CANDANGATE

Submundo do Candangão

Correio explica como funcionaria o modus operandi das manipulações de resultado do torneio local. Caso está sob investigação do MPDFT e do TJD/DF. Especialista enumera possíveis penalidades para os envolvidos

Correio Braziliense
postado em 01/05/2021 21:43

Na contracapa do livro O submundo do futebol, confissões de um manipulador de resultados, o autor Wilson Raj Perumal provoca no leitor uma profunda reflexão sobre a lisura de competições esportivas. “O que faz um time ganhar uma partida de futebol? Treino, suor, garra? Ou uma mala cheia de dólares?”, questiona. Na obra, o cingapuriano, considerado um dos maiores arranjadores de placares do mundo, garante que quase todos nesse meio, de árbitros a jogadores, têm seu preço. Basta saber negociar. Neste ano, o Campeonato Candango virou alvo de investigação após placares demasiadamente elásticos levantarem suspeitas.

Em 16 de abril, o blog Drible de Corpo, do Correio, trouxe em primeira mão a possível contaminação do torneio local por máfias de apostadores. Paralelamente, duas investigações foram iniciadas. Procurado pela Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) requisitou os contatos dos presidentes dos 12 clubes da primeira divisão e detalhes dos resultados das 36 partidas da primeira fase, como súmulas e imagens dos jogos. A investigação também tramita no Tribunal de Justiça Desportiva do Distrito Federal (TJD-DF). O objetivo das apurações é elucidar as interrogações que rondam o torneio.

No Distrito Federal, o modus operandi da irregularidade estaria enraizado. Toda o esquema seria capitaneado por um influente dirigente do futebol candango, responsável por gerir todo o jogo de cena da manipulação de resultadores. Caberia a esse coordenador algumas funções-chave na corrupção dos placares como, por exemplo, apontar as partidas com maior potencial de retorno financeiro nas bancas de apostas das casas esportivas. Com os alvos definidos, o mesmo cartola teria a missão de facilitar o processo de arranjos dos resultados.

As abordagens seriam feitas, principalmente, a jogadores e membros de diretorias de clubes locais. No caso dos atletas, os alvos prioritários eram nomes dos sistemas defensivos das equipes. O esquema abordaria entre três e quatro profissionais dos times escolhidos para arranjar os resultados — especialmente derrotas. Há relatos de propostas feitas a dirigentes, até mesmo, durante o intervalo dos jogos. Em alguns casos, árbitros também eram assediados para facilitar os placares.

A todos era oferecida a mesma contrapartida: grandes quantias em dinheiro para atender aos anseios dos manipuladores.

Dirigentes começaram a ser ouvidos nos processos em andamento nos últimos dias. Os primeiros esclarecimentos são de cartolas de equipes protagonistas nos resultados mais questionáveis da primeira fase do Candangão. Os presidentes de Samambaia, Formosa e Ceilândia estão no rol das apurações. O do time goiano, inclusive, foi ouvido na sexta-feira pelo MPDFT. Não está descartada, também, a inclusão do mandatário do Real Brasília nas oitivas. Os principais nomes da FFDF e da associação de árbitros do Distrito Federal também foram intimados a depor.

Alguns placares estão no alvo: a vitória do Samambaia sobre o Formosa, por 5 x 1, a derrota do Samambaia para o Santa Maria, por 3 x 0, e a goleada do Ceilândia sobre o Samambaia, por 8 x 1. O esquema que culminou na Operação Candangate seguiria padrões institucionalizados. Na última sexta, o Correio revelou que um sistema de rastreamento de fraudes em cassinos on-line detectou padrões suspeitos em apostas de jogos do Candangão.

O que versa o artigo 243-A?

Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente. Pena: multa, de R$ 100 a R$ 100 mil e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de 180 a 360 dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação.

 

Cinco perguntas para...

Tairone Aires Júnior, membro do Conselho de Direito Desportivo da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Juridicamente, como vê o caso?
Vale ressaltar a cautela que deve ser adotada no assunto. As acusações estão sob investigação do MPDFT e do TJD-DF. O ideal é aguardar os desdobramentos das apurações. É um suposto caso muito complexo, com aparente envolvimento de dirigentes, árbitros e atletas. O cuidado é justamente para não proferir graves acusações. São relatos perturbadores, que deturpam o sentido do esporte.
Esses fatos podem ter alguma relação com o lapso de normas que regulam a questão de apostas esportivas no país. No mundo todo, isso movimenta um montante enorme de dinheiro e a falta de uma regulamentação mais completa facilita o acontecimento desses supostos esquemas.

Quais consequências podem ser imputadas aos envolvidos?
Pelo fato de todas as apurações estarem na fase inicial, é incerto apontar quais os desdobramentos das inquisições. Podemos avaliar possíveis panoramas nos baseando no que é de conhecimento geral. São acusações graves que podem gerar consequências nas esferas penal e administrativa. São atitudes que ferem gravemente a ética desportiva e causa desconforto ao fã do esporte, que espera, no mínimo, o cumprimento das principais regras. O Ministério Público também investigará no âmbito cível. Entretanto, se configura em uma área com mais dificuldade para se imaginar os desdobramentos da apuração. O MPDFT tomará as providências cabíveis conforme o resultado da investigação. Ou seja, poderá, ou não, oferecer a denúncia ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Esse, por sua vez, irá proceder para cumprir o devido processo legal.

Quais são as possíveis denúncias na esfera penal?
Caso o MPDFT entenda que tenha ocorrido a prática de ilícitos penais, os envolvidos poderão ser denunciados com base nos crimes previstos no Estatuto de Defesa do Torcedor do art. 41-C ao art. 41-E. Os dispositivos versam sobre atos com o objetivo de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva. A pena é de reclusão de dois a seis anos, além de multa. Essa previsão justifica a intervenção do Estado por meio do Direito Penal.

E no âmbito esportivo?
No Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), por exemplo, temos alguns dispositivos que tratam dessa questão e tipificam as infrações. Podemos listar os artigos 240, 241, 242, 243 e 243-A e que têm variadas punições que vão desde multas pecuniárias, eliminação da equipe do campeonato e, até mesmo, suspensão pelo prazo determinado no artigo. O art. 243-A se mostra aquele que mais se adequa à situação e tem uma punição mais severa. O TJD-DF está a par do que fora denunciado e também está conduzindo uma investigação que, em nada, atrapalhará a do MPDFT. A corte desportiva, na hipótese da veracidade dos fatos, poderá punir os eventuais envolvidos com todas as sanções citadas. Isso dependerá do que o tribunal irá concluir com as investigações, bem como os relatórios que serão disponibilizados para a Procuradoria da corte.

Existe proteção a possíveis denunciantes?
O parágrafo único do artigo 243-A prevê a obrigação de clubes e Federações a auxiliar atletas, técnicos, membros de comissão técnica, dirigentes e membros da comissão de arbitragem que denunciarem as práticas ou tentativas de manipulação de resultados a inclui-los em programas especiais de proteção a vítimas de ameaças ou testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a graves ameaça, em razão de colaborarem com a investigação.

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