Um olho no treino, outro no laboratório: essa é a rotina de um seleto grupo de atletas que já passou (ou ainda passará) pelos ginásios, estádios, raias e pistas dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Essa turma enfrenta um desafio único: competir em alto nível, em busca de recordes e medalhas, enquanto trilha uma carreira na área acadêmica e científica.
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Uma das primeiras pessoas a notar e falar sobre essa carreira dupla de muitos competidores foi o microbiologista Leandro Lobo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Numa série de postagens no Twitter, ele destacou algumas histórias de esportistas/cientistas que participaram da Olimpíada de 2021 e também de edições passadas do evento.
A lista também ganhou destaque com o grupo de divulgação científica brasileiro A Ciência Explica, que usou as redes sociais para mencionar o trabalho de diversos pesquisadores com histórico olímpico.
Confira a seguir alguns dos nomes que chamaram a atenção nos jogos de 2021.
1. Anna Kiesenhofer (Áustria)
Essa austríaca de 30 anos desembarcou em Tóquio bem longe da lista de favoritas na prova do ciclismo de estrada. Mesmo assim, terminou a sua participação no lugar mais alto do pódio.
Até 2016, ela era apenas uma ciclista amadora enquanto fazia seu doutorado em matemática aplicada na Universidade Politécnica da Catalunha, na Espanha.
Nos atuais Jogos Olímpicos, Kiesenhofer terminou a prova na primeira colocação, mais de um minuto à frente da atual campeã mundial de 2019, a holandesa Annemiek van Vleuten.
A vantagem da austríaca era tão grande que a representante da Holanda comemorou efusivamente ao finalizar a prova, pois acreditou que havia sido a primeira a cruzar a linha de chegada.
A campeã olímpica de 2021 se graduou pela Universidade Técnica de Viena, na Áustria, e também possui diploma pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Atualmente, ela trabalha com pesquisa e ensino na Universidade Técnica de Lausanne, na Suíça.
Kiesenhofer, aliás, uniu suas duas especialidades ao longo dos últimos dias: antes de as provas olímpicas começarem, ela compartilhou pelas redes sociais como estava seu planejamento em Tóquio e as contas matemáticas que estava realizando para ter um bom desempenho.
E os resultados mostram que seus cálculos estavam bem corretos.
Muito legal a charlotte Hym, doutora em neurociência e skatista olímpica! Aqui um fio com mais algumas mulheres cientistas e atletas olímpicas:
— Leandro Lobo (@Lobo_Lele) July 26, 2021
Anna Kiesenhofer, doutora em matemática e acabou de ganhar o ouro olímpico no ciclismo ????Tokio 2021https://t.co/WkespW5f1l
2. Charlotte Hym (França)
Quando tinha 12 anos, a francesa Charlotte Hym ficou fascinada pelas pessoas que andavam de skate perto de sua casa, em Paris.
"Parecia ser tão legal e eu quis fazer o mesmo. Assim que comecei a praticar, percebi o quão incrível é esse esporte e aprendi uma série de manobras com meus amigos", lembra a atleta, hoje com 28 anos, no site oficial do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Hym se graduou em ciências do esporte pela Universidade Descartes, também em Paris, e logo partiu para o mestrado e o doutorado.
Sua especialidade acadêmica é a neurociência. A pesquisa que ela desenvolve tenta entender o efeito que a voz materna tem no desenvolvimento de habilidades motoras nos bebês recém-nascidos.
Após finalizar a tese e conseguir o doutorado em 2019, a francesa resolveu focar 100% no esporte e pretende voltar à pesquisa científica no futuro.
Hym competiu na modalidade skate street no dia 25 de junho, mas acabou eliminada na fase classificatória.
As medalhas ficaram com Momiji Nishiya (ouro), do Japão, Rayssa Leal (prata), do Brasil, e Funa Nakayama (bronze), do Japão.
Quantos cientistas já foram para os #JogosOlímpicos? Algumas dezenas, posso garantir.
