Um dos 10 mandamentos registrados na Bíblia no livro de Êxodo, capítulo 20, versículo 3, diz assim: “Não terás outros deuses além de mim”. Se Walter Rotundo cometeu algum pecado ao reverenciar “D10S” Diego Armando Maradona, ele está perdoado pelos fiéis de uma religião chamada futebol. Aos 38 anos, o argentino funcionário de uma empresa metalúrgica batizou as filhas gêmeas com o sobrenome do maior ídolo.
As gêmeas Mara e Dona nasceram em 26 de julho de 2011. Aos nove anos, moram em Villa Luro, Buenos Aires. O bairro fica perto do estádio José Amalfitani, a casa do Vélez Sarsfield, mas o pai das meninas é torcedor do Arsenal de Sarandí, campeão do Torneo Clausura em 2012 e da Copa Sul-Americana em 2007. Portanto, a devoção dos pais da menina por Maradona não tem a ver com clubes. O craque defendeu rivais como Argentinos Juniors, Boca Juniors e Newell’s Old Boys. A gratidão é resultado de quem Maradona foi fora de campo e dentro da cancha nos 91 jogos, 42 vitórias, 29 empates, 28 derrotas, 34 gols e uma Copa conquistada como protagonista da Argentina.
Rotundo não tem lembrança das exibições épicas de Maradona na campanha do bicampeonato mundial no México na Copa de 1986. Muito menos do capitão recebendo o troféu no Estádio Azteca. Porém, sempre teve uma certeza. “Nasci em abril de 1982. Cresci dizendo que, quando fosse pai, teria duas filhas e elas se chamariam Mara e Dona. Queria nomes diferentes que tivessem vínculo com Maradona”, justifica em entrevista ao Correio.
As Copas e anos foram passando, e a promessa, amadurecendo. “Em 1986, eu tinha quatro anos. Não tenho lembranças da Copa de Maradona. Em 1990, com oito anos, chorei quando vi Maradona receber a medalha de vice-campeão e o vi chorando igual a mim, uma criança de oito anos, minha idade naquela época”, emociona-se Rotundo. “Em 1994, sofri ao vê-lo deixar a Copa (dos Estados Unidos) após testar positivo. Ninguém fez nada para que ele seguisse no Mundial. Essas duas frustrações, em 1990 e em 1994, me fizeram homenagear Maradona. Aos 12 anos, decidi definitivamente que, se tivesse duas filhas, elas se chamariam Mara e Dona.
Os deuses da bola parecem ter ouvido as preces do então adolescente. Walter Rotundo casou-se com Stella Maris. Aos 29 anos, ele soube que seria pai pela primeira vez. Era 2011. Esperava uma menina. Para alegria dele, a companheira anunciou a surpresa: “Eu imaginava que teríamos apenas uma, mas eram duas. Gêmeas. Tudo perfeito. E assim nasceram Mara e Dona. A mãe concordou com os nomes. Todos na família já sabiam que esses seriam os nomes dos bebês”, conta o responsável por registrá-las no cartório de Buenos Aires.
Rotundo e Stella são divorciados. Mara e Dona têm nove anos. Vivem com a mãe, em Villa Luro, a 10 quarteirões da casa do pai. Souberam por ele da morte do sessentão Maradona no histórico 25 de novembro. Ele revela como contou às gêmeas. “Mara e Dona já entendem o significado da morte. Contei-lhes o que havia acontecido. Expliquei que o Maradona continua vivo nos nomes delas. Ele sumiu fisicamente, mas está vivo, é um legado no nome delas. Elas não choraram, nada disso. Tiveram um comportamento adulto e compreenderam exatamente o que estava acontecendo”, conta.
