Em 1950, quando o Brasil perdeu a final da Copa do Mundo para o Uruguai, no Maracanã, o escritor Nelson Rodrigues denominou como complexo de vira-lata o sofrimento nacional em torno do episódio. O termo foi associado, basicamente, ao sentimento de inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo e ao que é nosso. Prestigiados na Europa e questionados em terras tupiniquins, o volante Fernandinho e o zagueiro Thiago Silva são rostos atuais da expressão. Hoje, às 16h, no estádio do Dragão, em Lisboa, os compatriotas duelam em lados opostos na final da Liga dos Campeões entre Manchester City e Chelsea.
Em comum, além do respeito fora do país, os jogadores carregam a carapuça de vilão na Seleção. A sina começou na trágica Copa de 2014. Fernandinho jogou a fatídica derrota, por 7 x 1, para a Alemanha. Suspenso na queda, Thiago Silva ficou marcado por um episódio onde se recusou a bater pênalti e chorou copiosamente na classificação contra o Chile. A desconfiança aumentou na eliminação para o Paraguai, na Copa América, um ano depois. Em 2018, o volante fez um gol contra e falhou no segundo gol na queda contra a Bélgica.
Os episódios geraram desconfiança nacional, mas nunca abalaram a vencedora história construída no Velho Continente. No City desde 2013, Fernandinho é ídolo do clube. O volante, inclusive, pode ser o primeiro brasileiro a levantar a Orelhuda como capitão. Contratado na atual temporada após ricas passagens por Milan e Paris Saint-Germain, Thiago Silva carregou a braçadeira do Chelsea em momentos esporádicos e exerce um papel de liderança nos Blues. Ambos buscam a primeira taça da Liga dos Campeões.
Em 2019/2020, Thiago Silva bateu na trave e foi vice-campeão com o PSG, ao perder a final para o Bayern de Munique. Curiosamente, o zagueiro era comandado por Thomas Tuchel, atual técnico do Chelsea. “O conheço há muitos anos. Tivemos uma parceria fantástica na França. Um capitão totalmente confiável. Uma vez que ele faz parte de um time, ele é 100% da equipe. É um cara muito emocional”, elogiou o alemão — que pode se tornar o terceiro treinador do país campeão em sequência —, destacando justamente uma característica do jogador atacada por brasileiros.
Fernandinho também ostenta a confiança irrestrita do treinador. Rotineiramente, o volante recebe afagos de Pep Guardiola. Em 2017, no primeiro ano na Inglaterra, o espanhol disse que seria reserva do brasileiro se jogassem juntos. "Eu o enxergava como uma grande pessoa, mas este ano foi dez vezes maior. Quando esteve em campo, foi bem. Quando não jogou, nos ajudou. É isso que os capitães têm que fazer”, disse o técnico, que busca o bicampeonato pessoal.
Marcados pelo complexo de vira-lata dos brasileiros em relação aos talentos caseiros, Fernandinho e Thiago Silva entram em campo com moral na decisão do principal torneio europeu de clubes e com a possibilidade de ampliar ainda mais o respeito no continente. Hoje, ao fim dos 90 minutos — ou mais 30, em caso de empate, com possibilidade de pênaltis se a igualdade persistir no placar —, a trajetória de um deles ganhará um novo capítulo dourado.
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