TOKYO 2021

Rebeca entre os imortais

Com conquistas na ginástica artística em Tóquio, atleta paulista finca nome na história olímpica do Brasil ao ingressar no seleto grupo de nomes com mais medalhas em uma mesma edição dos Jogos

João Vítor Marques
postado em 01/08/2021 23:26
 (crédito: Loic Venance/AFP)
(crédito: Loic Venance/AFP)

Tóquio — Foi uma espécie de salto para a história. A verdade é que, na parte técnica, Rebeca Andrade não conseguiu repetir o desempenho dos dias anteriores e cometeu erros inesperados no Centro de Ginástica de Ariake, em Tóquio. Mas ela parece mesmo estar predestinada. Aos 22 anos, a paulista viu a lenda estadunidense Simone Biles desistir da prova, as principais adversárias errarem e fez ótimas pontuações mesmo com os desequilíbrios. E conquistou a medalha de ouro olímpica no salto da ginástica artística na manhã de ontem (início de noite no Japão).

Rebeca chegou à final com a pressão de ser uma das favoritas ao ouro. Mas ela não sentiu a responsabilidade. Estava tranquila após a prata no individual geral, conquistada na última quinta-feira. E se divertiu. “Estou bastante feliz, não sei o que dizer. Os saltos não saíram bem como eu queria, mas isso é da ginástica. Foi bom ter saltado em terceiro na ordem, para não perder o aquecimento. Me senti firme mesmo, leve, me diverti hoje”, disse.

Com uma nota média de 15.083, Rebeca saltou para o ouro. A estadunidense Mykayla Skinner, com 14.916, ficou com a medalha de prata. O pódio foi completado pela sul-coreana Yeo Seo-Jeong, que fez 14.733. Tida como principal adversária da brasileira, a também estadunidense Jade Carey errou o salto e terminou na oitava e última posição da final, com nota de 12.416. Às lágrimas, teve de ser consolada pelo treinador.

O pódio faz Rebeca entrar no seleto grupo dos brasileiros com mais de uma medalha na mesma edição dos Jogos Olímpicos. Antes dela, apenas cinco atletas nascidos no país — todos homens — haviam conseguido o feito: o canoísta Isaquias Queiroz (único com três premiações), os ex-nadadores Cesar Cielo e Gustavo Borges, além de Guilherme Paraense e Afrânio Costa, que, em 1920, levaram a bandeira nacional ao pódio pela primeira vez na centenária história olímpica.

Melhor ginasta da atual geração e uma das grandes de todos os tempos, Simone Biles não participou da final do salto, em que era favorita ao ouro. A estadunidense de 24 anos abdicou também da disputa por medalhas nas barras assimétricas e no solo. Na última quinta-feira, já havia ficado fora do individual geral. Ela tomou a decisão para poder cuidar da saúde mental.

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Carinho dos brasileiros

 (crédito: Jeff Pachoud/AFP)
crédito: Jeff Pachoud/AFP

Rebeca é como um furacão. Apontada há tempos como uma das esperanças da ginástica brasileira, ela sofreu com lesões e não conseguiu ter o desempenho que gostaria nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Este ano, porém, apareceu de vez, passou por cima das grandes adversárias e entrou para a história. O carisma e a performance em altíssimo nível na capital japonesa a fizeram conquistar o carinho dos torcedores brasileiros, que passaram a segui-la nas redes sociais. Mas, em meio à consagração, ela tenta manter os pés fincados no chão.

“Estou bombando nas redes sociais, a galera ficou bem feliz. Mas a minha cabeça está a mesma de quando eu saí do Brasil para vir competir, totalmente concentrada, sabendo as coisas que importam e o que eu preciso fazer, para depois pensar em tudo isso que está acontecendo”, disse, após o ouro.

E o depois ainda não chegou. A ginasta nascida em Guarulhos tem mais uma final para disputar: a do solo, marcada para 6h de hoje. Ao som de Baile de Favela, funk de MC João, ela lutará para igualar Isaquias Queiroz com três pódios em uma mesma Olimpíada. O canoísta levou duas pratas e um bronze nos Jogos do Rio de Janeiro.

