Aos 21 anos, Hugo Souza tornou-se titular do gol do Flamengo em um dos episódios mais dramáticos do time profissional. O elenco sofreu surto da covid-19. O jovem goleiro agarrou a oportunidade com a mesma eficiência com que tem protegido o arco rubro-negro. Assim, saltou de quarto para firmar-se como segundo goleiro do atual campeão do Brasil e da América enquanto Diego Alves se recupera de contusão. Hoje, às 21h30, diante do Junior Barranquilla da Colômbia, o jovem talento da Gávea deve voltar a campo para a segunda partida dele na Libertadores — a oitava consecutiva como titular. Neneca, como é carinhosamente chamado, amplia a representatividade dos jogadores negros na posição nesta edição do torneio continental.
Na maior competição de clubes da América deste ano, apenas nove dos 32 clubes que disputam a fase de grupos contam com goleiros negros entre os titulares. Não chega a 30% das equipes. Entre eles, Máximo Banguera, do Delfín; Cristhian Jesús Flores Ramírez, do Caracas; e Andrés Mosquera, do Independiente Medellín. Na Série A do Campeonato Brasileiro, a representatividade negra debaixo das traves é bemmenor: 15%, contando com Hugo, no Flamengo. Além dele, há Everson no Atlético-MG e Santos no Athlético-PR.
“Assim como nas demais carreiras e atividades humanas da sociedade brasileira, há seguramente um racismo estrutural no futebol. Creio que há também uma manifestação racista no gol”, pontua Elói Ferreira, ex-ministro da igualdade racial e o único vice-presidente negro de um clube da primeira divisão do futebol brasileiro, no Vasco. Ele observa que, ao passo que tantos jogadores talentosos como Pelé encantaram o mundo, o racismo resiste em uma ou outra posição dentro do campo e, principalmente, fora dele.
“Temos apenas um presidente negro na Série A e B do Brasileirão. Eu sou o único vice-presidente negro e quantos técnicos negros temos agora na elite?”, questiona Elói. O dirigente também embaixador do Movimento Ar, uma movimentação de combate ao racismo liderado pela Universidade Zumbi dos Palmares. Ele se referia a Sebastião Moreira Arcanjo, o Tiãozinho, que ocupa o cargo máximo da diretoria da Ponte Preta, sendo o único presidente negro entre os 40 times das duas principais divisões do futebol nacional.
Tal exclusão ocorre de forma velada. “Não é à toa que muitos atletas negros raspam o cabelo e chegam até a treinar na sombra para não se reconhecerem negros. O objetivo é de serem incluídos. É o retrato do racismo”, observa Elói. Entender esse processo tão enraizado e cruel leva tempo. A história do futebol tem personagens marcados por ele. E ganhar status de vilão dentro de campo também pode ser muito mais proeminente aos jogadores negros que aos brancos, principalmente, quando se trata de goleiro.
O Maracanazo, em que o Brasil perdeu a Copa de 1950 em casa, teve vilão com nome, sobrenome e cor: o goleiro negro Barbosa. “É uma manobra escapatória de uma profunda crueldade e de uma demarcação racista que procura excluir até outros atletas negros para aquela posição”, pontua Elói. “É que o racismo é forte, e se usa de uma forma tão brutal, apesar de ser suavizado”, completa.
Assim como o ex-ministro, a filósofa e escritora Djamila Ribeiro questionou, à revista Carta Capital, os motivos de a goleada para a Alemanha por 7 x 1 na Copa de 2014 ter tido a culpa compartilhada, enquanto o trauma de 70 anos antes recair quase que exclusivamente em apenas um culpado.
Elói Ferreira responde à Djamila com outra pergunta: “Quem era o goleiro do Brasil na Copa de 2014? Não era um negro, certo?”. O dono do posto naquele fatídico dia era Julio Cesar. Após Barbosa, titular do Brasil em 1950, a Seleção teve dois goleiros titulares negros em Mundiais: Manga, em 1966, e Dida, em 2006, após ter sido reserva nas Copas de 1998 e 2002.
Vítima de um dos episódios mais cureis de racismo explícito no futebol, o ex-goleiro Aranha comentou sobre as consequências na carreira após denunciar xingamentos racistas direcionados a ele quando defendia o Santos contra o Grêmio, em Porto Alegre, pela Copa do Brasil de 2014.
Eles são minoria embaixo da trave
Os nove goleiros negros titulares entre os 32 times da Libertadores
Hugo Souza – Flamengo
Máximo Banguera – Delfín-EQU
Cristhian Flores – Caracas-VEN
Andrés Mosquera – Ind. Medellín-COL
Javier Rojas – Bolívar (BOL)
Santos – Athletico-PR
Brayan Cortés – Colo-Colo-CHI
Raúl Fernández – Binacional-BOL
Esteban Andrada – Boca Juniors-ARG
Apenas três dos 20 times do
Brasileirão têm titulares negros
Hugo Souza – Flamengo
Santos – Athletico-MG
Everson – Atlético-MG
“Assim como nas demais carreiras e atividades humanas da sociedade brasileira, há seguramente um racismo estrutural no futebol. Creio que há também uma manifestação racista no gol. Temos apenas um presidente negro nas Séries A e B do Brasileirão. Sou o único vice-presidente negro e quantos técnicos negros temos na elite?”
Elói Ferreira, ex-ministro da igualdade racial e o único vice-presidente negro de um clube da primeira divisão do futebol brasileiro
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