-goleiro do Flamengo teve pena estipulada em 22 anos e três meses de prisão. Em 2014, enquanto estava sob detenção em regime fechado, o Montes Claros (MG) assinou contrato com o goleiro. Em 2017, após conseguir habeas corpus no STF, foi anunciado pelo Boa Esporte. O jogador de 35 anos ainda cumpre pena em regime semiaberto. Atualmente, joga no Rio Branco, do Acre.

Ivan Storti/Santos FC

Robinho estava liberado pela Confederação Brasileira de Futebol para estrear e treinava com os companheiros no Centro de Treinamento Rei Pelé

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