Foco no sonho de pódio

Ícaro Miguel supera trajetória de lesões e recusa entrevistas para jornalistas antes da competição olímpica. Mãe e a namorada contam bastidores da preparação do atleta

João Vítor Marques
postado em 24/07/2021 23:21
 (crédito: Miriam Jeske/COB - 15/7/21)
(crédito: Miriam Jeske/COB - 15/7/21)

Tóquio - Era um domingo ensolarado quando a vida do pequeno Ícaro Miguel, de seis anos, mudou completamente. Mais cedo, o garoto pacato brincava na piscina de um clube em Betim, onde nasceu, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Deitado após um dia intenso na água, ele viu a mãe se aproximar com um vidro de água boricada para pingar no olho direito. Mas dona Margarete confundiu o frasco do produto com o de amônia. As horas seguintes foram de apreensão, pois não havia médicos disponíveis naquela noite. O jeito foi esperar a segunda-feira.

A consulta com especialistas impôs uma nova rotina de cuidados a Ícaro. A mãe, Margarete Soares, e o pai, Horoni Rosa, deixaram a chácara onde viviam para evitar que o garoto tivesse contato com terra e animais, que poderiam lhe causar infecções oculares. Mais do que a mudança de ares, o menino se viu afastado das coisas que mais gostava de fazer e até mesmo da escola (por 60 dias). Não foram tempos fáceis para a família, que tinha mais duas crianças: Luana Natasha e Brisa. Viviane e Lucas, os sobrinhos do casal, também eram como filhos.

Acuado, o menino buscava maneiras de lidar com o drama vivenciado tão cedo. Ícaro sempre foi muito tranquilo – contam os familiares e amigos de longa data. Esse padrão talvez tenha sido alterado em dois momentos. Aos quatro anos, ele interrompeu a missa ao ouvir um foguete estourar do lado de fora da igreja. Sem hesitar, subiu no banco e gritou em plenos pulmões: “Galo!”. “Todos começaram a rir, o padre parou a celebração”, conta, sorridente, a mãe.

A paixão pelo Atlético-MG persiste. Mais velho, conheceu Raiany Fidelis, nos tatames. A consolidação do amor pela companheira de luta, porém, tinha um pré-requisito. “Quando eu e o Ícaro estávamos nos conhecendo, ele falou: ‘Para me namorar tem de ser atleticana’. Eu falei: ‘Tudo bem, a partir de hoje, sou atleticana’ (risos)”, brinca a agora ex-cruzeirense, que, do Brasil, torce pelo namorado em Tóquio. Da capital japonesa, o lutador viralizou após atleticanos descobrirem o time pelo qual ele torce e chegou a ser personagem de publicações do clube nas redes sociais.

A segunda vez que Ícaro contrariou o próprio sossego foi um pouco mais tarde, aos 12. “Todo adolescente tem seus momentos de sapequice”, relembra Margarete. “Uma vez que ele resolveu matar aula e quebrou o braço na pista de skate”, completa, aos risos.

A rebeldia causou dor e, mais do que isso, impediu o skatista de praticar o esporte que realmente gostava. Era o taekwondo, modalidade que cresceu vendo os pais lutarem. Quando tinha oito anos, Ícaro – que recuperou 90% da visão do olho após um longo período de tratamento na capital Belo Horizonte – decidiu pedir à mãe que o matriculasse nas aulas. “Com 10 anos de idade, ele falava que seria campeão olímpico. E vai ser”, promete a mãe, esperançosa.

Nas lutas, Ícaro se transforma e adquire explosão e agilidade. Mas conserva duas características marcantes da personalidade: tranquilidade e concentração. A mescla de qualidades formou um atleta de alto nível, que conseguiu grandes resultados desde os primeiros campeonatos, ainda em Betim. Mais de uma década e meia depois, aos 26 anos, o caçula da família está em Tóquio para o maior desafio da carreira.

“Eu diria que o Ícaro nasceu preparado. Ele está muito concentrado”, relata Raiany Fidelis, que teve resultados expressivos ao longo do ciclo olímpico, mas acabou fora dos Jogos. O foco do mineiro é tão grande que ele prefere não dar entrevistas. Só depois das competições.

