Por que não meles?

Entenda os motivos de a África não cumprir profecia de Pelé. Ao Correio, autor do primeiro gol da Copa de 90 admite atraso das seleções locais e não vê solução nos próximos 10 anos

Marcos Paulo Lima
postado em 20/11/2020 00:38

Roger Milla, Weah, Eto’o, Drogba, Kanu, Okocha, Abedi Pelé, N’Kono,Yaya Touré, Adebayor, Kanouté, Mané, Aubameyang... Fábrica de diamantes negros do futebol, a África ensaia, há 22 anos, o cumprimento de uma profecia. Em 1998, Pelé previu que uma seleção do continente seria campeã da Copa antes da virada do século.

O Rei pressentiu que aconteceria na França. Em 21 edições, nenhum país do continente chegou sequer às semifinais. Até a Coreia do Sul conseguiu. Camarões (1990), Senegal (2002) e Gana (2010) encantaram, mas o sonho foi adiado nas quartas.

A previsão de Pelé não era tão absurda. Ele notou a evolução do futebol africano. Sensação da Copa de 1990, Camarões chegou às quartas. O Ajax ganhou a Champions League 1995 ostentando no elenco os nigerianos Finidi e Kanu. No mesmo ano, o negro liberiano Weah foi eleito melhor do mundo. Na temporada seguinte, a Nigéria ganhou ouro nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996. Nigéria (1985 e 1993) e Gana (1991 e 1995) arremataram os títulos do Mundial Sub-17.

Há várias razões para o insucesso africano em copas. Um deles, a excessiva contratação de treinadores estrangeiros sem passagem por times de ponta do Velho Mundo, comprometidos mais com o bolso do que com a evolução das seleções. A Copa Africana 2019 tinha 66,6% de treinadores importados. Das 24 seleções, 15 eram comandadas por europeus. Na edição de 2015, os gringos representavam 81%. Dos 16 candidatos ao título à época, três não contavam com europeus à beira do campo.

Técnicos negros são raridade até na Copa do Mundo. Aliou Cissé era a exceção entre os 32 treinadores na Rússia 2018. “Sou o único treinador negro. É uma realidade dolorosa que me incomoda. O futebol é universal. A cor da pele tem pouca importância no jogo”, desabafou.

No ano passado, Cissé levou Senegal à final da Copa Africana contra a Argélia. Perdeu o título, mas segue no cargo há cinco anos. Um milagre na África!

Perseverante, Aliou Cissé confia no cumprimento da profecia de Pelé. “Estou certo de que um país africano vencerá a Copa do Mundo. As coisas se desenvolveram. Porém, aqui, é mais complicado. Temos realidades que não são evidentes em outros continentes. Precisamos de treinadores africanos para o nosso futebol avançar”, cobra.

O Brasil também tem influência negativa no legado africano. Na década passada, os técnicos brasileiros Carlos Alberto Parreira e Joel Santana pouco acrescentaram à África do Sul. Anfitrião da Copa 2010, o país não se classificou para 2014 e 2018.

A principal crítica aos treinadores europeus diz respeito à robotização das joias africanas. Camarões e Senegal chegaram às quartas da Copa em 1990 e 2002, respectivamente, exibindo futebol alegre e competitivo. A realidade, hoje, é mais próxima da pragmática Gana do Mundial 2010.

A corrupção nas federações nacionais e até na entidade continental também atrapalha. “Falta profissionalismo e estrutura, em especial nas competições de jovens”, denuncia o centroavante Aubameyang, do Gabão e Arsenal. O técnico alemão Volker Finke, ex-Camarões, acrescenta: “Não vejo nenhuma liga em desenvolvimento. Eles se intitulam profissionais, mas jogam e treinam em campos catastróficos”, acusou à tevê Deutsche Welle.

Quedas de braço por premiação ajudam a minar o talento africano. Na Copa 2014, Gana ameaçou não entrar em campo contra Portugal, no Mané Garrincha, em Brasília, devido à falta de pagamento do bicho pela classificação. O então presidente ganês, John Dramani Mahama, sacou verba do país para pagar a dívida e a Fifa ressarciu.

A crescente imigração de descendentes e refugiados para a Europa é outra vilã. Joias ficam divididas entre as distintas pátrias da família. Raramente escolhem países africanos. Campeão da Copa 2018 com a França, Umtiti defendeu Camarões na base. Algozes do Brasil, os belgas Kompany e Lukaku são descendentes de congoleses.

Seis perguntas para...
François Omam-Biyik, atacante de Camarões, autor do primeiro gol da Copa da Itália (1990)

O que falta para a África Negra chegar às semifinais da Copa ou até mesmo conquistar o título mundial?
O futebol africano decaiu muito nos últimos anos. Acho muito difícil que isso aconteça nos próximos 10 anos. Há muita desorganização e falta de planejamento, tudo está muito ruim.

Há muitos técnicos europeus à frente de seleções africanas. Isso retarda ou acelera a evolução?
Esperamos muito deles, mas a maioria não está envolvida com o desenvolvimento da seleção principal, mas com outras coisas.

Por que há poucos técnicos negros nas seleções africanas?
Devido ao complexo de inferioridade dos nossos dirigentes e treinadores.

A África teve, recentemente, Samuel Eto’o, Didier Drogba, Emmanuel Adebayor, Fréderic Kanouté... Por que essa geração não conseguiu fazer bom papel na Copa do Mundo?
É uma pena que eles não sejam do mesmo país. Se fossem, formariam uma seleção muito forte. Individualmente, isso é impossível.

O primeiro gol da Copa do Mundo da Itália, em 1990, foi de um jogador negro: François Omam-Biyik. O que aquele gol significou na sua carreira?
Principalmente, o reconhecimento internacional.

Como você vê a questão do racismo no futebol, no esporte. Ainda há muito preconceito?
Diminuiu muito, mas, ainda tem um pouco e há muito tempo.

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