entrevista Mizael Conrado

"Era a melhor possível"

Presidente do CPB explica ao Correio como pandemia alterou o planejamento para os Jogos de 2021

Maíra Nunes
postado em 24/10/2020 22:12

Assim como a ousadia dentro de quadra que o consagrou como o melhor jogador do mundo do futebol de 5 (disputado por atletas com deficiência visual) em 1998, Mizael Conrado tem se mostrado destemido nas decisões tomadas à frente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) diante da “maior crise que a nossa geração enfrentou e enfrentará”. Em entrevista ao Correio, o presidente da entidade avalia a decisão de cancelar as competições internacionais no Brasil antes mesmo de o governo federal restringir a entrada de estrangeiros no país e sobre fechar o Centro de Treinamento Paralímpico quando ainda não se falava em isolamento social no país.

O bicampeão paralímpico e mundial é taxativo ao não acreditar na realização dos Jogos Paralímpicos, caso a vacina contra a covid-19 não seja desenvolvida até dezembro deste ano. Ainda assim, Mizael pondera que não cabe ao Brasil fazer um planejamento pensando na hipótese de cancelamento. Difícil negar a frustração de ter o principal evento mundial adiado em um estágio em que o presidente apostava em uma participação “épica” da delegação brasileira em termos de resultados.

Sem perder as esperanças na ciência, que corre contra o tempo para desenvolver uma forma eficaz e segura de prevenção contra o novo coronavírus, Mizael ressalta o impacto coletivo da eventual realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. “Será um momento de congregação mundial jamais experimentado por nenhum de nós. Os Jogos serão a vitória da humanidade sobre o vírus”.

Existe um risco de os Jogos de Tóquio não serem disputados entre agosto e setembro de 2021?
Não devemos fazer um planejamento pensando na hipótese de cancelamento. Mas temos dito, em várias ocasiões, que não acreditamos na realização dos Jogos se a vacina não for desenvolvida até o mês de dezembro.

Se for confirmada a realização dos Jogos de Tóquio, qual mensagem o evento trará após a chegada da pandemia e o adiamento inédito?
Os Jogos Paralímpicos de Tóquio serão a vitória da humanidade sobre o vírus. Caso eles venham a ser realizados, será porque o mundo terá superado, de alguma maneira, essa crise. É a maior crise entre todas que a nossa geração enfrentou e vai enfrentar. A eventual realização, uma edição de Jogos Olímpicos e Paralímpicos, será um momento de congregação mundial jamais experimentado por nenhum de nós.

Qual a expectativa em termos de resultado para o Brasil em Tóquio?
Nossa expectativa era a melhor possível. Nós imaginávamos fazer a melhor participação agora nos Jogos de Tóquio. Por uma razão muito simples, os Mundiais que antecedem os Jogos são um retrato do que aconteceria em Tóquio. Nós tivemos um 2019 com excepcionais participações do Brasil em Mundiais. Para se ter uma ideia, somente no atletismo conquistamos 39 medalhas no Campeonato Mundial, 14 de ouro. A melhor participação brasileira na história. No Mundial anterior, o Brasil conquistou 21 medalhas, oito de ouro. Então, realmente, isso indicava que o Brasil faria uma participação épica nos Jogos.

Com a pandemia, tudo mudou…
Com essa pandemia fica difícil fazer qualquer tipo de previsão, pois não sabemos quando voltaremos à normalidade. Na Itália, aconteceu um campeonato na semana passada, em que participaram paralímpicos. A rotina de treinos nos países europeus e asiáticos está normal, com condição de oferecer atividade plena para o alto rendimento. Aqui, no Brasil, não sabemos quando teremos. Considerando tudo isso, é muito difícil fazer qualquer tipo de prognóstico.