“Esse foco não é de agora, nessa reta final de preparação. A gente esteve isolado um bom tempo por causa da covid-19. A preparação foi isolada, em uma chácara, ninguém saía nem para ir ao mercado. A concentração dele vem de meses, com treino, dieta, focado na Olimpíada”, revela Raiany.

“Ele é muito tranquilo e me disse esses dias que está se sentindo como se fosse qualquer outro evento e não uma Olimpíada. Ele não eleva o nome da competição, está se sentindo como se estivesse em um Open. Ele é bem tranquilo em relação a isso. A vontade dele é só que chegue logo para colocar em prática tudo o que treinou”, completa.

Quarto lugar no ranking

A preparação até os Jogos Olímpicos não foi nada simples. O impacto dos treinamentos e competições teve sérias reflexões. O olho direito, outrora recuperado, agora tem apenas 10% da capacidade visual. Em um esporte em que a noção de espaço e a velocidade de reação são aspectos fundamentais, este parecia um desafio impossível. Mas, mais uma vez, Ícaro superou as adversidades.

Durante os treinamentos, ele começou a tapar o olho com visão plena para que o outro se fortalecesse – o gesto virou símbolo do atleta nas redes sociais. A estratégia deu certo. A carreira de Ícaro, que atualmente treina em São Caetano, decolou. Nos últimos anos, o mineiro empilhou medalhas e conseguiu um feito inédito para o Brasil: liderar o ranking mundial de taekwondo.

Atualmente, é o quarto colocado e um dos sérios candidatos a conquistar uma medalha olímpica na categoria até 80kg. “Ele está tranquilo como sempre, certo da vitória, muito concentrado”. A estreia no Makuhari Messe Hall será contra o italiano Simone Alessio, hoje, às 22h15. Que seja mais um domingo histórico na vida de Ícaro Miguel. (JVM)


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Tradição em busca de mais pódios

 (crédito: Daniel Varsano/COB - 15/7/21)
crédito: Daniel Varsano/COB - 15/7/21

A vela brasileira inicia, hoje, participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. A equipe formada por 13 atletas tentará manter a tradição de medalhas para o país na competição. Inspiração para isso não faltará. Dos 18 pódios conquistados pela modalidade, 10 vieram de Robert Scheidt e Torben Grael. Enquanto o primeiro buscará a sexta medalha, o que o tornaria o maior vencedor da história olímpica nacional, o outro é o chefe da equipe brasileira no Japão e lidera a delegação em busca dos melhores ventos.

“A vela brasileira chega bem aos Jogos Olímpicos. É claro que foi um ciclo totalmente diferente por causa do coronavírus, o que deixa tudo muito imprevisível. Vários atletas tiveram dificuldade para treinar, principalmente na Europa, mas depois conseguimos levar alguns barcos para Portugal. A pandemia impactou todas as equipes, não só o Brasil. Espero que a gente consiga manter a tradição de conquistar ao menos uma medalha. Não será fácil, mas temos velejadores muito bem preparados e estou confiante em um bom resultado”, analisou Torben Grael, dono de cinco medalhas como atleta e que chega à oitava participação olímpica, a segunda como chefe de equipe da vela.

A equipe brasileira conta com as campeãs olímpicas da classe 49erFX no Rio-2016, Martine Grael e Kahena Kunze, além de Fernanda Oliveira, primeira mulher a ser medalhista para o Brasil na modalidade, com o bronze em Pequim-2008, na China, ao lado de Isabel Swan. Em Tóquio, ela terá a parceria da gaúcha Ana Barbachan na 470.

A maior referência da equipe, porém, está na classe Laser. Robert Scheidt, 45 anos, é uma lenda olímpica e vai em busca de história na sétima participação olímpica. As duas medalhas de ouro, duas de prata e uma de bronze o colocam, ao lado de Torben Grael, no topo das conquistas olímpicas brasileiras. Um pódio em Tóquio elevará o nome do atleta a um novo patamar. Mesmo assim, o experiente multicampeão não se sente pressionado e prefere pensar em um dia de cada vez.

