CRISE NA CBF

Afastado da CBF, Caboclo diz ter sido chantageado e fala em golpe de Del Nero

Em movimento na tentativa de recuperar o poder, presidente tirado do cargo por denúncia de assédio envia carta para os 27 presidentes de federações estaduais, defende a própria gestão, fala em golpe e ataca ex-padrinho na entidade

Danilo Queiroz
postado em 23/06/2021 23:43
 (crédito: Mauro Pimentel/AFP - 17/5/19)
(crédito: Mauro Pimentel/AFP - 17/5/19)

Afastado da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) após uma denúncia de assédio moral e sexual protocolada por uma funcionária no Comitê de Ética da entidade, Rogério Caboclo enviou uma carta de quatro páginas para as federações dos 27 estados do país em um movimento para tentar voltar ao poder. No texto, o cartola defende a própria gestão, ataca Marco Polo Del Nero e diz ter sido vítima de um “golpe de estado”. O conteúdo foi pulicado, inicialmente, pelo Uol.

No longo comunicado, enumerado em 18 tópicos, Caboclo não fala especificamente sobre o conteúdo da denúncia feita pela cerimonialista. Sobre o caso, o dirigente diz que vai se manifestar "no momento oportuno e de forma específica, após estar a par de todo o conteúdo da acusação". Segundo o cartola, para “os maiores advogados penalistas do país, os fatos denunciados não constituem infração penal.”

O presidente afastado diz na carta que recebeu a visita “repentina” de um "alto dirigente da CBF" em 12 de abril com uma "gravação clandestina" feita pela funcionária. O cartola, que não teve o nome citado na carta, sugere que ele "tratasse o caso com bastante cuidado". O dirigente diz, ainda, ter provas de terceiros terem exigido R$ 12 milhões a título de indenização em nome da cerimonialista.

“O valor corresponderia ao pagamento de seus vencimentos mensais até a ocasião de sua aposentadoria, ou seja, por 30 anos”, afirma. Segundo Caboclo, a proposta final ficou na casa dos R$ 8 milhões. O último contato para selar o acordo teria acontecido na manhã de 4 de junho. No mesmo dia, a funcionária formalizou a denúncia que acabou derrubando o dirigente da presidência da entidade.

“O fato objetivo é um só: eu preservei o caixa da CBF e não cedi à chantagem, pois sou um dirigente seguro, corajoso e austero – como comprovam os resultados da entidade. Tenho 20 anos de atividade no futebol em cinco instituições distintas e mantenho uma trajetória absolutamente impoluta”, diz aos presidentes das federações. Serão eles, inclusive, que irão decidir se Caboclo será destituído ou reconduzido ao poder na entidade.

Ataques a Del Nero

A carta escrita por Rogério Caboclo ataca diretamente Marco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF e padrinho político do dirigente afastado na entidade máxima do futebol brasileiro. O cartola diz ter provas que foi “vítima de uma tentativa de golpe de estado perpetrado por pessoas que sei perfeitamente identificar e conheço bem as suas motivações e interesses, seja no campo administrativo ou de recursos humanos.”

Caboclo diz que “inúmero fontes” o disseram que Del Nero busca retomar o poder na CBF, colocando no cargo de presidente alguém que obedeça às suas ordens. “Tudo aquilo que não obteve de mim”, diz. “Durante todas as suas gestões fui leal, responsável, zeloso e trabalhador incansável. Mas não posso me dizer surpreso, pois assim agiu contra Eduardo José Farah, Reinaldo Carneiro Bastos, Ricardo Teixeira e José Maria Marin”, continua.

No comunicado, Caboclo destaca ter sido alvo de conspiração de diversos interlocutores da CBF. “Alguns deles mantêm o ex-presidente (banido do futebol) no grupo de WhatsApp da diretoria da entidade", ataca. No fim do texto, ele mostra confiança de que será reconduzido ao cargo. “Estou seguro de que terei, com sobra, todo o apoio necessário para que esse verdadeiro golpe contra minha pessoa”, ressalta.

Leia, na íntegra, a carta de Caboclo

"1 – Em relação à denúncia apresentada por uma funcionária da CBF, eu me resguardo o direito de me manifestar no momento oportuno e de forma específica, com a maior transparência e de acordo com a verdade dos fatos, após estar a par de todo o conteúdo da acusação, tendo em vista que tive acesso à íntegra dos autos do processo no último dia 15/06, terça-feira. Segundo alguns dos maiores advogados penalistas do país, os fatos denunciados não constituem infração penal.

2 – Embora a gravação objeto da denúncia tenha sido feita no dia 10 de março, a funcionária apresentou atestado médico pedindo afastamento, para tratamento de saúde motivado por problemas familiares, conforme atestado por ela apresentado no dia 9 de abril. No dia 12/04, segunda-feira, recebi a repentina visita de um alto dirigente da CBF portando uma gravação clandestina realizada pela denunciante, e sugerindo que eu deveria tratar o caso com bastante cuidado.

