MERCADO

China no vermelho

Entenda por que a mudança no controle financeiro na liga nacional da segunda economia do mundo colocou jogadores brasileiros, como Hulk e Miranda, para correr. Até pouco tempo, o país asiático tinha potencial para arrancar jogadores da Europa

Marcos Paulo Lima
postado em 20/03/2021 21:23
 (crédito: Pedro Souza/Atletico)
(crédito: Pedro Souza/Atletico)

A convocação do Brasil para a Copa da Rússia-2018 derrubou um tabu: a lista teve, pela primeira vez, jogador vinculado a um clube chinês. Homem de confiança do técnico Tite, o meia Renato Augusto, do Beijing Guoan, representou a Chinese Super League em uma seleção de ponta. Ele não foi o único. A Argentina contou com o volante e zagueiro Mascherano, empregado, à época, no Hebei FC.

Isso dificilmente se repetirá no Mundial do Qatar-2022. O futebol chinês vive novos tempos e os clubes brasileiros podem “lucrar” com isso. Miranda e Éder jogavam lá na última temporada e acabam de trocar a vida na segunda maior potência do planeta pelo São Paulo. Hulk, uma das maiores transações na história da competição, estreou na última sexta-feira com a camisa do Atlético no Campeonato Mineiro. Sinais do novo normal na China. Opções como Paulinho, Renato Augusto, Alex Teixeira, Roger Guedes e Tiquinho Soares também desejam ser repatriados.

Motivo: a liga chinesa tomou juízo. Depois de quebrarem a banca com contratações bombásticas, investindo pesado na compra de direitos econômicos e pagamento de salários galácticos à caça de reforços, inclusive na Europa, os clubes fecharam para balanço e decidiram frear a gastança. Para se ter uma ideia, o meia Oscar é a transação mais cara da história da China. O Shangai Port (ex-SIGP) pagou 60 milhões de euros ao Chelsea por ele em 2016/2017. O mesmo clube depositou 55,8 milhões de euros na conta do Zenit São Petersbugo, da Rússia, para adquirir Hulk.

A bolha do futebol chinês explodiu. Em 2020, 16 clubes das três principais divisões do país mais populoso do mundo faliram. Grande parte devido a dívidas impagáveis e outros rombos financeiros. O governo entrou na jogada e estabeleceu novas regras. Uma delas é a taxação das contratações em 100%. Resumindo: o tributo equivale ao investimento nos direitos econômicos do contratado.

Desde o ano passado, está em vigor um “salary cap”, como ocorre nas principais ligas profissionais dos Estados Unidos — casos da Major League Soccer (MLS), NBA, NFL e MLB. O teto salarial é R$ 3 milhões de euros. A retração criou um marco. Contratos anteriores a 2020 podem se dar ao luxo de desobedecer a regra. Novos acordos têm de se enquadrar ao novo normal do país asiático.

Na prática, Hulk, por exemplo, perderia dinheiro. O salário do reforço do Atlético-MG era estimado em 16 milhões de euros por temporada na China. Para renovar o acordo, teria de abrir mão de praticamente 80% dos vencimentos.

Bancado pelo mecenas do Atlético-MG, Rubens Menin (Banco Inter e MRV), ele acertou o retorno ao país com salário superior a R$ 1 milhão por mês. Titular da Seleção na Copa do Brasil-2014, Oscar foi arisco. Renovou acordo até 2024 e driblou a marcação implacável dos tempos de recessão na Chinese Super League.

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Time quebrado

O time do brasileiro Roger Guedes, que interessa ao Fluminense, passou vexame recentemente. Rebatizado de Shandong Taishan, o Shandong Luneng foi impedido de disputar a Liga dos Campeões da Ásia nesta temporada por um motivo comum por aqui: atraso de salário.

Mecenas da Inter larga ex-time chinês de Miranda

 (crédito: Divulgação/SP.FC)
crédito: Divulgação/SP.FC

A multinacional Suning Holdings Group é um dos símbolos da retração no futebol chinês. Bancava o Jiangsu Suning, atual campeão nacional. Reforços do São Paulo, Miranda e Éder jogavam lá.

Na janela de transferências passada da Europa, a empresa fundada, em 1990, para competir no mercado interno de produtos eletrônicos, fez barulho ao cogitar a compra de Messi. Queria levá-lo para a Itália. Neste ano, deixou de injetar grana no Jiangsu Suning. A mesma firma tentou presentear a equipe chinesa com o galês Gareth Bale. O acordo parecia fechado, mas houve recuo na arrastada negociação com o Real Madrid.

A firma é uma das três empresas privadas mais ricas da segunda economia do mundo. A multinacional é sócia majoritária da Internazionale. Em 2016, comprou 70% do clube por 270 milhões de euros. O dono é Zhang Jindong, um senhor de 58 anos. Levantamento do ano passado da revista Forbes o colocava em 30º lugar na lista dos mais ricos da China. Fortuna estimada em US$ 8,3 bilhões.

Os tentáculos alcançam o comércio físico, on-line, imobiliário, serviço financeiro e a indústria esportiva. São 280 mil colaboradores no mundo e faturamento de US$ 77,2 bilhões em 2019. Até setembro do ano passado, o site suning.com registrava lucro de US$ 1,6 bilhão.

O presidente da Inter é o jovem Steven Zhang, de 27 anos, filho de Zhang Jindong. Sob a administração do herdeiro, o clube italiano ostentou lucro recorde de 417 milhões de euros no último balanço financeiro. A multinacional estima que a Inter tenha 120 milhões de torcedores na China. Esse era o principal argumento para comprar Messi e colocá-lo no time.

O investimento na Inter é pesado. Os chineses construíram uma nova sede para o clube — o 1908 Inter HQ, mais conhecido como The Corner. O centro de treinamento Appiano Gentile foi modernizado. Ganhou até “naming rights”. Passou a chamar-se Suning Training Centre. Os chineses inauguraram um conjunto habitacional para oferecer mais conforto aos jogadores e pretendem aplicar mais 1,2 milhão de euros na reforma do San Siro.

A multinacional também ataca no ramo de entretenimento. É dona dos direitos de transmissão das principais ligas nacionais da Europa. A PP Sports leva ao ar, na China, o Alemão, Espanhol, Francês, Inglês, e o Italiano. Dá mais lucro do que o Jiangsu Suning. (MPL)

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