Obviamente, Rotundo foi quem mais sentiu o impacto da notícia viralizada pelo mundo depois das 12h da última quarta-feira, horário da morte de Maradona. “Difícil, inesperado. Quando soube da notícia, uma parte da minha alma sofreu e a outra sentiu paz. A mesma paz e tranquilidade que Maradona encontrou na passagem dele. Não havia mais lugar neste plano para Maradona ser o que sempre quis. Não seria justo com ele exigir que permanecesse entre nós”, pondera o fiel da Igreja Maradoniana, outro culto ao personagem.
“Aos 12 anos, decidi que, se tivesse duas filhas, elas se chamariam Mara e Dona”
Walter Rotundo, pai das meninas
“Para mim, Diego foi, e segue sendo, uma pessoa da minha vida, uma paixão. Meu coração. Ele é um homem muito bom, fofo. Sou orgulhosa de ter esse nome. Sou encantada por Diego. Ele sempre ajudou a todos. Eu sigo o amando”
Mara, filha, 9 anos
“Diego significa muito pasra mim. Todas as pessoas dizem que ele morreu. Ele estará sempre do nosso lado. A única coisa é que não o vemos. Para mim, ele foi e é uma grande pessoa”
Dona, filha, 9 anos
“Ele está para nós, argentinos, no mesmo patamar de Belgrano, San Martín, Gardel, Evita Perón. A diferença em relação a alguns dos nossos heróis nacionais é que Maradona não precisou de espada ou fuzil, mas de uma bola nos pés”
Walter Rotundo, pai
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Um personagem transcedental
Mara e Dona jamais tiveram contato pessoal com Maradona. Walter Retundo quis assim. Comunicou à família que ninguém estava autorizado a incomodar D10S. “Elas nunca o conheceram, mas Maradona sabia da existência delas. Fizemos chegar uma foto de Mara e Dona a ele, mas nunca insistimos nem tampouco perturbamos Maradona para que as conhecesse. Ficou claro desde sempre na minha família. Não incomodaríamos Maradona”.
Rotundo já teve papo cabeça com as filhas. Usou a história de Maradona a fim de orientá-las. “Conversamos sobre os valores humanos de Maradona. A consciência social. Ele passou por todas as classes sociais, mas, quando chegou ao topo e conheceu o luxo, jamais esqueceu da sua origem (Villa Fiorito) nem de brigar pelo seu povo. Isso, para mim, é lindo”, exalta o pai de Mara e Dona.
No entanto, ele também alerta para o outro lado da vida do ídolo. “Maradona foi exemplo para meninos e meninas do que se deve e o que não se deve fazer. Provou que o esporte é capaz de salvar da miséria, mas, também, exige cuidados com as decisões que se toma. Diego escolheu o uso de substâncias, e o meu conselho é para que ninguém use drogas ou escolha o caminho da delinquência”.
A seleção principal da Argentina amarga 27 anos de abstinência. Não ganha nada desde a Copa América de 1993. Questionado se batizaria um próximo filho de Lionel Messi caso o país conquiste o tricampeonato no Qatar-2022, Rotundo descartou a possibilidade de homenagear o jogador eleito seis vezes melhor do mundo.
“Maradona transcendeu o campo de futebol. Ronaldinho Gaúcho e Lionel Messi fizeram mais do que a Maradona com a bola nos pés, mas Maradona está para nós, argentinos, no mesmo patamar de Manuel Belgrano, José de San Martín, Carlos Gardel, Evita Perón. A diferença em relação a alguns dos nossos heróis nacionais é que Maradona não precisou de espada ou fuzil, mas de uma bola nos pés para lutar em defesa da nossa pátria”, defende.
O respeito pelo jogador tem tudo a ver com os dois gols de Maradona em 22 de julho de 1986. “Nasci em 1982, um ano muito significativo historicamente para o nosso povo, o nosso país, devido à Guerra das Malvinas (2 de abril a 14 de junho de 1982). Quatro anos depois, vencemos a Inglaterra na Copa do Mundo do México com dois gols de Maradona em uma partida muito simbólica para a Argentina”, afirmou. (MPL)