Fifa The Best

O papa da bola

Personagem mais badalado da Polônia desde João Paulo II, Lewandowski supera Cristiano Ronaldo e Messi e quebra jejum: último centroavante raiz eleito número 1 do mundo havia sido Ronaldo Fenômeno, em 2002

Marcos Paulo Lima
postado em 18/12/2020 00:39

Tem fumaça branca na chaminé. Os fiéis da religião chamada futebol podem dizer: Habemus Papam. Ele é polonês. Nasceu em Varsóvia, em 21 de agosto de 1988. Personagem mais badalado do país do Leste Europeu desde o papa compatriota dele, João Paulo II (1920-2005), Robert Lewandowski, de 32 anos, do Bayern de Munique, superou o vice português Cristiano Ronaldo (Juventus) e o terceiro colocado, o argentino Lionel Messi (Barcelona), ontem, na cerimônia remota realizada em Zurique, na Suíça, e conquistou o prêmio de melhor jogador do mundo em 2020.

A eleição de Robert Lewandowki melhor do mundo em 2020 é simbólica. Considerados fora de moda nos debates sobre a preferência pelo falso 9 na era dourada do Barcelona, de Pep Guardiola; e da Espanha, de Luis Aragonés e Vicente del Bosque; os centroavantes ressuscitaram oficialmente na cerimônia virtual de ontem do Fifa The Best, em Zurique, na Suíça. O polonês recoloca camisas 9 raiz, como ele, no trono que a classe não ocupava havia 18 anos.

Talvez você não lembre. O último centroavante eleito número 1 do mundo foi o brasileiro Ronaldo. O Fenômeno arrematou os prêmios da Fifa e da revista France Football em 2002. Naquele ano, havia levado o Brasil ao pentacampeonato na Copa realizada no Japão e na Coreia do Sul. Marcou oito gols. Dois deles na final contra a Alemanha. Chegou ao Mundial como jogador da Internazionale. Conquistou a estatueta vestindo a camisa do Real Madrid.

Daquele ano em diante, o prêmio de melhor do mundo deu as costas aos centroavantes, os matadores numa linguagem popular. Zagueiro, meias e atacantes de lado do campo na linguagem pós-moderna da bola, ou seja, mais pontas do que homens de área, revezaram-se no poder.

Deu Zidane em 2003. Ronaldinho Gaúcho em 2004 e 2005. Cannavaro surpreendeu em 2006. Kaká assumiu o trono em 2007. Cristiano Ronaldo e Messi reinaram por 10 anos consecutivos de 2008 a 2017 e colocaram em xeque a necessidade de um time ter centroavante. Ambos são jogadores de lado, mas sabem perfeitamente atuar dentro da área no papel de falso 9. O meia Modric quebrou a dinastia em 2018, Messi recuperou o cetro em 2019 e, finalmente, um centroavante ostenta o posto de número 1 do planeta bola. Robert Lewandowski é a nova referência do esporte mais popular do mundo.

Lewandowski é moderno. Longe de ser aquele centroavante “paradão” dentro da área. Não é um cone, como a torcida brasileira batizou Fred na Copa de 2014 ao manifestar a revolta com as atuações do centroavante da Seleção no Mundial disputado aqui. O polonês sabe sair da área. É jogador de movimentação. Busca tabelas. Arranca com a bola dominada quando isso é possível. Quando necessário, põe a bola embaixo do braço e decide partidas.

Não é por acaso que as inspirações dele são dois reis da área. “Quando eu era um jovem jogador, lembro de ver Ronaldo e Romário jogando e eles foram grandes influências, grandes ídolos para mim. O Brasil sempre teve jogadores incríveis, e eles mostravam um futebol mágico. E eu, algumas vezes, jogava com a camisa 11 por causa do Romário, que eu vi inúmeras vezes em campo”, disse em entrevista ao evento organizado pela Fifa.

O craque do ano fez 55 gols em 47 jogos. Deu 10 assistências. Teve participação direta em 65 gols do Bayern de Munique na temporada. Registrou média de 1,38 por partida. Ajudou o clube a arrematar Champions League, Bundesliga, Copa da Alemanha, Supercopa da Alemanha, e Supercopa da Europa. Resumindo: teve ano de Messi e/ou Cristiano Ronaldo numa temporada em que o argentino e o português foram jogadores comuns.

Curiosamente, Messi e Cristiano Ronaldo voltam a ser superados por um craque do Leste Europeu. O croata Modric quebrou a dinastia dos dois em 2018. Para mim, o português deveria ter sido eleito naquele ano. Nesta temporada, Lewandowski coloca a Polônia do inesquecível Boniek — maior craque da história do país — em evidência. A nação arrasada na Segunda Guerra Mundial é também a terra do papa João Paulo II. Lewandowski é o personagem mais badalado do país desde que Karol Józef Wojtla morreu, em 2005, e tornou-se santo em 2014.

A religião chamada futebol tem um novo “papa” desde ontem, quando a fumaça branca saiu da chaminé da sede da Fifa, em Zurique. A nova referência dos fiéis ao esporte mais popular do mundo segue, agora, a liturgia de Lewandowski. A doutrina dele é marcar gols. A ordem dos centroavantes do futebol mundial agradece pela ressurreição da camisa 9.