— A Ciência Explica (@CienciaExplica) July 30, 2021
???????Separamos algumas cientistas que se dedicavam igualmente aos esportes e já competiram.
Conhece mais algum #cientista que já participou das Olimpíadas ou competiu? Fala pra gente???? pic.twitter.com/dlKeZOOCpj
3. Gabby Thomas (Estados Unidos)
A americana Gabrielle Thomas, de 24 anos, chegou como uma das favoritas ao pódio na prova dos 200 metros rasos do atletismo.
Chamada carinhosamente de Gabby, a atleta confirmou as projeções ao garantir a medalha de bronze na corrida disputada no dia 3 de agosto (o ouro ficou com Elaine Thompson, da Jamaica, e a prata com Christine Mboma, da Namíbia).
Entre os treinos e as competições, Thomas ainda estudou neurobiologia e saúde global na Universidade Harvard, nos EUA.
O interesse pelo cérebro surgiu por questões familiares: numa entrevista ao site The Undefeated, a americana contou que seu irmão gêmeo foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Ela ainda possui outro irmão mais novo com autismo.
Agora, seus planos envolvem voltar para casa e continuar cursando o mestrado em epidemiologia e gestão de saúde na Universidade do Texas, na cidade de Austin.
Seu grande interesse de pesquisa é a desigualdade racial no acesso aos serviços de saúde nos Estados Unidos.
4. Louise Shanahan (Irlanda)
A irlandesa de 24 anos tinha um plano claro em sua mente: se classificar para os Jogos Olímpicos de 2024, que serão disputados em Paris.
Mas o resultado veio antes do esperado e ela conseguiu alcançar um tempo suficiente para já participar da Olimpíada deste ano na prova dos 800 metros rasos feminino.
Shanahan, infelizmente, não passou da primeira fase. Ela participou da terceira bateria e acabou eliminada ao ficar com a sétima colocação.
Essa modalidade terminou com ouro para Athing Mu (Estados Unidos), prata para Keely Hodgkinson (Reino Unido) e bronze para Raevyn Rogers (Estados Unidos).
Enquanto os planos esportivos para 2024 seguem de pé, a irlandesa volta sua atenção agora para outra área: a física quântica.
Formada pela Universidade Cork, em seu país natal, ela agora está fazendo doutorado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Seu principal interesse está na física médica: ela estuda e desenvolve aparelhos que poderão melhorar o diagnóstico e o tratamento do câncer.
"Eu gosto de ter duas carreiras porque, caso as coisas no laboratório estejam ruins, eu posso dizer a mim mesma que sou corredora e está tudo bem. Agora, se estou mal no atletismo, sempre posso considerar que sou uma física quântica e o esporte é uma atividade extra", declarou, numa entrevista ao jornal Cambridge Independent.
5. Andrea Murez (Israel)
A natação está no sangue da família Murez: Joe, avô de Andrea, costumava nadar no rio Danúbio, na Áustria, nos anos 1940.
Pelo outro lado da família, o outro avô, Raymond Federman, chegou a representar a França em algumas competições na piscina.
Seu irmão, Zachary, também é um adepto da modalidade e competiu em algumas provas pela Universidade Yale, nos Estados Unidos.
Nascida na Califórnia, Andrea Murez, de 29 anos, se formou em biologia pela Universidade Stanford.
A natação, porém, permitiu que ela participasse de provas aquáticas nas Macabíadas, um evento esportivo que é organizado e promovido a cada quatro anos em Israel pela comunidade judaica.
Ao participar de várias modalidades e se destacar em algumas delas, Murez decidiu se mudar definitivamente para Israel e representar o país no esporte.
https://www.instagram.com/p/CR1QnT5gLMi/
Sua primeira experiência olímpica aconteceu em 2016, no Rio de Janeiro, quando participou dos 50, dos 100 e dos 200 metros nado livre, mas não conseguiu se classificar para as finais.