O CPB foi um dos primeiros a cancelar competições internacionais, o que provocou, inclusive, críticas. Hoje, como avalia essa decisão?
Naquele período, sofremos bastante pressão da comunidade esportiva internacional e de confederação. Ninguém entendia que, enquanto o governo brasileiro não tinha qualquer restrição para entrada de chineses ou residentes de países em que o vírus estava presente, o CPB não permitia competições internacionais. Inclusive, foram divulgadas notas acusando o nosso comitê de discriminação e que estávamos ‘matando’ o sonho dos atletas. Lamentavelmente, o tempo mostrou que estávamos certos. Foram decisões prudentes e provaram que, se tivéssemos optado por um caminho contrário, haveria consequências bem mais dolorosas.

Na sua avaliação, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) demorou para adiar os Jogos de Tóquio? Qual foi a consequência disso?
Essa foi uma decisão majoritariamente tomada pelo Comitê Organizador Local, Comitê Olímpico Internacional e governo japonês. A consequência do adiamento é o prejuízo de refazer o planejamento no momento mais importante do ciclo, que são os Jogos Paralímpicos. Avaliar custos, prazos e estratégias para um novo cenário. E, ainda assim, não temos a certeza de que os Jogos poderão ocorrer a contar pelas condições de saúde atuais.

Quais foram os principais desafios para o CPB no início da pandemia?
O CPB tomou a decisão de fechar o Centro de Treinamento Paralímpico quando ainda não se falava em isolamento social no país. Foi uma decisão difícil, principalmente porque os Jogos de Tóquio ainda estavam marcados para agosto deste ano. No dia seguinte ao fechamento, vimos alguns atletas treinando do lado de fora do CT. O desafio estava ali, em como daríamos um suporte aos nossos atletas naquele momento. Não queríamos que se sentissem abandonados, que fechamos as portas e não poderiam mais contar conosco. Foi a partir dessa necessidade que nasceu o programa de acompanhamento.

Como o CPB agiu para contribuir com a comunidade paralímpica na quarentena?
Em abril, lançamos o Programa de Acompanhamento Técnico aos atletas paralímpicos do mais alto rendimento. Os atletas estavam se expondo ao risco de buscarem locais para treinamentos. Com esse programa, puderam ficar mais tranquilos. O Programa proporciona atendimento virtual com equipe multidisciplinar, formada por fisioterapeutas, fisiologistas, psicólogos, preparadores físicos e os próprios treinadores. A equipe vem acompanhando diariamente esses atletas e elaborando relatórios semanais sobre as condições físicas, psicológicas e nutricionais deles. Em junho, o Programa Movimente-se foi lançado, consolidando o CPB como vanguarda na inclusão da pessoa com deficiência na sociedade.

Como os treinamentos foram retomados à medida em que as atividades foram sendo flexibilizadas?
A reabertura parcial do Centro de Treinamento Paralímpico foi outro desafio. Nossa principal preocupação é com a saúde dos atletas e dos nossos colaboradores. O Protocolo foi elaborado com diretrizes que priorizam a saúde, a vida, e não a performance.

Competições de várias modalidades voltaram, como o futebol. Como está o calendário das competições paralímpicas?
A nossa prioridade segue sendo a integridade e a saúde dos atletas, treinadores, fisioterapeutas, nutricionistas, fisiologistas, e todos os demais profissionais e colaboradores que atuam diariamente no desenvolvimento do desporto paralímpico nacional. Por esse motivo, o calendário de competições do CPB segue suspenso, sem data fixa pré-definida para ser retomada.

De que forma o poder financeiro de cada esporte impacta no retorno das competições?
O fator financeiro é de extrema importância, até para garantir a proteção de todos, ainda mais no caso dos atletas paralímpicos, já que muitos dos quais estão enquadrados como grupo de risco. Neste momento, o mais importante é pensar na saúde e segurança dos nossos atletas.

“Não devemos fazer um planejamento pensando na hipótese de cancelamento. Mas temos dito, em várias ocasiões, que não acreditamos na realização dos Jogos se a vacina não for desenvolvida até o mês de dezembro”

“Nós imaginávamos fazer a melhor participação agora nos Jogos de Tóquio. Nós tivemos um 2019 com excepcionais participações do Brasil em Mundiais. Somente no atletismo conquistamos 39 medalhas, 14 de ouro”

 

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