52
Número de pontos de Lewandowski no colégio eleitoral formado por jornalistas, técnicos, capitães das seleções filiadas à Fifa e internautas, contra 38 de Cristiano Ronaldo e 35 de Messi. Neymar ficou em nono lugar.

“Quando eu era um jovem, lembro de ver Ronaldo e Romário jogando. Eles foram influências, ídolos pra mim. E eu, algumas vezes, jogava com a camisa 11 por causa do Romário”

Lewandowski, melhor do mundo

Os premiados

» Melhor jogador
Lewandowski (Polônia/Bayern de Munique)

» Melhor jogadora
Lucy Bronze (Inglaterra/Manchester City)

» Melhor goleiro
Manuel Neuer (Alemanha/Bayern de Munique)
» Onze ideal masculino
Alisson (Liverpool)
Arnold (Liverpool)
Alphonso Davies (Bayern Munique)
Sergio Ramos (Real Madrid)
van Dijk (Liverpool)
Thiago Alcántara (Bayern Munique)
De Bruyne (Manchester City)
Kimmich (Bayern Munique)
Cristiano Ronaldo (Juventus)
Lewandowski (Bayern Munique)
Messi (Barcelona)

» Melhor treinador
Jürgen Klopp (Alemanha/Liverpool)

» Melhor jogadora
Lucy Bronze (Inglaterra/Lyon)

» Melhor treinadora
Sarah Bouhaddi (França/Lyon)
Onze ideal feminino
Endler (PSG)
Millie Bright (Chelsea)
Lucy Bronze (Lyon)
Wendie Renard (Lyon)
Barbara Bonansea (Juventus)
Verónica Boquete (Utah)
Delphine Cascarino (Lyon)
Pernille Harder (Woflsburg)
Tobin Heath (Portland)
Vivianne Miedema (Arsenal)
Megan Rapinoe (Reign)

Melhor treinadora
Sarina Wiegman (Holanda)

Prêmio Puskás
Son Heung-Min (Coreia do Sul/Tottenham)
» Fair Play
Mattia Agnese (ITA/Ospedaletti). Aos 17 anos, ajudou a salvar a vida de uma adversária em uma partida.

» Melhor torcedor
Marivaldo Francisco da Silva. O pernambucano caminha 12 horas
para assistir ao jogos do Sport no estádio do clube, a Ilha do Retiro.

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Lucy Bronze leva o ouro

O período de avaliação para os concorrentes ao Fifa The Best foi de 8 de julho de 2019 a 7 de outubro de 2020. A briga pelo prêmio de melhor jogadora terminou com a consagração da inglesa Lucy Bronze, ex-Lyon, atualmente no Manchester City. Ela derrotou a francesa Wendi Renard e a dinamarquesa Pernille Harder.

A abertura do evento foi feita pelo presidente da Fifa, Giovanni Infantino, agradecendo aos profissionais de saúde pelo trabalho feito no período de pandemia. Homenagens também foram feitas a Maradona e Paolo Rossi. Os craques da Argentina e da Itália morreram em novembro e neste mês, respectivamente.

Vencedora do prêmio feminino, Lucy Bronze, de 29 anos, jogou por três temporadas no Lyon e conquistou todos os títulos possíveis com a equipe em 2020: campeã francesa, da Copa da França, da Supercopa da França e, no fim de agosto, da Liga dos Campeões da Uefa. Em seguida, acertou o retorno ao Manchester City, onde atuou de 2014 a 2017. Ano passado, ficou em terceiro lugar na eleição da Fifa The Best.

Brasileiro
O Brasil ficou com o prêmio de Fifa Fan com a história de Marivaldo da Silva, torcedor do Sport, que caminha 60km por mais de 12 horas desde Pombos, sua cidade, até Recife para ver os jogos na Ilha do Retiro. É a segunda vez consecutiva que um torcedor brasileiro conquista o prêmio de fã do ano. Em 2019, a conquista ficou com Silvia Grecco. Ela leva o filho deficiente visual ao estádio e narra os jogos do Palmeiras para ele.

O goleiro Alisson, do Liverpool, que buscava o segundo prêmio consecutivo, e Oblak, do Atlético de Madrid, foram superados pelo alemão Neuer. No feminino, a escolhida foi a francesa Sarah Bouhaddi, do Lyon.

Outro representante do futebol brasileiro que não ficou com o prêmio foi o uruguaio Arrascaeta. O meia disputou o Prêmio Puskás com um gol de bicicleta marcado pelo Flamengo contra o Ceará pelo Campeonato Brasileiro de 2019. Ele e Suárez, então no Barcelona, foram superados pelo sul-coreano Son, do Tottenham.

Entre os técnicos, pelo segundo ano seguido o eleito foi Jürgen Klopp, do Liverpool, à frente do alemão Hansi Flick, do Bayern de Munique, e do argentino Marcelo Bielsa, do Leeds. A vencedora de melhor técnica ficou com a holandesa Sarina Wiegman, que dirige a sua seleção nacional.

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