“Eu não gosto de falar muito sobre medalhas, de pensar o que vai acontecer no final. Espero que a gente ganhe muitas medalhas, mas temos de pensar um dia de cada vez. No final, veremos se o nosso sonho será realizado”, comentou Scheidt, que falou ainda sobre o que o motiva competir em alto nível.

“Comecei a pensar eu poderia chegar à minha sétima Olimpíada. E o mais importante: chegar bem. O que me motiva é saber que tenho chances, que posso brigar de igual para igual com qualquer um. O desafio é grande, principalmente pela minha idade, mas a paixão pelo esporte, pelos Jogos Olímpicos, por representar o Brasil é o que me move. Isso para mim é muito forte e um grande privilégio”, afirmou o velejador.


Brasil mira liderança do grupo

 (crédito: Kohei Chibahara/AFP)
crédito: Kohei Chibahara/AFP

A técnica sueca Pia Sundhage gostou do que viu no campo do Miyagi Stadium, em Miyagi, ontem. Em entrevista coletiva após o empate entre Brasil e Holanda, por 3 x 3, na segunda rodada dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, ela elogiou o desempenho e a capacidade de reação da Seleção diante da atual campeã europeia e vice-campeã mundial.

“Acho que foi um excelente jogo. Fomos ótimas no ataque, apesar de termos cedido um gol muito cedo. Estou orgulhosa do time por ter se recomposto após o gol e das jogadoras que vieram do banco, pois entraram muito bem na partida. Somamos um ponto, temos a última partida para dar tudo de nós e tentar ser as líderes do grupo”, disse.

A treinadora reiterou a qualidade da equipe holandesa e viu uma atuação sólida da defesa brasileira. Para Pia Sundhage, o Brasil foi taticamente eficiente ao impedir as principais jogadas de ataque do repertório das adversárias. No total, a Seleção teve oito chances de finalização dentro da área; a Holanda, apenas três.

“É um pouco mais complexo do que olhar apenas se elas fizeram gols. Na verdade, é preciso pensar como elas fizeram os gols e de que forma elas não conseguiram criar chances para isso. Lembrem-se: elas jogaram a final da Copa do Mundo há apenas dois anos e são uma equipe fortíssima. No geral, a defesa foi bem, e, no fim das contas, é necessário apenas ser um pouco mais compacta para evitar que algumas das jogadoras possam entrar no 1 x 1 e, em vez disso, criar situações de dois contra um”, avaliou.

A Seleção deixa a cidade de Sendai e, hoje, treina no Inage Seaside Park, em Tóquio. Na terça-feira, o Brasil encara a Zâmbia, às 8h30 (de Brasília), pela última rodada do Grupo F. Um empate garante a equipe nas quartas de final.


Curtas 20

Felipe Lima na semifinal

O nadador Felipe Lima conquistou, ontem, uma vaga na semifinal dos 100 metros peito nos Jogos Olímpicos de Tóquio. O experiente atleta, de 36 anos, ficou em quarto lugar na sétima bateria, garantindo o oitavo melhor tempo, com 59s17. “Estou muito feliz. Sou o mais velho da natação. Queria baixar para 58 segundos, mas vou ter mais uma oportunidade”, disse o atleta.


Zanetti, Caio e Diogo na final

Arthur Zanetti, Caio Souza e Diogo Soares estão na final individual da ginástica artística dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. A equipe brasileira terminou, ontem, em nono lugar e acabou eliminada da competição. Campeão olímpico em Londres-2012 e prata no Rio-2016, Zanetti terminou na quinta posição das argolas e tentará um terceiro pódio consecutivo. Diogo Soares obteve a última vaga na final do individual geral. Caio Souza estará nas finais do salto e do individual geral.


Filho de Hortência

Na estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, João Victor Oliva participou, ontem, do primeiro dia de competições de hipismo, na categoria adestramento. O atleta, filho da ex-jogadora de basquete Hortência, ficou em quinto lugar, colocação que o deixa em posição pouco confortável para seguir em busca de medalha. A rainha do basquete não conteve as lágrimas. “Sei o tanto que ele lutou para classificar esse cavalo em cima da hora”, disse.

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