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Tóquio — Foi uma espécie de salto para a história. A verdade é que, na parte técnica, Rebeca Andrade não conseguiu repetir o desempenho dos dias anteriores e cometeu erros inesperados no Centro de Ginástica de Ariake, em Tóquio. Mas ela parece mesmo estar predestinada. Aos 22 anos, a paulista viu a lenda estadunidense Simone Biles desistir da prova, as principais adversárias errarem e fez ótimas pontuações mesmo com os desequilíbrios. E conquistou a medalha de ouro olímpica no salto da ginástica artística na manhã de ontem (início de noite no Japão).
Rebeca chegou à final com a pressão de ser uma das favoritas ao ouro. Mas ela não sentiu a responsabilidade. Estava tranquila após a prata no individual geral, conquistada na última quinta-feira. E se divertiu. “Estou bastante feliz, não sei o que dizer. Os saltos não saíram bem como eu queria, mas isso é da ginástica. Foi bom ter saltado em terceiro na ordem, para não perder o aquecimento. Me senti firme mesmo, leve, me diverti hoje”, disse.
Com uma nota média de 15.083, Rebeca saltou para o ouro. A estadunidense Mykayla Skinner, com 14.916, ficou com a medalha de prata. O pódio foi completado pela sul-coreana Yeo Seo-Jeong, que fez 14.733. Tida como principal adversária da brasileira, a também estadunidense Jade Carey errou o salto e terminou na oitava e última posição da final, com nota de 12.416. Às lágrimas, teve de ser consolada pelo treinador.
O pódio faz Rebeca entrar no seleto grupo dos brasileiros com mais de uma medalha na mesma edição dos Jogos Olímpicos. Antes dela, apenas cinco atletas nascidos no país — todos homens — haviam conseguido o feito: o canoísta Isaquias Queiroz (único com três premiações), os ex-nadadores Cesar Cielo e Gustavo Borges, além de Guilherme Paraense e Afrânio Costa, que, em 1920, levaram a bandeira nacional ao pódio pela primeira vez na centenária história olímpica.
Melhor ginasta da atual geração e uma das grandes de todos os tempos, Simone Biles não participou da final do salto, em que era favorita ao ouro. A estadunidense de 24 anos abdicou também da disputa por medalhas nas barras assimétricas e no solo. Na última quinta-feira, já havia ficado fora do individual geral. Ela tomou a decisão para poder cuidar da saúde mental.
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Carinho dos brasileiros
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Rebeca é como um furacão. Apontada há tempos como uma das esperanças da ginástica brasileira, ela sofreu com lesões e não conseguiu ter o desempenho que gostaria nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Este ano, porém, apareceu de vez, passou por cima das grandes adversárias e entrou para a história. O carisma e a performance em altíssimo nível na capital japonesa a fizeram conquistar o carinho dos torcedores brasileiros, que passaram a segui-la nas redes sociais. Mas, em meio à consagração, ela tenta manter os pés fincados no chão.
“Estou bombando nas redes sociais, a galera ficou bem feliz. Mas a minha cabeça está a mesma de quando eu saí do Brasil para vir competir, totalmente concentrada, sabendo as coisas que importam e o que eu preciso fazer, para depois pensar em tudo isso que está acontecendo”, disse, após o ouro.
E o depois ainda não chegou. A ginasta nascida em Guarulhos tem mais uma final para disputar: a do solo, marcada para 6h de hoje. Ao som de Baile de Favela, funk de MC João, ela lutará para igualar Isaquias Queiroz com três pódios em uma mesma Olimpíada. O canoísta levou duas pratas e um bronze nos Jogos do Rio de Janeiro.
“Eu sempre reposto o que as pessoas me marcam, eu sei que eles torcem demais e querem o melhor para mim. Isso é muito legal. Estou bem centrada, tenho mais um dia de competição, mais um dia que vou dar 110% de mim, e é nisso que estou pensando... E na medalha também, claro (risos)”, completou.
Antes de Rebeca pisar no solo, um outro brasileiro pode escrever mais um capítulo vitorioso na história olímpica. Arthur Zanetti disputará a final das argolas a partir das 5h. A diferença para os concorrentes é pequena, mas o paulista tem boas chances de pódio. Seria a terceira medalha no aparelho em Olimpíada — ele ganhou o ouro em Londres (2016) e a prata no Rio (2016). Mais tarde, às 6h51, Caio Souza tem a decisão no salto. (JVM)
Brasileiros com coleção de medalhas
Isaquias Queiroz
Duas pratas e um bronze na canoagem no Rio de Janeiro, em 2016
Rebeca Andrade
Um ouro e uma prata na ginástica artística em Tóquio, em 2021
Cesar Cielo
Ouro e bronze na natação em Pequim, em 2008
Gustavo Borges
Prata e bronze na natação em Atlanta, em 1996
Guilherme Paraense
Ouro e bronze no tiro esportivo na Antuérpia, em 1920
Afrânio Costa
Prata e bronze no tiro esportivo na Antuérpia, em 1920
VISÃO OLÍMPICA
Racionalmente, sabia que havia me protegido, mantido distanciamento social e seguido o protocolo. Mas vai convencer a minha cabeça… Cobrir os Jogos Olímpicos de Tóquio in loco é um misto de sentimentos: felicidade por realizar um sonho e medo de vê-lo se tornar um pesadelo. Curiosamente, estava com as mãos úmidas de álcool 70% quando li a notícia de que um atleta, que esteve no mesmo espaço que eu, havia testado positivo para covid-19. Era o tenista holandês Jean-Julien Rojer, ex-duplista do mineiro Marcelo Melo.
Nós nos sentávamos nas arquibancadas quase vazias da quadra 10 do Ariake Tênis Park quando Marcelo Melo e Marcelo Demoliner foram eliminados, ainda nos primeiros dias da Olimpíada. Se eu fosse contaminado, acabaria ali — com menos de uma semana de competições — a cobertura do evento para o qual todo jornalista esportivo se prepara a vida toda. Além, é óbvio, do temor pela própria saúde e pela possibilidade de transmitir a doença, reduzidas por causa da vacina.
Dos mais de 90 mil credenciados para a Olimpíada, apenas 160 haviam sido diagnosticados com o coronavírus naquele momento. No sábado, o número de casos confirmados de covid-19 subiu para 264. Destes, 27 são atletas. O Comitê Olímpico Internacional (COI) registrou quatro episódios de sanções, oito suspensões e algumas advertências por infração às regras do protocolo. As credenciais de seis pessoas foram retiradas.
O desespero, que tomou instantaneamente conta de mim, deu lugar à negação: nós estávamos longe um do outro, em um espaço aberto e bem ventilado, eu usava a máscara mais segura disponível no mercado brasileiro de EPI’s. Não era possível ter tido contato com o vírus.
Cientificamente, era possível, sim, eu ter me contaminado — embora improvável. Por sorte, eu teria de fazer um teste de covid-19 no dia seguinte, previsto pela organização. Nós temos a saliva analisada nos quatro primeiros dias no Japão e, depois disso, são realizados exames a cada 96 horas. O resultado provou o que, racionalmente, imaginava: eu não havia sido contaminado. Outro bom sinal foi que o sistema de GPS obrigatório para quem está no Japão, que mapeia as pessoas que tiveram contato com contaminados, não havia feito nenhum alerta. Comecei, então, a rascunhar esta coluna para publicá-la horas depois. Mas preferi esperar. E se o vírus ainda não tivesse se manifestado? Aguardei o exame seguinte — também atestando a ausência da doença — para, enfim, concluí-la e publicá-la agora. Alívio. E o sonho continua.