Tenho provas de que terceiras pessoas, falando supostamente em nome da funcionária, procuraram entabular negociação em que exigiram inicialmente 12 milhões de reais, à título de indenização, correspondente ao pagamento de seus vencimentos mensais até a ocasião de sua aposentadoria, ou seja, por 30 anos, mediante sua imediata demissão para que essa denúncia não fosse tornada pública. Ao final, fizeram proposta definitiva de 8 milhões de reais.

3 – O fato objetivo é um só: eu preservei o caixa da CBF e não cedi à chantagem, pois sou um dirigente seguro, corajoso e austero – como comprovam os resultados da entidade. Tenho 20 anos de atividade no futebol em cinco instituições distintas e mantenho uma trajetória absolutamente impoluta.

4 – Rejeitei a negociação e encerrei o assunto no dia 04/06/21, às 11h28, para os mesmos interlocutores que me trouxeram as propostas e que me cobravam uma posição urgente. Curiosamente, a denúncia contra mim foi protocolada no mesmo dia às 13h55.

5 – A despeito do sigilo processual decretado, a denúncia já foi veiculada pela imprensa no mesmo dia, por volta das 18h, aproveitando-se da mídia por se tratar de dia de jogo da Seleção pelas Eliminatórias para a Copa.

6 – Durante o jogo da Seleção, fui instado por um dirigente da CBF a pedir afastamento do cargo para me defender, sob a alegação de que patrocinadores poderiam romper contrato. Considerei esse fato uma ameaça. Trata-se de alegação oportunista e inverídica pelo pouco tempo decorrido entre a veiculação da notícia e o período da partida. Ainda mais por se tratar de empresas zelosas e extremamente responsáveis em relação às suas políticas internas e contratos, e conscientes dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da ampla defesa. Até então, ninguém tinha tido acesso aos autos e nem sequer certeza da existência das acusações ou de seu conteúdo.

7 – Para minha máxima surpresa, mesmo sendo eu ocupante do cargo de presidente da CBF, fui afastado de minhas funções por 30 dias no domingo (06/06), dois dias após apresentada a denúncia, sem sequer ter sido ouvido sobre esses fatos. Foi uma decisão sem precedentes para casos análogos e que destoa dos quase 500 processos já apreciados pela Comissão de Ética até maio de 2021.

8 – Até mesmo a troca de avião da CBF, em condições extremamente vantajosas, serviu de pretexto para ataques contra minha pessoa, ignorando-se que a transação foi aprovada e assinada por todos os diretores responsáveis da entidade para esta contratação. A decisão de comprar o novo avião foi planejada por diversos meses e feita para atualizar o patrimônio da entidade. Com a transação, a CBF trocaria uma aeronave de menor tamanho e menor autonomia, do ano de 2009, por uma maior, mais moderna e de maior autonomia, ano 2015. A aeronave antiga tinha 2.550 horas voadas enquanto a nova, apenas 490 horas de voo. Sem falar de seus altos gastos de manutenção, que custaram aos cofres da entidade neste ano 370 mil dólares.

9 – Ressalto que minha relação com as seleções masculina e feminina, de todas as categorias, é excelente. Inclusive recebi mensagens de apoio e carinho de alguns dos mais importantes personagens das seleções principais masculina e feminina, e olímpica, antes e depois da tal denúncia. É notório e amplamente reconhecido que nunca nenhuma gestão da CBF trabalhou tanto e desenvolveu tão solidamente o futebol feminino. Este é o legado definitivo que demonstra meu maior e mais profundo respeito e apreço pelas mulheres e pela defesa da modalidade. É um fato inédito no mundo o comando do futebol feminino de seleções e competições estarem a cargo exclusivamente delas. Além disso, também promovi a equiparação das remunerações e premiações das seleções feminina e masculina, fato que rendeu notícia em todo mundo.

10 – Posso informar que minhas relações com as autoridades constituídas do país e com os entes internacionais do futebol sempre foram e continuarão a ser as melhores possíveis.

11 – Fui vítima de escutas ambientais e telefônicas absolutamente ilegais dentro da minha própria sala na CBF desde abril de 2018, quando fui eleito. Essas escutas foram, ao que tudo indica, instaladas por pessoas relacionadas à CBF com o intuito de controlar a entidade durante meu mandato. Áudios meus gravados dessa forma foram vazados à mídia e divulgados para me prejudicar, coincidentemente no momento em que foi deflagrada uma campanha para minha saída da CBF. Posso afirmar que essa situação foi uma das maiores decepções que tive na vida. Considerando o ambiente de desconfiança criado, posso ter me tornado uma pessoa ríspida, reservada e seletiva nas conversas internas.