“Eu sempre reposto o que as pessoas me marcam, eu sei que eles torcem demais e querem o melhor para mim. Isso é muito legal. Estou bem centrada, tenho mais um dia de competição, mais um dia que vou dar 110% de mim, e é nisso que estou pensando... E na medalha também, claro (risos)”, completou.

Antes de Rebeca pisar no solo, um outro brasileiro pode escrever mais um capítulo vitorioso na história olímpica. Arthur Zanetti disputará a final das argolas a partir das 5h. A diferença para os concorrentes é pequena, mas o paulista tem boas chances de pódio. Seria a terceira medalha no aparelho em Olimpíada — ele ganhou o ouro em Londres (2016) e a prata no Rio (2016). Mais tarde, às 6h51, Caio Souza tem a decisão no salto. (JVM)


Brasileiros com coleção de medalhas

Isaquias Queiroz
Duas pratas e um bronze na canoagem no Rio de Janeiro, em 2016

Rebeca Andrade
Um ouro e uma prata na ginástica artística em Tóquio, em 2021

Cesar Cielo
Ouro e bronze na natação em Pequim, em 2008

Gustavo Borges
Prata e bronze na natação em Atlanta, em 1996

Guilherme Paraense
Ouro e bronze no tiro esportivo na Antuérpia, em 1920

Afrânio Costa
Prata e bronze no tiro esportivo na Antuérpia, em 1920

 

VISÃO OLÍMPICA

Racionalmente, sabia que havia me protegido, mantido distanciamento social e seguido o protocolo. Mas vai convencer a minha cabeça… Cobrir os Jogos Olímpicos de Tóquio in loco é um misto de sentimentos: felicidade por realizar um sonho e medo de vê-lo se tornar um pesadelo. Curiosamente, estava com as mãos úmidas de álcool 70% quando li a notícia de que um atleta, que esteve no mesmo espaço que eu, havia testado positivo para covid-19. Era o tenista holandês Jean-Julien Rojer, ex-duplista do mineiro Marcelo Melo.

Nós nos sentávamos nas arquibancadas quase vazias da quadra 10 do Ariake Tênis Park quando Marcelo Melo e Marcelo Demoliner foram eliminados, ainda nos primeiros dias da Olimpíada. Se eu fosse contaminado, acabaria ali — com menos de uma semana de competições — a cobertura do evento para o qual todo jornalista esportivo se prepara a vida toda. Além, é óbvio, do temor pela própria saúde e pela possibilidade de transmitir a doença, reduzidas por causa da vacina.

Dos mais de 90 mil credenciados para a Olimpíada, apenas 160 haviam sido diagnosticados com o coronavírus naquele momento. No sábado, o número de casos confirmados de covid-19 subiu para 264. Destes, 27 são atletas. O Comitê Olímpico Internacional (COI) registrou quatro episódios de sanções, oito suspensões e algumas advertências por infração às regras do protocolo. As credenciais de seis pessoas foram retiradas.

O desespero, que tomou instantaneamente conta de mim, deu lugar à negação: nós estávamos longe um do outro, em um espaço aberto e bem ventilado, eu usava a máscara mais segura disponível no mercado brasileiro de EPI’s. Não era possível ter tido contato com o vírus.

Cientificamente, era possível, sim, eu ter me contaminado — embora improvável. Por sorte, eu teria de fazer um teste de covid-19 no dia seguinte, previsto pela organização. Nós temos a saliva analisada nos quatro primeiros dias no Japão e, depois disso, são realizados exames a cada 96 horas. O resultado provou o que, racionalmente, imaginava: eu não havia sido contaminado. Outro bom sinal foi que o sistema de GPS obrigatório para quem está no Japão, que mapeia as pessoas que tiveram contato com contaminados, não havia feito nenhum alerta. Comecei, então, a rascunhar esta coluna para publicá-la horas depois. Mas preferi esperar. E se o vírus ainda não tivesse se manifestado? Aguardei o exame seguinte — também atestando a ausência da doença — para, enfim, concluí-la e publicá-la agora. Alívio. E o sonho continua.

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