Depois da passagem pelo Brasil, ela decidiu continuar os estudos e atualmente cursa medicina na Universidade de Tel Aviv, em Israel.
Na Olimpíada de Tóquio, a atleta, bióloga e futura médica pulou na piscina em quatro provas: estilo livre 50, 100 e 200 metros e no revezamento 4x100 medley misto (em que as equipes de cada país são formadas por homens e mulheres e cada competidor faz um estilo de nado).
Seu melhor resultado foi justamente na modalidade em equipe: junto com os colegas israelenses, ela ficou em oitavo lugar nos 4x100 medley misto.
Essa prova terminou com o Reino Unido em primeiro, a China em segundo e a Austrália em terceiro.
6. Nadine Apetz (Alemanha)
Só de entrar no ringue, Apetz já fez história: ela se tornou a primeira representante da Alemanha no boxe olímpico feminino.
Aos 35 anos, sua passagem por Tóquio, porém, acabou abreviada. Ela perdeu para a indiana Lovlina Borgohain e foi eliminada logo na primeira luta do meio-médio feminino (que reúne atletas de 64 a 69 quilos).
A final dessa categoria está marcada para sábado (7/8) e será entre a turca Busenaz Surmeneli e a chinesa Hong Gu.
Com medalhas importantes em torneios europeus e no Campeonato Mundial de Boxe, a alemã pretende agora focar em sua outra carreira.
Com um mestrado em neurociências pela Universidade de Bremen, em sua terra natal, a próxima meta de Apetz é finalizar seu doutorado no Hospital Universitário de Colônia, também na Alemanha.
Ela estuda uma técnica chamada estimulação cerebral profunda, que envolve a aplicação de correntes elétricas ou eletromagnéticas em certas áreas da massa cinzenta.
Esse tratamento tem bastante potencial e pode ajudar futuramente indivíduos com Parkinson, uma doença degenerativa que afeta os neurônios responsáveis pela locomoção e pelo controle dos músculos.
"É difícil combinar a prática de esportes com a carreira profissional. Me preparar para a Olimpíada de Tóquio foi bastante estressante. Quando eu voltar do Japão, vou me concentrar 100% nos meus estudos", diz Apetz ao site do COI.
7. Hadia Hosny (Egito)
Ela começou a se destacar no cenário internacional em 2008, em Pequim, quando se tornou a primeira jogadora de badminton do Egito a se classificar para uma Olimpíada.
Ela repetiu a dose em 2012, ao participar dos jogos de Londres, e voltou a competir em Tóquio, agora em 2021.
Na atual edição, ela sofreu três derrotas ainda na fase de grupos e acabou eliminada, junto com sua parceira de equipe, Doha Hany.
Na modalidade de badminton em duplas feminino, o ouro foi para a Indonésia, a prata ficou com a China e o bronze acabou com a Coreia do Sul.
Finalizada sua participação no evento, Hosny disse que pretende se aposentar das competições profissionais.
"Há uma grande possibilidade de que essas tenham sido minhas últimas Olimpíadas. É muito estressante viajar para todos os torneios e me manter numa boa posição no ranking mundial", declarou a egípcia, segundo o site oficial do COI.
"O badminton foi meu primeiro amor e não ficarei longe dele, tanto que pretendo continuar como técnica", completou.
Além de não abandonar os ginásios, Hosny vai seguir com sua carreira acadêmica. Ela é professora assistente da Universidade Britânica do Egito.
Com mestrado em biomedicina pela Universidade de Bath, no Reino Unido, e doutorado em farmacologia pela Universidade do Cairo, no Egito, ela possui pesquisas e artigos publicados sobre a dexametasona, um remédio anti-inflamatório usado para várias doenças.
Mesmo sem o badminton, a agenda de Hosny continuará bem atribulada: além de atleta e cientista, ela também possui uma academia de ginástica e integra o Parlamento do Egito.
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