12 – Para atacar minha imagem, meus detratores chegaram a difundir absurdas acusações em relação ao meu comportamento na entidade. Fatos absolutamente impossíveis de comprovação e merecedores das devidas medidas legais contra aqueles que perpetram tais ataques. O meu perfil firme, rigoroso e de resultados, que colaborou com todos os recordes administrativos e financeiros da entidade, agora serve de base para essas infundadas ilações. A CBF tinha, em 2010, um faturamento bruto de 263 milhões de reais e logo no primeiro ano da minha gestão, em 2019, o faturamento bruto alcançou 957 milhões de reais (crescimento de 264% frente uma inflação de 75% no mesmo período). O patrimônio da entidade, que em 2010 era de 229 milhões de reais, saltou para 1,248 bilhão de reais (crescimento de 445% frente uma inflação de 75%).

13 – Estou sendo vítima de verdadeira tentativa de “golpe de estado” perpetrado por pessoas que sei perfeitamente identificar e conheço bem as suas motivações e interesses, seja no campo administrativo ou de recursos humanos. Assumi o cargo de presidente da CBF em abril de 2019 e, de forma generosa e inadvertida, mantive todos os diretores da antiga gestão, sendo certo que boa parte deles hoje se insurge e conspira contra mim. Alguns deles que, por exemplo, mantêm o ex-presidente (banido do futebol) no grupo de WhatsApp da diretoria da entidade e que participam toda segunda-feira de jogos de carteado em sua casa, dos quais asseguro que jamais participei.

14 – O pior é que agora tenho conhecimento, por inúmeras fontes, que Marco Polo Del Nero, banido do futebol pela FIFA e impedido de viajar em razão do alerta internacional da INTERPOL (segundo noticiário), que responde a inúmeros processos criminais das mais diversas naturezas, em ato de ingratidão, busca retomar o poder na CBF colocando no cargo de presidente alguém que obedeça às suas ordens, tudo aquilo que não obteve de mim. Durante todas as suas gestões fui leal, responsável, zeloso e trabalhador incansável. Mas não posso me dizer surpreso, pois assim já agiu contra Eduardo José Farah, Reinaldo Carneiro Bastos, Ricardo Teixeira e José Maria Marin.

15 – Num exercício desesperado para que eu não retome o cargo de presidente, tenta-se até mesmo tolher contatos meus com federações, diretores e funcionários, no afã de gerar meu isolamento – o que, na prática, não conseguem.

16 – Tenho conhecimento de que foi instalado um regime de intimidação e “terrorismo” por alguns diretores contra funcionários dentro da entidade, com a realização de demissões, afastamentos, instalação de sistema de home office obrigatório, ameaças de demissão (inclusive por justa causa), ameaça de monitoramento por câmeras internas e rastreamento da utilização de telefones da instituição. Até mesmo práticas autoritárias como a inquirição informal de funcionários para identificar eventuais críticas ao meu comportamento ou notícias de suposto assédio foram conduzidas por diretores da entidade, como se fossem integrantes da Comissão de Ética. Práticas que podem ser identificadas como crimes. O fato é que não há nenhuma proibição, por quem quer que seja do sistema do futebol, de manter contato comigo, de acordo com o procedimento instaurado pela Comissão de Ética. Tal fato tem sido comunicado internamente como se uma regra fosse.

17 – A despeito da reiterada e desesperada estratégia de fazer crer que meu afastamento é irreversível, estou seguro e confiante de que terei, com sobra, todo o apoio necessário para que esse verdadeiro golpe contra minha pessoa, contra a CBF e contra os clubes não se concretize. Um motivo que causa revolta é a descontinuidade da minha bem-sucedida gestão até aqui e a simples notícia da perspectiva da volta de Marco Polo Del Nero ao comando do futebol brasileiro por meio de terceiros.


No programa “Bem, Amigos” da última segunda-feira (21/06), referiram-se à CBF como uma entidade atualmente acéfala, com a prática de “desmandos” internos. Abordaram a questão da possível criação de Liga de Clubes da Série A. Questionavam também com ênfase sobre as ausências de jogadores da equipe de Tite e de alguns clubes na lista olímpica do treinador André Jardine. Posso afirmar, por exemplo, que estavam sob meu comando essas composições para liberação de atletas, e que em razão do inoportuno afastamento que me foi imposto, inúmeros pré-acordos foram descumpridos e relegamos à Seleção defender a medalha de ouro olímpica sem sua principal força. Lamentavelmente, esses fatos repercutidos pela imprensa em geral demonstram a atual fragilização da imagem da CBF.

18 – Por fim, quero lembrar que tenho esposa, filho, mãe, pai, irmã e irmão, além de uma grande família, que sofrem com a injustiça e as inverdades noticiadas. Isso gera um sofrimento e uma comoção familiar que não desejo a ninguém, nem mesmo aos meus inimigos, pois não sou um homem rancoroso nem revanchista. Tenho o apoio irrestrito e diário de toda família, que tem certeza que a Justiça prevalecerá.

Deus abençoe a todos vocês e suas famílias.

Rio de Janeiro, 23 de junho de 2021
Com amizade,
Rogério Caboclo"

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação