SUPERCOPA

Praça dos Dois Poderes

Inspirados na escultura os Guerreiros, rebatizada de Os Candangos, mostramos que os tentáculos de Flamengo e Palmeiras vão muito além da força econômica na montagem dos times mais badalados do país

Marcos Paulo Lima
postado em 10/04/2021 23:10

Apraça do povo é dos Três Poderes. A praça da final sem torcida, dos dois clubes mais poderosos do país. Vazio nas arquibancadas devido à pandemia, mas cheio de ingredientes nas quatro linhas para a receita de uma saborosa iguaria, o Mané Garrincha servirá pelo segundo ano consecutivo, hoje, no banquete das 11h, a quarta edição da Supercopa do Brasil.

Lançado em 1990 e 1991, abandonado por 29 anos e ressuscitado no ano passado, o torneio tradicional no cardápio das ligas nacionais da Europa tem tudo para colar em gramados tupiniquins. Na abertura desta temporada, opõe os campeões de 2020 do Brasileirão, Flamengo, do atacante Gabi; e da Copa do Brasil, Palmeiras, liderado pelo goleiro Weverton.

É impossível dissociar os candidatos ao título, em jogo único, com decisão por pênaltis se houver empate no tempo normal, do contexto político da capital. Os tentáculos de Flamengo e Palmeiras vão muito além da montagem de elencos e times milionários. Ambos estão entre os maiores lobistas do futebol nacional. Jogam livres, leves e soltos na esfera pública de Brasília.

Apesar de trocar camisa de time como quem muda de roupa, o presidente da República, Jair Bolsonaro, é torcedor do Palmeiras. Participou da festa do título da Série A, em 2018, após derrotar o petista Fernando Haddad nas eleições, no gramado do Allianz Parque. Vira-casaca, também usou farda rubro-negra, no Mané Garrincha, para atrair a simpatia do clube mais popular do país. Deu até “manto sagrado” para o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim.

O governador do DF, Ibaneis Rocha, é torcedor do Flamengo daqueles de tirar o jatinho particular do hangar para ver jogo da Libertadores. Em 2019, chefiou a delegação, no Equador. Na final do torneio, licenciou-se do Buriti para ir ao Peru testemunhar a conquista do bi.

A diretoria do Flamengo tem passe livre no Palácio do Planalto. Foi até criticada pela cúpula do Palmeiras por forçar a volta do futebol e a criação da Medida Provisória do Mandante (MP 984/2020) em meio à pandemia. Meses depois, o clube paulista pegou carona na abertura política e liderou caravana com outros sete clubes até o gabinete de Bolsonaro.

Flamengo e Palmeiras movimentam-se com facilidade no poder executivo, mas também são articulados no legislativo. Fazem tabelinhas no Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut). A suspensão do pagamento das dívidas na pandemia tem influência deles. Também acompanham com lupa a confecção de uma nova MP do Mandante. A anterior, feita a trancos e barrancos, caducou no Congresso Nacional.

Os dois clubes são fortes, ainda, no poder judiciário. Na última quinta-feira, o Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1) determinou novo lockdown no DF. Impedia a Supercopa do Brasil e rejeitou recurso. O GDF apelou ao Superior Tribunal de Justiça. O processo caiu nas mãos do presidente do STJ, Humberto Martins. A caneta do ministro liberou a decisão em Brasília.

Os protagonistas da Supercopa também transitam facilmente no mercado financeiro público e privado. Graças ao governador rubro-negro Ibaneis Rocha, o Flamengo tem a vida econômica turbinada pelo Banco de Brasília — parceiro estatal máster da camisa. Patrocinado pela Crefisa, o Palmeiras tenta aumentar a exposição da marca justamente na casa do BRB. Por sinal, dinheiro não falta à CBF. O campeão fatura R$ 5 milhões. O vice, R$ 2 milhões.

O que esperar do jogo?

O jogo será um choque de estilos, de propostas na linha do que foi Bayern x PSG. O Flamengo versão 2021 já deixou claro que tem o objetivo de “morar” no campo adversário, jamais abrir mão da bola, criar situações seguidas de gol e, assim, vencer os jogos. O Palmeiras será o mesmo de 2020, como demonstrou na vitória sobre o Defensa y Justicia, quarta-feira, fechado e até acuado em determinados momentos do cotejo, mesmo diante de um oponente inferior tecnicamente. O jogo poderá ter um grande impacto nas discussões se a imposição rubro-negra prevalecer. Caso contrário, sairão até das tumbas os negacionistas da bola, os defensores do jogo da rejeição à pelota, do pragmatismo, de tudo o que impera no futebol praticado no país desde o começo do século, pelo menos.

Mauro Cezar Pereira é blogueiro do UOL, colunista do Estadão e comanda o canal do Mauro Cezar no YouTube

O que esperar do jogo?

A Supercopa não é tradição no Brasil, mas tem tudo para ser um torneio muito legal. Entenda, muito bacana. Não é base para nada. Na Inglaterra, festeja-se o início da nova temporada, como um torneio de preparação, não como objetivo. Em 2017, José Mourinho festejou o título da Liga Europa levantando três dedos, em referência aos três troféus conquistados. Um deles, a Community Shield, a Supercopa inglesa. Não foi levado a sério. A Supercopa é o início, não é o objetivo final. Na Espanha, no início da década de 2000, Real Madrid e Barcelona duelavam com ódio, em busca do troféu da Supercopa. Era mais uma briga Guardiola x Mourinho. Na temporada passada, o Athletic Bilbao venceu. Não quis dizer nada, nem que a temporada seria boa nem ruim. Perdeu a final da Copa do Rey para a Real Sociedad. Tudo isso mostra que o Brasil terá de construir uma história com a Supercopa a partir de agora. Flamengo e Palmeiras esboçam uma rivalidade que não é a maior do país. Longe, bem longe disso. Não contabilize como um título nacional. É o início da temporada. É muito mais uma festa do que a exposição de uma raiva sobre um rival.

Paulo Vinicius Coelho, o PVC,
é comentarista do Grupo Globo, blogueiro do GE e colunista da Folha de S. Paulo e rádio CBN

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